Ela foi atleta, virou jornalista, superou câncer e vai viver sonho olímpico

Aos 18 anos, Bruna entrou em um estúdio e fez uma tatuagem de apenas alguns centímetros. Escreveu "liberté", assim mesmo, em francês. A tinta merece alguns retoques, admite, mas ela mal sabia que, anos mais tarde, aquela palavra marcada na pele ganharia um significado ainda mais forte que qualquer dicionário pode definir.

Bruna Dealtry está em Paris para a realização de um dos grandes sonhos: estar nos Jogos Olímpicos. Atleta de vôlei de praia na juventude, ela hoje é jornalista e vai cobrir o evento pela CazéTV, uma das detentoras dos direitos de transmissão para o Brasil.

O desembarque aconteceu exatos seis meses depois de uma outra grande conquista na vida: a notícia de que superou um câncer no intestino. Tudo isso em Paris, capital da França, país cuja língua serviu de inspiração para algo que a acompanharia durante toda a vida: "Liberté".

Estou ansiosa! Já sei tudo que eu quero levar em relação às experiências que eu carrego pela minha vida inteira, e vontade de fazer coisas diferentes, vontade de fazer uma super cobertura.

O começo no esporte

A relação de Bruna com o esporte começou em 1996. Aos 9 anos, ela assistiu, pela televisão, à final brasileira do vôlei de praia nas Olimpíadas de Atlanta, e ficou fascinada.

Eu achei tão incrível aquele jogo... Minha mãe dizia que eu não conseguia tirar o olho, e eu me lembro das imagens. Olhei para a minha mãe e falei: 'Eu vou para as Olimpíadas'. No dia seguinte, ela me matriculou numa escolinha de vôlei de praia, e eu me tornei atleta. Bruna

Bruna Dealtry, repórter da CazéTV, foi atleta de vôlei de praia
Bruna Dealtry, repórter da CazéTV, foi atleta de vôlei de praia Imagem: Arquivo Pessoal

Em tom bem humorado, Bruna diz que não foi uma atleta "tão boa assim". Ela chegou a ser campeã brasileira na categoria de base e a subir no pódio em um Sul-Americano adulto.

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"Eu fiquei muito longe das Olimpíadas como atleta. Então, eu recalculei a minha rota e fui pro jornalismo".

Bruna atuou no vôlei de praia de 2002 a 2012. Ela se retirou das quadras de areia aos 25 anos.

Viagem marcante

A jornalista conciliou, por cerca de quatro anos, a rotina de atleta com a da faculdade. O caminho para as Olimpíadas começou ainda em 2012.

Sempre gostei muito de ler e escrever. Ainda como atleta, eu tinha um blog em que contava as minhas experiências nas viagens que eu fazia. Fui jogar na Turquia e escrevia sobre o lugar, sobre as minhas experiências.

A viagem à Turquia foi uma das mais marcantes no período de atleta. A agenda de competição permitiu que conhecesse lugares fora dos já batidos roteiros turísticos.

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Bruna também lembra um choque cultural. "As mulheres de burca se incomodavam muito, porque jogávamos de biquíni. Enquanto os homens ofereciam joias, pediam em casamento. Uma coisa bem diferente de tudo que eu já tinha vivido."

Bruna Dealtry é casada com Thiago, ex-jogador da seleção brasileira de vôlei de praia.
Bruna Dealtry é casada com Thiago, ex-jogador da seleção brasileira de vôlei de praia. Imagem: Arquivo Pessoal

O coração dela, porém, já tinha dono. Bruna é casada com Thiago, ex-jogador da seleção brasileira de vôlei de praia.

Eles subiram ao altar em 2012 e a lua de mel teve de ser adiada. Thiago, à época, teve de se apresentar à seleção horas depois da cerimônia — eles são pais de Bia, de 3 anos.

TCC virou série na televisão

No decorrer da faculdade, Bruna passou para uma vaga de estágio no Esporte Interativo, hoje TNT Sports. Ela começou a trajetória em um programa que tratava justamente dos esportes olímpicos.

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E foi da convivência com Thiago que surgiu a ideia para o trabalho final na faculdade. Ela tratou do racismo no esporte, muito por causa de situações que viu o marido passar e até das quais também foi alvo.

Peguei muitas experiências do meu marido. Só passei a enxergar mais esse mundo quando eu me relacionei com ele. Já passamos por várias situações, coisas fortes. Acompanhando de perto, isso me chamou muita atenção. E também a história de vida dele. Entrevistei muita gente, de ex-jogador da seleção brasileira de futebol até um técnico negro da NFL que estava vindo ao Brasil para fazer uma palestra. E esse documentário acabou virando uma série no Esporte Interativo. Foi bem legal.

O diagnóstico de câncer

Bruna saiu do Esporte Interativo e, pouco depois, ingressou na Record. Na emissora, porém, sentiu que o sonho de estar nos Jogos Olímpicos teria obstáculos para se concretizar. Resolveu, então, mergulhar de cabeça para conseguir realizá-lo.

Bruna Dealtry tratou um câncer em 2023, durante a cobertura do Pan-Americano
Bruna Dealtry tratou um câncer em 2023, durante a cobertura do Pan-Americano Imagem: Arquivo Pessoal

Ela fez aulas particulares de francês e, em janeiro do ano passado, pediu demissão. Fez uma bateria de exames — com o objetivo de cancelar o plano de saúde — e caminhava com o desejo de morar em Paris para, de alguma forma, fazer aquela cobertura.

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A ideia já tinha sido conversada com Thiago que, apesar da surpresa em um primeiro momento, topou. Em meio à correria, um convite para frilas na CazéTV, que evoluíram para uma negociação para fechar contrato. Mas, naquela semana de julho de 2023, a ótima notícia profissional contrastou com algo que mudou tudo.

Naquela semana, fui ao banheiro e vi uma gota de sangue em minhas fezes. O que me passou pela cabeça foram coisas muito simples, porque eu tinha acabado de fazer uma bateria de exames. Fui ao médico, ele examinou. Olhou para mim e falou: 'Você está com um tumor maligno'. O meu mundo desabou naquele momento.

A repórter relatou o que disse ser "cena de filme". Após a notícia, nada mais naquele consultório tinha cor ou som, sintomas da mistura de sentimentos como angústia e medo. O primeiro pensamento foi na filha pequena. "Isso foi em julho do ano passado. Eu ainda estava amamentando".

Bruna saiu do consultório e ligou para Fabio Medeiros, com quem trabalhou no Esporte Interativo e com quem tinha negociado o contrato com a CazéTV. "Eu só chorava e falava: 'Fábio, cancela o contrato. Eu estou com câncer' ".

O contrato não foi cancelado, pelo contrário. Ela recebeu apoio e, em meio ao tratamento de radioterapia, foi uma das apresentadoras na cobertura do Pan-Americano. "Eu ia todos os dias, às 7h, para o hospital, fazia a radioterapia e, depois, ia para o estúdio, e ficava o dia inteiro ao vivo". "Todos me perguntavam se eu estava bem, se queria continuar. E eu queria. Aquilo estava me fazendo ter mais vontade de viver".

Em janeiro, Bruna voltou à quimioterapia, fez os exames e ouviu dos médicos que não vai precisar operar.

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O sonho olímpico

Bruna vai realizar o sonho olímpico em Paris. Ela vai integrar a equipe da CazéTV, uma das emissoras com direitos de transmissão do evento, ao lado da Globo.

Estar em Paris é a realização de muitos sonhos. É um sonho de menina, um sonho profissional, e é a certeza de que sonhar vale a pena, que precisamos buscar o que queremos.

Ela chegou à França na última semana, e acompanhou a chegada dos atletas brasileiros à capital do país. A equipe de ginástica foi a primeira, seguida do vôlei feminino e judô. A cerimônia de abertura ocorre na sexta-feira (26).

Levo as experiências que eu carrego pela minha vida inteira e a vontade de fazer coisas diferentes, de fazer uma super cobertura. Estou muito ansiosa.

De uma forma simplificada, Thomas Hobbes indicou que liberdade "é ausência de obstáculos externos às ações que contribuem para a preservação da vida". Em solo francês, Bruna Dealtry vai experimentar viver essa liberdade. Ou melhor, "liberté".

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