Judoca refugiada chora ao falar de país natal: 'Vi a bandeira e desabei'

Nigara Shaheen caminhava com os olhos marejados pelo longo corredor anexo à arena do judô nos Champs de Mars, em Paris.

É ali que, minutos depois de ganhar ou perder suas lutas, os atletas conversam com os jornalistas e têm a chance de reclamar dos árbitros, criticar adversários ou dedicar uma medalha a quem acompanhou as dores da jornada até o evento mais importante do esporte.

Mas "Nig", como gosta de ser chamada, não tinha uma reclamação a fazer dos árbitros, nem críticas à adversária. Ela perdeu por ippon para a mexicana Prisca Awiti Alcaraz em 35 segundos — também não tinha, portanto, uma medalha para dedicar a ninguém.

O motivo dos olhos marejados era uma lembrança do seu país-natal.

Torcedora exibe bandeira do Afeganistão durante competições de judô nas Olimpíadas de Paris-2024
Torcedora exibe bandeira do Afeganistão durante competições de judô nas Olimpíadas de Paris-2024 Imagem: Maja Hitij/Getty Images

Quando entrou na arena, a judoca olhou para as arquibancadas e viu uma bandeira do Afeganistão. A imagem fez ela chorar segundos antes da luta. Depois, ela voltaria a chorar, enquanto conversava com a reportagem do UOL.

"Eu sei que as mulheres do Afeganistão estão sofrendo muito, mas eu quero que elas saibam que eu sei bem o que elas passam. Eu também vim de lá, sou como elas. Eu vi a bandeira do Afeganistão na arena e desabei; foi muito emocionante", disse Shaheen, com lágrimas nos olhos.

"Eu sinto que decepcionei a torcida com a minha derrota, mas a minha participação pode dar mais esperança para as mulheres de lá", concluiu a atleta. Desde agosto de 2021, quando o Talibã retomou o controle da capital, Cabul, uma série de restrições foi imposta às mulheres afegãs — foi proibida a prática de qualquer tipo de esportes, por exemplo.

Nigara Shaheen, do time de refugiadas, durante luta contra Prisca Alcaraz, nas Olimpíadas de Paris-2024
Nigara Shaheen, do time de refugiadas, durante luta contra Prisca Alcaraz, nas Olimpíadas de Paris-2024 Imagem: Peter Byrne/PA Images via Getty Images

Em Paris,"Nig" não usa a bandeira do país onde nasceu, há 31 anos. Ela é uma das representantes do time dos refugiados, que compete com a bandeira do Comitê Olímpico Internacional (COI).

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"Hoje, além do Afeganistão, eu represento 100 milhões de pessoas no mundo, que estão refugiadas. A minha mensagem para as pessoas é que elas tentem conhecer a história dos refugiados: saber quem eles são, conhecer suas dificuldades. Tenho certeza que as pessoas terão uma conexão com as histórias de superação e resiliência", afirmou.

A história da vida de Shaheen é marcada pela busca de refúgio desde que era um bebê — ela tinha apenas 6 meses quando os pais cruzaram a fronteira com o Paquistão, fugindo da terceira guerra civil do país. A judoca chegou a voltar à terra natal para estudar, mas novos conflitos a levaram primeiro à Rússia e depois ao Canadá, onde vive desde 2022.

A delegação dos refugiados tem 37 atletas, de países como Irã, Cuba e Sudão, além do próprio Afeganistão. Na conversa com o UOL, "Nig" fez um apelo para que as pessoas tenham paciência e respeito.

"Queria dizer algo para as pessoas dos países que acolhem os refugiados. Quando uma pessoa chega a outro país, o sistema de transporte é diferente, o sistema educacional, o idioma. Tenham paciência, sejam gentis", concluiu.

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