'Cheguei a dormir no estúdio': Carlos Gil relembra pandemia no Japão

Há três anos, Carlos Gil se preparava para uma cobertura que o colocou de volta ao trilho do caminho planejado após um período conturbado e de incertezas causado pela pandemia de covid-19. O repórter do grupo Globo foi de mudança com a família para o Japão para agarrar a missão como correspondente com foco nas Olimpíadas de 2020 e o que eram para ser dois anos, se tornaram quatro.

Carlos Gil e a Globo têm uma história longa, de laços fortes, afinal ele começou a trabalhar na emissora em 1996, como estagiário. Depois de tantos anos e inúmeras histórias, o repórter sentou com Renato Ribeiro — atual diretor de esporte —, no fim de 2017, para traçar os próximos passos dele na empresa. O pensamento de ambos estava alinhado: chegou a hora de Gil se tornar correspondente e se preparar para os Jogos Olímpicos de Tóquio.

"Quando eu voltei pra casa, a minha esposa, que também é jornalista, topou na hora. Pensamos nos nossos filhos e concluímos que seria uma boa experiência para eles. O que a gente não esperava é que os dois anos previstos se transformassem em quase quatro por causa da pandemia", disse.

"Claro que eu nunca vou dizer que foi bom ter havido a pandemia, foi péssimo pra humanidade, para todo mundo. Mas é nas crises que acaba surgindo uma chance. Numa crise sanitária mundial, acabou surgindo a oportunidade de me aprofundar ainda mais, de ficar mais tempo lá, de cobrir um evento histórico para humanidade", completou.

Carlos Gil foi o responsável pela primeira reportagem que foi ao ar na Globo sobre o surgimento de um vírus preocupante. Ainda nem se falava no nome covid-19, muito menos em pandemia. A situação evoluiu dia a dia e o trabalho se intensificou como nunca. Gil, que sempre foi do esporte, embarcou profundamente na cobertura difícil e sem precedentes. Diferente de um grande evento esportivo, que um jornalista viaja por meses, não existia uma data certa para o fim.

"Lembro que algumas pessoas até se referiam àquilo como mais uma pneumonia chinesa, até com um certo grau de preconceito. Foi se desenvolvendo de uma forma que passou a virar uma crise mundial. Poucos meses depois, a Itália sofreu bastante. Sabíamos que uma hora chegaria ao Brasil e o foco da preocupação mudou totalmente, né? Porque a minha família ficava preocupada com a gente lá, e depois a gente que passou a ficar muito preocupado, porque a situação no Brasil ficou muito pior do que estava no Japão", relatou Gil.

"Todos os jornais, todos os programas, entradas ao vivo eram sobre a pandemia. A Globo News criou uma programação especial. Até que o pessoal da Europa e do Brasil também se juntassem à cobertura, foi muito puxado. Foram muitos dias sem folgar. Todo dia tinha notícia, atualização de número de contaminados, mortos. O estúdio era montado em um dos cômodos do apartamento que eu vivia com a minha família e eu lembro que eu cheguei a dormir lá. Eu estava tão cansado que eu tinha medo de perder a hora para o ao vivo que ia começar de manhã, que era à noite no Brasil", relembrou.

Antes da pandemia, Carlos Gil também teve a oportunidade de levar aos brasileiros notícias importantes que movimentaram o mundo.

"Foi indescritível poder cobrir viagens presidenciais, encontro do G-20, líderes, primeiros-ministros, etc. Também teve uma coisa marcante lá no Japão, que foi a renúncia do imperador, algo que não acontecia havia 200 anos na história japonesa", destacou. "Com certeza, foi o maior desafio profissional da minha vida".

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A chegada dos Jogos e o respiro

Carlos Gil em sua primeira grande cobertura, nos Jogos de Sydney, em 2000
Carlos Gil em sua primeira grande cobertura, nos Jogos de Sydney, em 2000 Imagem: Arquivo Pessoal

Carlos Gil vem de uma família de esportistas — contando com primos e avô — e fãs de notícias: o pai sempre foi consumidor ávido de jornal e a mãe, professora. O jovem carioca juntou todos esses genes, se formou em jornalismo e buscou o mundo do esporte. Aos 23 anos de idade, nos seus anos iniciais de grupo Globo, o repórter logo recebeu a primeira grande oportunidade: cobrir as Olimpíadas de Sydney, em 2000.

Vinte e um anos depois, ele estava em Tóquio para sua sexta edição de Jogos Olímpicos. Desta vez, tudo era diferente. As Olimpíadas no Japão representaram o sentimento de esperança pelo fim de um período difícil para o mundo inteiro.

"Eu senti essa repercussão no Brasil. Eu cobria ginástica. A Rebeca foi um momento muito bonito das Olimpíadas, entre outras medalhas do Brasil também: surfe, a Rayssa no skate. Eu senti que a gente estava representando meio que um canal. Não tinha torcida e o número de jornalistas credenciados diminuiu", falou Gil.

"Então quando a gente conversava ali com os atletas, eu sentia que eles estavam se abrindo mais do que acontece normalmente. Criou-se esse elo entre o repórter que está ali e o atleta, de nós sermos o meio pelo qual eles estavam passando a mensagem para o público brasileiro de superação, de alegria? Desse sentimento de 'Vamos passar por tudo isso. Vamos vencer'".

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Se em Tóquio, Carlos Gil pôde vivenciar o efeito daquele grande ponto de virada, agora ele vai poder transmitir todo o sentimento da festa do retorno do público e da vida normal em Paris. Ele está em terras francesas para mais uma cobertura histórica.

"Profissionalmente, até tecnicamente falando, vai ser um grande desafio. A grande referência que nós temos de uma grande cobertura olímpica internacional é Pequim 2008. A cobertura da Globo em Londres foi mais reduzida, no Rio não tem como fazer o paralelo, porque estávamos jogando em casa e as Olimpíadas de Tóquio foram cheias de restrições", comentou.

"Vai ser a primeira Olimpíada pós-pandemia. Então, inevitavelmente, tem essa comparação com o que foi Tóquio. Paris é um símbolo mundial. Uma cidade dos sonhos para todo mundo. Um cenário lindo. Acho que o Brasil vai com força em muitos esportes. Está com uma expectativa até de superar as medalhas em Tóquio", completou.

O sonho, agora, é ver o Brasil campeão da Copa

Com tanta experiência na bagagem, Carlos Gil ainda tem um sonho: cobrir a seleção brasileira em uma Copa do Mundo e, enfim, ver a seleção levantar a taça - que não acontece desde 2002.

"O meu horizonte próximo é acompanhar a seleção brasileira, que é algo que eu nunca fiz numa Copa, mesmo trabalhando quatro edições de Copa (2010, 14, 18 e 22). Imagina, após 24 anos sem ser campeão e voltar aos EUA, no lugar do tetra. Eu era um estudante em 1994", disse Carlos Gil. "Quem sabe, 32 anos depois, eu possa cobrir o título da seleção, já que em 2002 eu não estava presente", completou.

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