Olimpíadas geram nova guerra cultural entre extrema direita e progressistas
A partir de sua abertura, as Olimpíadas de Paris-2024 se transformaram em mais um elemento da guerra cultural entre a extrema direta e progressistas. Aa discussão se desencadeou a partir de uma cena na cerimônia que retrata drag queens na famosa cerimônia da Santa Ceia pintada por Leonardo Da Vinci.
Esse, no entanto, é apenas uma ponta do iceberg. Organizador dos Jogos, o COI tem promovido agendas como equidade de gêneros, inclusão e diversidade que incomodam conservadores. Além disso, trata-se de um organismo global, estilo ONU, que contraria a pregação nacionalista de grupos extremistas.
Para completar, as Olimpíadas se realizam na França, onde acabou de ocorrer uma eleição em que a extrema direita cresceu, mas foi derrotada por uma coalisão entre a esquerda e o centro direita do presidente Emmanuel Macron.
A cena na abertura causou irritação não só na extrema-direita como também na Igreja Católica. A conferência de bispos da França chamou a adaptação da Santa Ceia de "deboche do cristianismo". E foi seguida por instituições religiosas de outros países como os EUA.
"Ontem Thomas Jolly (diretor cultural da abertura) respondeu essa pergunta. Claramente não houve uma intenção de mostrar desrespeito a grupo de religiosos. O contrário. Ele quis celebrar tolerância e comunidade. O resultado da pesquisa acreditamos é que essa ambição foi atendida. Se pessoas foram ofendidas, nós nos desculpamos", disse Anne Descamps, diretora de comunicação de Paris-2024.
Ela destacou que uma pesquisa na França indicou que 86% do público aprovou a cerimônia de abertura. Ou seja, por esses números, a maioria dos franceses gostou do que viu.
No dia anterior, o diretor da abertura, Thomas Jolly, afirmara: "Na França, pessoas são livres para amar como elas quiserem, livres para mar quem elas quiserem, são livres para acredita ou não."
Dentro do contexto francês, o debate já era visceral depois que Emmanuel Macron aprovou a inclusão do direito ao aborto na Constituição Francesa. O gesto irritou as alas da Igreja Católica que, diante da polêmica sobre a cena da Santa Ceia na cerimônia, retrucou com ataques contra os organizadores.
A guerra cultural ganhou uma nova dimensão política depois que Emmanuel Macron convocou eleições antecipadas. A extrema direita, de Marine Le Pen, teve seu melhor resultado da história, com mais de 10 milhões de votos e se consolidando como uma força política incontornável.
Durante a campanha, um dos temas mais frequentes era a suposta "degeneração" dos valores tradicionais da família e da França promovida pela esquerda.
Embora tenha sido mais forte na França, sede das Olimpíada, essa discussão se estendeu pelo mundo. Políticos ou bilionários conservadores como Mateo Salviani (ex-primeiro ministro da Itália) e Elon Musk (dono do twitter) criticaram suposto desrespeito com cristãos.
Além disso, a internet foi tomadas por teorias conspiratórias sobre os símbolos usados pelos organizadores das Olimpíadas, inclusive fake news sobre uma manifestação cristã em Paris como protestos (que nunca ocorreu agora em julho).
Debate sobre a referência
O evento ainda abriu um debate sobre a Santa Ceia, imagem pintada por Leonardo da Vinci e que passou a ser o retrato oficial de um dos momentos mais simbólicos do cristianismo. Mas, imediatamente após o evento, emergiu que a inspiração não veio da versão de Da Vinci, mas da obra "Le festin des dieux", de Jan Harmensz van Bijlert, pintado em 1635 e que faz uma revisão da narrativa.
Globalistas
Um outro aspecto da abertura foi a referência aos valores que a extrema direita acusa de ser "globalistas". O COI, de forma deliberada, entregou seu prêmio ao Alto Comissário da ONU para Refugiados, Filippo de Grandi, justamente em um momento em que partidos como o de Le Pen defendem o fechamento de fronteiras e a expulsão de imigrantes irregulares.
Newsletter
OLHAR OLÍMPICO
Resumo dos resultados dos atletas brasileiros de olho em Los Angeles 2028 e os bastidores do esporte. Toda segunda.
Quero receberDias antes da abertura, em Paris, o presidente do COI, Thomas Bach, sinalizou que, de fato, os movimentos contrários aos princípios universais eram uma ameaça também ao movimento olímpico.
"Estamos testemunhando a formação de uma nova ordem mundial. Rupturas históricas estão derrubando o sistema de relações internacionais que está em vigor desde a Segunda Guerra Mundial. Infelizmente, as tendências são claras: desacoplamento das economias; "mendigar ao vizinho"; interesse próprio estreito sobrepujando o estado de direito; "Sul Global" versus "Norte Global", disse.
"Para onde quer que se olhe, o multilateralismo está em desvantagem. Nessa nova ordem mundial, "cooperação" e "compromisso" são, infelizmente, considerados termos depreciativos", alertou.
Bach descreveu "essas tendências como profundamente preocupantes". "Elas vão diretamente contra nossa missão de unir. Com base em nossos valores olímpicos e unidos por eles, precisamos estar prontos para enfrentar essa mudança radical", disse.
Segundo ele, o COI tem uma "resposta olímpica a todas as forças que querem nos dividir: nossos valores são importantes". "Nestes tempos sombrios, nossos valores olímpicos são mais importantes do que nunca. Somente vivendo nossos valores olímpicos - os valores da solidariedade, da igualdade e da dignidade humana para todos - é que conseguiremos unir o mundo inteiro em paz", completou.
Deixe seu comentário