Após pausa na natação para tratar doença, Bia Dizotti vai ao céu em Paris

Quando Beatriz Dizotti precisou se afastar das piscinas para fazer uma cirurgia de retirada de três teratomas no ovário esquerdo e um pequeno cisto no lado direito, o chão se abriu sob seus pés. A atleta que levou o Brasil à primeira final olímpica dos 1500m livre feminino nesta quarta-feira (31) teve de lidar com o segundo baque em três meses.

Enquanto se recuperava do "apagão" que sofreu nos Jogos Pan-Americanos de Santiago, em outubro de 2023, após ter ficado sem a medalha na competição em que era favorita ao ouro, Bia descobriu a doença que a levou ao afastamento momentâneo da natação. A atleta chegou a temer nunca mais conseguir voltar à melhor performance.

"A Bia consegue focar bastante no que ela pode controlar e, naquele momento, não era algo que ela tinha controle. Depois da cirurgia, obviamente, respeitando o protocolo médico, ela foi voltando aos poucos e focando nos treinos, que era o que estava no seu domínio", disse Leonardo Simões, namorado de Bia.

"Os resultados, infelizmente, não estavam vindo, o que era algo meio óbvio após de uma cirurgia. Ela foi progredindo aos poucos, mas desde o Pan e, depois, o Mundial de Doha e em outras competições, ela não vinha fazendo os mesmos tempos que ela. Isso foi causando uma dúvida ali muito grande. Já ouvi algumas vezes o medo, a angústia da Bia de não voltar a ser quem ela foi ano passado ou em 2022, com os resultados internacionais importantes", completou Leo, que também foi nadador de alto rendimento.

Bia ama treinar e adora o dia a dia intenso do atleta de alto rendimento. Abrir mão de uma vida agitada de um jovem na casa dos 20 anos não é problema para a nadadora, que é extremamente disciplinada e dedicada. É na água e nos braços de sua família que ela encontra sua paz. Não é à toa que sua especialidade se tornou justamente os 1500m livre, uma prova que requer muita concentração e resiliência.

Cada queda na água não tão boa, era um aprendizado que eu tirava, era um treino mais forte que eu fazia. Mesmo passando por um momento difícil, acho que eu nunca me senti sozinha. Eu sempre tive em família, meu técnico, meus colegas de treino, junto comigo.
Bia Dizotti.

Competitiva como toda a boa ariana, Bia recebeu o apoio de sua família - sempre presente - e profissionais, levantou a cabeça e não se deixou derrotar. Quando pôde voltar para a água em janeiro, os bons resultados demoravam para sair. No fim das contas, as porradas que ela levou a motivaram ainda mais na piscina. Então, a brasileira chegou nos Jogos Olímpicos de Paris e foi finalista

"Ontem, [na semifinal dos 1500m livre] vimos o que ela é capaz de fazer. Ela está muito bem, está muito feliz, enfim. Eu acho que ela lidou muito bem, vendo o contexto geral com essa cirurgia, com o tempo parado ali que ela teve, com todo esse processo", destacou Leo.

"A partir do momento que eu soube que ia ter que passar por tudo que eu passei, eu confiei no meu técnico que disse que ia dar tempo da gente chegar aqui bem pra competir, ser competitiva. Eu simplesmente entreguei para ele e confiei no trabalho. Treinei duro todos os dias, desde que eu voltei depois da cirurgia. Cada competição eu voltava mais forte, e sempre tentando viver um processo que é difícil com leveza e felicidade", falou Bia após terminar com o sétimo lugar com o segundo melhor tempo da vida (16min02s86).

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Vou ali pra Olimpíada e só, tá bom?

A mãe Fernanda Dizotti conta que Beatriz entrou na natação com dois aninhos, justamente pela preocupação dos pais que gostariam que a filha aprendesse o quanto antes a saber se proteger em caso de perigo na água. Bia foi crescendo e começou a ter problemas respiratórios e a natação, então, foi altamente recomendada pelos médicos.

A paulistana do Tatuapé foi mostrando jeito para o esporte e, aos seis anos, foi convidada pelo professor do Centro Paulista de Natação a participar da equipe de treinos e rumar ao profissional.

"Ela falava: 'ah, mamãe, eu não quero'. Eu dizia que se ela cansasse, era só parar: 'Então tá bom, mamãe, eu vou, mas não vou ser profissional. Eu vou para uma Olimpíada só, e tá bom'. A gente ainda ria, porque falava de Olimpíada e como que não ia ser profissional. A Beatriz ficou na CPN, e mais um ano depois nós mudamos ela para o Corinthians", descreveu Fernanda.

No Corinthians, Bia fez toda sua base profissional até que aos 15 anos conheceu Fernando Possenti, o seu atual treinador, no Sesi. Mas, dessa vez, foi um período curto, de oito meses, porque a atleta recebeu uma proposta de representar o Pinheiros. Tudo mudou quando a jovem decidiu se mudar para os Estados Unidos com quase 19 anos, sem aprovação do pai.

"Eu não dei quase apoio algum para ela, porque ela já tinha tempos muito bons, já tinha condições de chegar em patamares maiores. Não tinha visto nenhum histórico de brasileira que tivesse ido para os EUA e conciliasse a faculdade com a natação, e tivesse alcançado grande sucesso. Então, eu não ajudei em nada. Ela fez tudo sozinha. Hoje eu me arrependo. Embarcou dia 2 de janeiro de 2019", relembrou o pai Leandro Dizotti.

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Foram seis meses nos Estados Unidos representando o Minas. No início, Bia curtiu a rotina de treinos no país norte-americano, mas quando as aulas começaram, a atleta começou a sofrer por não conseguir conciliar tudo.

"Ela ficou bem mal de cabeça. Nesse período, sem muito a gente saber, ouvíamos falar que ela não estava bem através de uns amigos. Tentávamos conversar, mas ela não se abria. A Bia ganhou 10 quilos em cinco meses", contou o pai.

Novos rumos

Bia voltou para o Brasil para competir o Maria Lenk em 2019. Preocupados, os pais não queriam cobrar a filha justamente para não pressioná-la ainda mais. O coração deles sabia que algo não estava indo bem na cabecinha dela. Mesmo com todos os problemas, a atleta fez o melhor tempo da vida nos 1500m livre da competição brasileira e resolveu retornar ao seu país.

A família ponderou, mas apoiou a decisão de Bia, que já estava convicta. A nadadora conseguiu o índice, viajou para sua primeira edição de Olimpíadas em Tóquio e, quando voltou, reencontrou o técnico Fernando Possenti. Dali para frente, a atleta passou a evoluir a cada dia até que chegaram os momentos dos baques tanto no Pan de Santiago, em outubro de 2023, quando com a descoberta dos problemas de saúde em dezembro do mesmo ano.

"Ela falou que ela voltava a cada pancada que ela levava, ela voltava mais forte para treinar. E aí na seletiva olímpica em maio deste ano, como ela já tinha o índice, ela conseguiu confirmar a participação dela, mas já fez um tempo bem melhor. E hoje ela está aí sempre buscando melhor, sempre acreditando, a cabeça dela cada vez mais forte", destacou Leandro.

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Família de Bia Dizotti: Leandro (pai), Pedro (primo), Fernanda (mãe) e Leonardo (namorado)
Família de Bia Dizotti: Leandro (pai), Pedro (primo), Fernanda (mãe) e Leonardo (namorado) Imagem: UOL

Caravana da Bia

Falar de família eu choro, porque eu acho que é muito importante. Eu sou muito família, sou muito ligada a eles. Só tenho a agradecer. Eles vieram para Paris me assistir, meu primo [Pedro] guardou dinheiro para vir para cá, então, eu acho que é só agradecer todo o apoio nos altos e nos baixos, e é isso, vamos sonhar mais alto.
Bia Dizotti.

Bia conquistou seu lugar na final dos 1500m livre nas Olimpíadas de Paris e fez seu segundo melhor tempo da vida com o apoio de 14 familiares que viajaram a Paris para apoiar a atleta. Além dos pais, namorado e primos, a brasileira conta com o apoio dos avós. Tem coisa melhor que isso?

"A gente sempre foi muito família. Não tinha a família da Fernanda e a família do Leandro, sempre foi uma só. E nós fizemos de trazer o seu Rodolfo e a dona Roseli, que são meus sogros. Minha mãe e minha avó não estão aqui mais presentes entre nós, mas tenho certeza que acompanharam a Bia lá de cima", disse Fernanda.

Seu Rodolfo recebeu um diagnóstico de um câncer já em estado bem avançado, e antes mesmo de completar o tratamento, a doença sumiu e o avô pôde ir à capital da França acompanhar a neta.

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É com foco e disciplina do pai, o equilíbrio da mãe, apoio do namorado, carinho dos avós e torcida incondicional de tios e primos que Beatriz Dizotti nadou a final desta quarta, na La Defense Arena, com a certeza de que estava cercada pelo amor do seu bem mais importante: a família.

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