'Testes hormonais foram expostos com sensacionalismo', diz Edinanci Silva

Todas as pessoas têm direito a sigilo médico. Edinanci Silva, 47, uma das maiores judocas que o Brasil já teve, não teve. Na década de 1990, quando precisou fazer uma investigação hormonal por conta de saúde - e risco de câncer - viu jornais estamparem manchetes questionando: "Homem ou mulher: o que você acha?".

A paraibana saiu de seu estado natal com 17 anos, em 1994, para buscar uma vida melhor através do judô em São Paulo. Crescida no sertão, o choque cultural foi grande. Principalmente porque vinha acompanhado de comentários agressivos e desnecessários. "O pessoal encanava com meu sotaque, minha forma de me comportar, de me vestir. 'Edi, passa um batonzinho'. Mas eu não gosto, não é da minha essência. Eu me sentia um peixe fora d'água, só que regredir, voltar para casa, não era uma opção", conta.

Quando características mais masculinas começaram a aparecer, ela foi fazer exames - algo que nunca tinha tido a oportunidade. "Eles mostraram que eu até me beneficiava da produção de hormônio masculino, mas dali a 15 ou 20 anos, isso iria virar um câncer. Quando me falaram isso, eu falei: 'O que? Vamos fazer [o procedimento cirúrgico] agora'", contou.

A sua maior preocupação naquele momento era sua saúde, Mas Edinanci já era uma das miores atletas do Brasil. Seu diagnóstico vazou, o que tornou sua vida um inferno.

"Entre 1995 e 1996, minha vida foi o cão. Não podia sair na rua porque ficavam me atacando. Não fisicamente, mas com palavras. Em Guarulhos, quando as pessoas me reconheciam, diziam: 'Isso aí é um homem', usavam palavras chulas para me atacar", segundo a atleta, o questionamento da imprensa transformou sua vida em um episódio do programa "Você Decide".

Ao longo de toda a minha carreira, tive um certo ranço da imprensa brasileira. Toda questão sobre meus testes hormonais foi exposta de uma forma muito sensacionalista, Edinanci Silva

Claro que todos os ataques e atenção mexeram com o psicológico de Edinanci. "Pensei em suicídio mesmo. O hater pelas redes sociais machuca essa geração. Mas o hater pessoal é mais duro. Machuca, você não tem ideia", diz. Ela chegou a ligar para mãe e disse que desistiria de sua carreira.

Ódio como incentivo

Ela usou todo o ódio que sentia dos ataques como combustível no tatame. "Virava o capeta, de tanto ódio, de tanta raiva. Só que isso faz muito mal. Você acaba se tornando uma pessoa que você não é, uma pessoa revoltada, que não confia em ninguém", conta.

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Até tentaram a impedir de competir. Em 1995, São Caetano do Sul tentou tirá-la de uma competição, mas ela teve apoio de seu time de Guarulhos. Sem ela, ninguém lutaria. No fim, as amigas 'desceram a porrada' a seu pedido. No ano seguinte, São Caetano do Sul a queria no time.

"A partir dali, defendi a equipe de São Caetano do Sul nos Jogos Abertos por quase 25 anos. Me aposentei da seleção em 2008, mas em 2019 eu ainda estava ganhando medalha de ouro pela cidade que tentou me barrar", conta.

Uma jornada longa e dolorida rendeu a Edinanci um lugar no hall da fama do Comitê Olímpico Brasileiro. Ela foi a primeira mulher brasileira a disputar quatro Olimpíadas (Atlanta 1996, Sydney 2000, Atenas 2004 e Pequim 2008).

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