'Meu irmão foi assassinado antes de eu disputar minha 1ª Olimpíada'

Keno Marley, 24, é pugilista e foi Campeão Olímpico dos Jogos da Juventude em 2018. Quem o apresentou ao boxe foi o irmão, Jeremias. Juntos, começaram a praticar a modalidade até que ele se destacasse e partisse para uma carreira olímpica. Foram os socos que mantiveram Keno em pé após Jeremias ser assassinado.

O nocaute da vida foi em janeiro de 2021. "No dia 9 de janeiro, eu conversei com o Jeremias por telefone, como sempre fazíamos — ele estava trabalhando naquela hora. Cansado do treino, fui dormir cedo até que o toque do celular me acordou", diz o atleta. Era um amigo, avisando que seu irmão tinha morrido.

Foi um choque terrível, eu não sabia o que fazer. Parecia um trote, uma brincadeira sem graça, não conseguia acreditar que era verdade, Keno Marley

A ligação entre Keno e Jeremias sempre foi muito grande. Aos 13 anos, Keno só viajava sozinho para competir porque o irmão trabalhava e não podia acompanhá-lo. "O meu irmão era a pessoa mais próxima que tinha em minha vida, contava tudo para ele".

Quando soube do assassinato, Keno foi direto para o aeroporto, tinha que voltar para sua cidade. Sua mãe estava em choque, não conseguia lidar com as burocracias e nem reconhecer o corpo. Ele fez tudo.

"Eu perdi a noção do tempo, questionei a minha vida, não sabia mais o que fazia sentido. Era com meu irmão que assistia ao boxe, foi por ele. Até hoje o caso não foi solucionado e os assassinos não foram presos. Eu me perguntava muito: 'Será que se eu estivesse lá isso iria acontecer?'. Me sentia culpado por não estar lá naquele momento", conta.

Boxe salvou da depressão

Keno Marley nas quartas de final do boxe no Pan 2023
Keno Marley nas quartas de final do boxe no Pan 2023 Imagem: CHRISTIAN ZAPATA /SANTIAGO 2023 via PHOTOSPORT

A perda do irmão fez com que Keno desenvolvesse estresse pós-traumático. "Foi graças ao esporte que consegui me reerguer. Tive apoio da seleção assim que retornei a São Paulo, com psicólogos e psiquiatras, os colegas de treino e toda a comissão técnica. Precisei de remédios controlados", diz.

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Ele continuou viajando com a seleção, mesmo quando não conseguia competir por conta dos remédios. Nem sempre era fácil sair da cama e enfrentar o dia. "Quando não conseguia acordar, o pessoal me ajudava. Nossa, lembro muito do Herbert Conceição, o Abner, o Bolinha me forçando a sair da cama para tomar café da manhã, estava sem forças", lembra.

A primeira vez que sentiu o baque da falta do irmão foi quando voltou a competir: Keno sempre mandava mensagem para Jeremias antes da luta e, na primeira luta oficial depois da morte, percebeu que nunca mais poderia fazer isso.

No mesmo ano, enquanto ainda se recuperava, um de seus primos cometeu suicídio. "Mais um trauma terrível. Me deparei com minha tia naquela situação. Ela era como a minha mãe. Parecia que estava voltando no tempo e revivendo a morte do Jeremias", diz.

"Faltava pouco para o mundial, mas o Mateus Alves, o head coach da seleção brasileira, disse que confiava no meu potencial para chegar 100% à competição, mesmo em meio a tantos traumas".

Mais uma superação. A gente foi treinando e fomos para o Mundial da Sérvia. Aí veio a medalha de prata. Eu consegui fazer a final lá, uma luta muito emocionante, o ginásio lotado, Keno Marley

As Olimpíadas eram um sonho para ele, mas agora se tornou um objetivo. "Quero conquistar essa medalha olímpica".

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