Gerente do COB tirou seu atual chefe das Olimpíadas e viu medalha escapar

A maior parte dos atletas do Time Brasil em Paris ainda não havia nascido quando dois dos atuais principais executivos do COB subiram ao tatame para se enfrentarem pelo direito de ir aos Jogos Olímpicos.

Todos conhecem a história vitoriosa de Rogério Sampaio, atual CEO do comitê. Mas, quase três décadas depois, caiu no esquecimento que foi o mesmo Sebastian Pereira, hoje gerente de alto rendimento, quem venceu a seletiva, barrou o campeão olímpico, foi a Atlanta-1996 e logo depois se sagraria campeão mundial júnior.

Aos vencedores, as batatas, dizem. Mas, no esporte de alto rendimento, batata é medalha olímpica. Quem tem senta-se à mesa no banquete dos deuses do esporte. Quem não tem é barrado da festa. Alguns, ainda no portão. Outros, na entrada da sala. Seba puxou a cadeira, deu oi aos demais convidados, mas nunca pôde sentar-se.

Ele é um quase medalhista olímpico. Avançou à luta pelo bronze, chegou a ter a vantagem de um yuko, mas levou a virada do norte-americano James Pedro. Ainda tinha 19 anos e perspectivas de várias outras Olimpíadas pela frente, o que nunca aconteceu.

"Eu digo que fiz dois medalhistas olímpicos", brinca Seba, falando sério. Nos Jogos seguintes, foi a Sydney-2000 como parceiro de treinos de Tiago Camilo, que o barrou na seletiva daquele ano, e a Atenas-2004 fazendo a mesma função para Leandro Guilheiro. Se um deles se machucasse, teria uma nova chance olímpica, o que nunca aconteceu. Pelo contrário: foram Tiago, e depois Leandro, a sentar-se à mesa dos deuses.

Seba já foi a grande promessa

Localizado do ladinho do Aeroporto Santos Dumont, no Rio, o Clube Santa Luzia já foi um celeiro do judô brasileiro. Lá trabalhava como treinador Ney Wilson, hoje diretor de Esportes do COB, que convidou Sebastian, então com 13 anos, para treinar sob seu comando. Aos 15 Seba já competia entre os adultos, e aos 18 já estava ameaçando os melhores do país.

Ir às Olimpíadas de Atlanta, no ano seguinte, 1996, era algo fora de cogitação. Rogério Sampaio, campeão olímpico quatro anos antes, havia subido de categoria e iria a Atlanta no peso leve (71kg). Só que, na época, a escolha do representante do país era feita por seletiva interna. Todo mundo saía do mesmo lugar, e o que importava era ganhar dos compatriotas.

"O Rogério disputava a vaga com o Sérgio Oliveira, que era o titular da categoria, tinha ido a Barcelona, e eu entrei na história em 1995, sem pretensões. Buscava ser campeão mundial júnior, mas ganhei dos dois nas seletivas, o que me credenciou a ir para o Mundial adulto, onde fui quinto colocado, e para as Olimpíadas", lembra Seba.

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Ele tinha 19 anos e, apesar de ter tirado um campeão olímpico de Atlanta-1996, foi aos EUA sem pensar em dar um passo maior que a perna. Daria seu melhor, claro, mas o foco estava no Mundial Júnior de um mês depois. No tatame, as coisas fluíram. Venceu uma, duas, três lutas até perder na semifinal para o sul-coreano Kwak Dae-sung.

Voltou à chave direto na disputa pelo bronze, contra o norte-americano Pedro, a quem jamais venceria. "A grande maioria das lutas eu passava ganhando e no finalzinho ele tirava algo da cartola e me superava. Em Atlanta, no meio da luta eu consigo aplicar um golpe nele e consegui um yuko, pontuação intermediária que não existe mais. Faltando um minuto, um minuto e pouquinho, numa trocação, os dois foram ao chão e ele acabou me aplicando um golpe que naquele momento era muito duvidoso de interpretação se valeria ou não valeria."

Entre Brasil e EUA, a arbitragem não teve dúvidas. "Ele estando nos EUA, em casa, torcida toda enfurecida, acabou valendo o golpe, o árbitro deu ippon e perdi", continua o ex-judoca brasileiro.

Cavalo selado não passa duas vezes

Naquele momento, ele era só um garoto de 19 anos com uma longa carreira pela frente. Poderia ir a diversas outras Olimpíadas, muito mais experiente. Se já havia sido quinto na estreia, muito perto da medalha, imagina nas próximas.

Só que a história não foi assim. Apesar de diversos problemas físicos e um ano inteiro afastado por lesão no púbis em 1998, Sebastian chegou forte ao fim do ciclo para Sydney. Voltou aos tatames com o bronze no Pan de Winnipeg-1999, no Mundial Militar e no Mundial Sênior, perdendo a semifinal de novo para Pedro. O brasileiro estava pronto para atingir aquele que foi sempre o objetivo: ser campeão olímpico em Sydney.

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Mas havia um novo Sebastian na área. Se em 1996 ele tirou Rogério na seletiva, em 2000 foi a vez de um garoto do interior de São Paulo chamado Tiago Camilo chegar com tudo, vindo do nada, para vencê-lo. Na categoria de baixo, outra zebra: Flávio Canto perdeu para Marcel Aragão.

"A seletiva foi na Universidade Gama Filho, o dia estava chuvoso, nublado, e eu falei para minha mãe que queria espairecer a cabeça, sozinho. Fui até a Praia da Reserva, na Barra, e fiquei só olhando para o horizonte, aquela decepção enorme. Ir para os Jogos que era o que tinha trilhado desde o início. Eis que toca o telefone celular e era o Flavio. "Onde você está?", ele perguntou. "Tô na praia. 'Ah é? Eu também. Qual?' Tô na Reserva. 'Porra, eu também'. A gente teve a mesma ação de ir para um lugar deserto pensar na vida, olhar o horizonte."

Não ir a Sydney, que era o grande foco, doeu mais do que não ganhar a medalha em Atlanta. Quatro anos depois, o Brasil já tinha outro Sebastian, outro Tiago, um tal Leandro Guilheiro, de 19 anos que venceria os dois na seletiva e iria a Atenas para ganhar o bronze.

Era o fim de uma carreira para Sebastian, e o começo de outra. Marcus Vinicius Freire, medalhista de prata no vôlei, e Agberto Guimarães, outro "quase medalhista", do atletismo, estavam à frente do comitê organizador do Pan de 2007 e o chamaram para trabalhar. Encerrado o Pan, ir para o COB foi um pulo.

"Trabalho com os atletas desde 2007, 2008, galgando oportunidades dentro do comitê para mudar a história. A gente vem vendo os resultados desde 2012, como tem melhorado, e como eles têm sido alcançados. É muito gratificante quando você vê a concretização de uma medalha a partir de uma construção em parceria, que é o que a gente mais luta aqui. Durante os Jogos, é minimizar qualquer tipo de problema que possa acontecer."

Ainda que Seba seja muito conhecido entre os atletas, poucos sabem da sua trajetória como atleta. Ele não é de ficar contando, se gabando do que alcançou, mas não se furta da oportunidade de passar adiante as lições que aprendeu na prática.

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"O que a gente fala para o atleta é: foca, concentre-se, tente não mudar nada, tente não se preocupar com o externo e não pense que vai ter outra oportunidade. Não pense na próxima, pense nessa. Eu pensei que ia ter outra e não pude ir. Faça agora, busque e se doe, faça o máximo. Faça o seu melhor, se vier medalha ou não, isso é consequência."

Não ganhar a medalha foi uma frustração, um "detalhe importante", que o deixou "puto para cacete" mas Seba diz que procura ver sempre o copo "meio cheio".

"Fiquei praticamente 10 anos na seleção, participando de todos os principais eventos do mundo, tendo experiências diferentes. Algumas agarrei, fui medalhista em Mundial Sênior, Mundial Militar, fui cobaia de um programa de alto rendimento das Forças Armadas que viria bem depois. E fui campeão mundial júnior, além de ter sido medalhista de Jogos Sul-Americanos, Pan-Americanos. Tenho muito orgulho da carreira que construí, apesar de não ter conseguido essa medalha olímpica. Cheguei muito próximo."

Errata:

o conteúdo foi alterado

  • Sebastian Pereira é gerente do COB, e não diretor, como informava o título. O título foi corrigido.

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