Paraense, cinegrafista da Cazé matou e quase morreu em guerras pela França

Toda vez que Vando Oliveira, um dos cinegrafistas da CazéTV em Paris, termina seu dia olímpico, ele agradece: "Pelo menos aqui não tenho o risco de morrer".

O pensamento tem a ver com o passado do ex-guarda municipal de Castanhal, no Pará.

É que Vando fez parte da Legião Estrangeira, um batalhão de mercenários de todas as nacionalidades do exército francês. Ele lutou, quase morreu e matou em conflitos armados na África.

Vando sempre sonhou em ir para a guerra. Ele imaginava que morreria em um campo de batalha. Mas mudou de ideia na primeira vez em que se viu em confronto. "Quando começa a passar tiro pela sua orelha, você pede a Deus que te tire vivo dali".

Vando Oliveira com metralhadora na Legião Estrangeira
Vando Oliveira com metralhadora na Legião Estrangeira Imagem: Arquivo pessoal

Sem identidade na Legião Estrangeira

O brasileiro conheceu o batalhão francês quando serviu ao exército brasileiro. A Legião Estrangeira aceita pessoas do mundo todo, inclusive franceses com dupla cidadania, que escolhem aceitam colocar a própria vida em risco para lutar pela França. O primeiro impacto é perder o próprio nome.

"Quando você chega, eles escolhem um nome que tenha a ver com o país de onde você veio. Os portugueses viram João. Eu virei Rafael Outeiro depois que pesquisaram no Google e acharam o nome dessa praia lá no Norte, de onde eu vim".

"No alistamento, você tem que dar seu celular, abrir mão de qualquer comunicação externa. A Legião entende que você precisa se desconectar da sua vida, deixar ela para trás, para entrar na vida de um militar".

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Imagem: Arquivo pessoal

O processo de seleção é duríssimo e, segundo Vando, muitos brasileiros param nos testes psicológico e psicotécnicos. São dezenas de entrevistas para checar a aptidão do estrangeiro para lutar pela França.

"Na primeira entrevista perguntaram o nome da minha primeira professora e da minha primeira namorada. Eu não lembrava da namorada e falei um nome lá, que lembro até hoje, Clara. Depois tive que responder sobre a Clara até o fim do processo."

Aprovado, passou à segunda fase, de mais quatro meses, que termina com a marcha dos boina brancas. Para ser incorporado de fato ao exército francês, o candidato tem que percorrer, em marcha, um percurso de 80 quilômetros, carregando nas costas o equipamento militar e, na cabeça, a boina branca típica da Legião.

Tiro nas nádegas no centro da África

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Imagem: Arquivo pessoal
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A primeira missão de Vando foi na na República Centro-Africana, onde a França executou a Operação Sangaris de 2013 até 2016. Ele nunca contou para a mãe, mas chegou a ser baleado em combate. "Pegou aqui", conta ele, mostrando as nádegas.

"Quando acontece assim, você entra no vôo branco, volta para a França para ser atendido. Mas eu não queria ir embora. Eu falei isso para o meu superior, que disse que eu só poderia ficar se o enfermeiro autorizasse. Aí fui falar com o enfermeiro, que era português. Ele disse que era o caso de voltar, mas que se eu queria ficar, tudo bem."

"Eles não têm muito treinamento, atiram igual o Rambo, mas atiram. E são determinados, têm muitas fibras musculares. Eu cheguei a descarregar um cartucho de 14 ou 15 tiros em um deles, e ele ainda conseguiu correr. Voltou, pegou a arma dele, e correu de novo para a floresta. Depois a gente achou ele morto", relembra.

Milagre: "Imagina se eu mato um padre?"

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Imagem: Arquivo pessoal

Também na África, viu um milagre. Os franceses haviam conhecido um padre brasileiro que fazia missão evangelizadora na região, conduzindo missas na mata. Os rebeldes chegaram de surpresa e mataram 12 dos fiéis. O padre pegou os coroinhas, crianças e adolescentes, e correu.

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"Eu recebi ordens de atirar um Roquete AT4, que destrói tudo em uma área de 360 metros. Além de pegar eles, também acertou a casa paroquial, que foi destruída. Quando a poeira baixou, saíram o padre e as crianças, que estavam lá dentro, e por um milagre se salvaram. Imagina eu saber que tinha matado um padre, ainda mais brasileiro, e as crianças?"

De acordo com Vando, esse é um risco que fazia parte do seu trabalho, e que é um fardo difícil de carregar. Ele conta um outro episódio em que um garoto morreu olhando pelo buraco da porta. Ninguém sabe de onde veio a bala mortal. "Por isso muitos snipers têm que fazer tratamento psiquiátrico. A gente atira, sabe que atingiu, mas não vê. O sniper vê o efeito da bala."

No exército, com uma câmera na mão

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Imagem: Arquivo Pessoal

Foi como militar que Vando conheceu e se apaixonou por uma militar francesa. Um tempo depois nasceu o primeiro filho deles, que o brasileiro só conheceu no quarto mês de vida. Ali, decidiu que não seria para o terceiro filho o mesmo pai ausente das duas primeiras.

"Disse que não dava mais e pedi para ser incorporado à área de comunicação", conta Vando, que havia trabalhado como cinegrafista para a afiliada da Record de Castanhal. Passou, então, a ser o cinegrafista da Legião Estrangeira, um dos responsáveis pela comunicação desse braço do exército francês.

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Em 2022, largou de vez a boina. Montou uma empresa individual, o equivalente à MEI do Brasil, e passou a trabalhar como freelancer em projetos audiovisuais. "Ganho mais às vezes com um evento do que o salário mensal da Legião, que é uns 2,5 mil euros."

Vando chegou à CazéTV depois de ser contratado como freelancer pela Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) em um evento na França. Ali, conheceu a repórter que o indicou para o serviço. Em Paris, os dois formam uma equipe. Sempre que ela entra no ar, é ele quem está por trás das câmeras.

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Imagem: Arquivo pessoal

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