Brasil só não ganha medalha na marcha se árbitros não deixarem, diz técnica
Brasil só não vai ganhar medalha na marcha atlética dos Jogos Olímpicos de Paris, a primeira na história nesta disciplina do atletismo, se os árbitros não deixarem. Quem diz isso é Gianetti Sena, mãe e treinadora de Caio Bonfim e técnica da equipe brasileira em Paris.
"A marcha é uma prova que não depende só do atleta, temos a avaliação subjetiva dos árbitros, que têm que olhar e concluir que o atleta não está infringindo regra nenhuma. E a gente sabe que onde tem ser humano tem erro. Já presenciamos várias vezes muitos erros, principalmente contra quem não tem bandeira", diz ela.
Ter bandeira, explica Gianetti, é ser reconhecido como um país que tem tradição na marcha, investe nessa prova. É mais do que ter um talento, dois, o que normalmente é fruto de um esforço pontual de um atleta e seu treinador. É ter alguns nomes competitivos, levar equipe completa às competições, estar sempre sendo lembrado.
Um processo semelhante ao relatado nas ginásticas, que precisam conquistar o respeito dos árbitros, coletivamente, para terem melhores avaliações individuais. Com a diferença é que a ginástica é um esporte essencialmente artístico, cujo resultado passa totalmente pelos árbitros. Na marcha, os juízes estão lá para punir, subjetivamente, quem faz a mecânica da corrida.
Recentemente, o Brasil perdeu duas medalhas importantes por conta dos árbitros. Em Tóquio-2020, Erica Sena foi punida na última reta antes de ganhar a medalha olímpica, que escapou por entre seus dedos. Este ano, o Brasil liderava o Mundial na prova de revezamentos e encaminhava o título mundial quando Viviane Lyra recebeu o cartão que a obrigou a fazer um pit stop. Terminou em quinto, somente.
"A gente foi garfado. Ali a bandeira falou, tá? A gente testava sendo uma surpresa, estava dando uma aula, não tinha mais como perder. As emissoras que transmitiam já davam parabéns, mas eu ainda duvidava. Uma amiga me ligou emocionada, 'vocês vão ser campeões do mundo', e eu falei assim: 'Amiga, não comemora não. Estou nesse mundo há muito tempo, posso estar enganada, mas não seremos os protagonistas da festa'. Se a gente ficasse em terceiro eles deixavam. Mas ganhar? O mundo da marcha estava voltado para essa prova, era a prova do ano. 'Não vão deixar o Brasil ganhar, amiga'. Quinhentos metros depois, a Viviane teve que entrar. A Gianette avisou. Eu não sou advinha, mas eu conheço desse mundo", diz a treinadora, que antes foi atleta de nível internacional.
Ao fim daquela prova, ela e outros integrantes do time brasileiro fizeram barulho reclamando da punição, como já haviam feito em outras ocasiões. "A gente percebe que foi bandeira. Bandeira, bandeira, bandeira."
A bandeira brasileira, porém, tem estado mais forte. Caio já é duas vezes medalhista em Campeonatos Mundiais, Erica Sena ficou perto do bronze olímpico, Viviane faz ótima temporada, quase levou o Brasil ao título do Mundial, e o país pela primeira vez classificou seis atletas à Olimpíada.
"Antes a gente ia para uma Olimpíada com um atleta. Era visto como um país que não está nem aí para a prova. Agora a gente está indo com seis atletas: três femininos, três masculinos e mais a dupla do revezamento. Então, isso dá um certo respeito, o mundo da marcha atlética vê que o país está trabalhando a marcha atlética, não é coisa isolada de um atleta só, porque isso conta muito", avalia Gianetti.
Além dele, Max Batista e Gabi Muniz também são treinado por ela. Max passou boa parte da corrida olímpica fora da zona de classificação pelo ranking, perto da linha de corte, e entrou depois de um bom desempenho no Troféu Brasil, quando ficou perto do índice. Já Caio, Erica e Viviane fizeram o índice e vão a Paris sonhando com medalha.
Individualmente, é nele que recaem as maiores expectativas. Gianetti tem certeza que o filho só não será medalhista se os árbitros não deixarem. "O Caio está na melhor forma física dele de todos os tempos. Eu nem falo da melhor forma mental, porque ele sempre foi muito forte mentalmente. Ele é muito inteligente de estratégia de prova. Ele está muito bem, está muito junto com os melhores. Hoje temos na marcha os melhores de todos os tempos, todos nessa geração. O melhor chinês, o melhor japonês, o melhor sueco, o melhor italiano. E nós estamos entre eles. A gente vai ganhar medalha porque eu acho que é o que falta para coroar o nosso trabalho, o trabalho do Caio."
No feminino, Viviane Lyra vem evoluindo muito nos últimos meses e entrou na briga por medalhas. "Eu já falava com ela, já falava para eles, já falava para a galera, para a confederação: "Investe nessa menina que ela vai ser a melhor marchadora do Brasil de todos os tempos". Eu já tinha visto isso. Ela é muito determinada, muito obstinada, ela sabe o que ela quer. Dificilmente um atleta que sabe o que quer não chega lá, dificilmente. Geralmente os atletas desse jeito, assim como ela, como o Caio, como a Erica, chegam mesmo."
Na prova de revezamento, uma novidade no programa olímpico, o Brasil terá Caio e Viviane, como no Mundial. Eles foram escolhidos por serem os melhores do ranking brasileiro de 2024. E terão pouco mais de uma semana de descanso entre as duas provas.
Caio e Viviane permanecerão na VIla Olímpica sob os cuidados de uma equipe especializada, com acesso a exames de bioquímica e biomecânica, "Essas duas partes que são as nossas aliadas para fazer a recuperação, já testamos esse modelo nos Jogos Pan-Americanos. Os exames vão dizer: você tem que comer isso, você tem que comer aquilo. Você está desidratado, você não está... Em Santiago deu super certo".
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