Argentina passa Brasil com advogado que é técnico e pouco apoio
Teve festa com participação brasileira na pista de BMX Park Freestyle montada na praça Concorde, mas não era para uma conquista do Brasil. Gustavo Balaloka e a comissão técnica verde-amarela estavam mesmo radiantes pela inesperada vitória de um argentino, Jose "Maligno" Torres Gil.
O ouro conquistado por Maligno é o primeiro da Argentina desde a Rio-2016, já que os nossos vizinhos passaram em branco em Tóquio. Mais do que isso: no quadro de medalhas de Paris, agora é a Argentina, com sua crise financeira e de apoio governamental ao esporte, quem está na frente do Brasil.
Ao menos até este texto ser publicado, o Brasil tinha três medalhas em Paris, sendo uma de prata e duas de bronze, com a Argentina à frente com o ouro de Gil, de 29 anos, também o primeiro da história daquele país no ciclismo.
"É tanta emoção que é difícil explicar. Estou tentando aguentar o momento e não chorar, porque sou uma pessoa que não gosta muito de demonstrar meus sentimentos. É uma loucura estar aqui nas Olimpíadas, a maior competição do planeta. Essa medalha significa tudo, minha vida", disse depois de receber a medalha.
O pódio não era previsto por veículos especializados, nem mesmo aguardado pela imprensa argentina, pega de surpresa com a conquista, ainda que Maligno tenha quebrado tabus históricos antes, como dar à Argentina sua primeira medalha em um X-Games, e depois a primeira de ouro neste evento.
Tudo isso em momento em que o país corta no investimento estatal no esporte, que sempre impulsionou o movimento olímpico local.
Maximiliano Benadía, técnico de Torres, contou que exerce a função como hobby. "Minha profissão é ser advogado, é meu ganha-pão. Isso daqui eu faço como hobby", disse o agora treinador campeão olímpico. O governo federal paga a ele um salário de cerca de US$ 200 (R$ 1,100) para exercer essa função.
Maligno também não ganha muito. Sua ajuda governamental é de cerca de US$ 400 (R$ 2.200), e o restante dos rendimentos vem de patrocinadores privados. Por causa dos cortes de repasses do governo federal às federações olímpicas, eles raramente recebem apoio para viajar para campings e competições.
O treino acontece em uma pista descoberta dentro do complexo do estádio Mario Alberto Kempes, em Cordoba. "Mas sempre que tem jogo a gente não pode treinar", contou o técnico. Jogam no estádio, entre outros clubes, o Talleres e o Belgrano.
Como não são muitos latinos participando de competições internacionais de BMX Park Freestyle, argentinos e brasileiros ficaram próximos. "Quando a gente vai viajar, eu tomo café com eles todo dia, almoço, janto. A gente faz tudo junto, somos muito próximos", contou o brasileiro Gustavo Balaloka, sexto na final.
Quando a última nota foi dada e o ouro para Maligno confirmado, foi a equipe brasileira que primeiro pulou sobre o novo campeão olímpico, virando sobre ele um balde de gelo (tão valioso quanto um ouro olímpico nesse calor).
Do lado de fora da arena, porém, uma jornalista do comitê olímpico boliviana vivia sentimentos dúbios ao saber que pela primeira vez, um atleta nascido na Bolívia iria ganhar uma medalha olímpica, ainda mais de ouro. Mas competindo pela Argentina.
Maligno nasceu em Santa Cruz de La Sierra, filho de um pai boliviano e mãe argentina. Aos 11 anos, ele, os pais e um irmão gêmeo se mudaram para Córdoba, onde conheceu o BMX Park.
Fã declarado de Messi, ganhou o apelido de Maligno pelas brincadeiras pesadas que fazia com os amigos. Em Paris, não apresentou seu melhor nas eliminatórias e deixou o tudo ou nada para a final. Acostumado a arriscar (e se machucar, assim perdeu a Olimpíada de Tóquio), buscou manobras arriscadas em uma pista de rampas relativamente baixas para o padrão do BMX, e se deu bem.
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