Pandemia fez duas amigas se reencontrarem nas Olimpíadas após 40 anos

Tóquio, 1983.

A seleção chinesa de tênis de mesa conquista a medalha de ouro por equipes no Campeonato Mundial. Uma das estrelas do quinteto feminino, considerado imbatível, é Ni Xialian, de 19 anos. Na delegação, como reserva, há também uma jovem promessa: Zhiying Zeng, de 16.

Paris, 2024.

Mais de quatro décadas depois, as duas ex-companheiras na equipe chinesa estão na capital francesa para os Jogos Olímpicos. Xialian tem 61 anos, e Zeng, 58.

Pela idade, um desavisado poderia pensar que ambas são treinadoras, dirigentes ou apenas torcedoras. Mas, não. As duas disputaram a chave principal do tênis de mesa feminino: Xialian por Luxemburgo; Zeng, pelo Chile. Um reencontro de amigas depois de quase quatro décadas.

O título mundial é o início dessa história; o reencontro, é o final feliz. No meio, há duas vidas com caminhos diferentes, que começaram juntos, andaram paralelos e só foram se cruzar por acaso.

Xialian, 61 anos, durante a disputa do tênis de mesa nas Olimpíadas de Paris
Xialian, 61 anos, durante a disputa do tênis de mesa nas Olimpíadas de Paris Imagem: Zhao Wenyu/Getty

Estrela em Luxemburgo

Primeiro, contemos a história de Xialian. Em meados dos anos 1980, ela era dona de quatro medalhas em Mundiais, chegou a ser sexta no ranking mundial, e poderia brigar por uma vaga nos Jogos Olímpicos de Seul, que marcaram a estreia do tênis de mesa na competição.

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Mas a pressão pela excelência, em um país que não parava de fabricar campeãs no tênis de mesa, acabou pesando. "O nível de competição era sempre muito alto, e eu queria fazer outras coisas. Queria estudar, não queria perder tempo com o tênis de mesa", explica.

Em 1989, ela foi para a Alemanha; depois, mudou-se para Luxemburgo. Aos 26 anos, recebeu convite para ser técnica. Os treinos começaram, e a chinesa percebeu que ainda conseguiria jogar em alto nível.

A federação local, então, fez o óbvio: acelerou o processo para ela se naturalizar e defender o país. Nascia uma estrela.

Por Luxemburgo, Xialian conseguiu chegar aos Jogos Olímpicos de Sydney-2000. Ela voltou em Pequim-2008, foi a Londres-2012, ao Rio-2016, e a Tóquio-2020. Virou uma lenda no pequeno país europeu. Em Paris, ela foi porta-bandeira na Cerimônia de Abertura.

A chilena Zhiying Zeng em ação na disputa do tênis erm Paris
A chilena Zhiying Zeng em ação na disputa do tênis erm Paris Imagem: Kim Hong-Ji/Reuters

Enquanto isso, no norte do Chile...

O caminho olímpico de Zhiying Zeng foi ainda mais acidentado. Uma das maiores promessas do esporte chinês no início dos anos 1980, ela acabou prejudicada por uma mudança nas regras do jogo.

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Em 1986, as raquetes passaram a ter obrigatoriamente cores diferentes dos dois lados. A alteração acabou minando uma das principais estratégias de Zeng, que era confundir as rivais com efeitos girando o equipamento.

A carreira estagnou, e a fila na seleção chinesa andou. Em 1989, enquanto Xialian se mudava para a Alemanha, Zeng recebia um convite para ensinar tênis de mesa em uma escola na cidade de Arica, no norte do Chile.

Sem muito a perder, ela encarou a aventura. Em seu novo país, adotou o nome "Tania", casou-se com um chileno e foi mãe. Em 2003, voltou a jogar campeonatos para incentivar o filho. Nos dois anos seguintes foi bicampeã chilena, mas voltou a abandonar o esporte.

Até que, no início de 2020, veio a pandemia de Covid-19.

 Zhiying Zeng voltou a jogar durante a pandemia
Zhiying Zeng voltou a jogar durante a pandemia Imagem: Stephanie Lecocq/Reuters

Na pandemia, uma procura no Google

Enquanto o mundo estava confinado, Zeng decidiu que não queria ficar parada. Dentro de casa, ela tirou a poeira da raquete e voltou a treinar. Quando o Chile foi aos poucos se reabrindo, decidiu voltar às competições. "Eu só queria ver como estava", afirma.

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A resposta foi melhor do que ela pensava. Ela passou a disputar — e ganhar — partidas e campeonatos. Em 2022, ela se dividia entre as competições e o trabalho na loja de móveis que a família possui na cidade de Iquique, quando foi surpreendida: ela estava convocada para representar o Chile no campeonato Sul-Americano.

Era hora de mergulhar de cabeça no esporte. Para saber quem eram suas possíveis adversárias, Zeng fez o que todo mundo faz quando tem alguma dúvida: uma pesquisa no Google.

Vendo vídeos de potenciais rivais, deu de cara com um vídeo de uma partida de uma jogadora de Luxemburgo: Ni Xialian. O mesmo nome de sua ex-colega de seleção chinesa, de quatro décadas antes. "É ela!", pensou.

Elas não se falavam desde 1989, quando ambas mudaram de país. O mundo era outro, perder contato com as pessoas era regra, não exceção.

"Descobri que ela era atleta olímpica, e aquilo virou uma motivação para mim. Eu também queria chegar aos Jogos Olímpicos", afirma Zeng.

Em Paris, ambas atletas olímpicas, as amigas puderam finalmente colocar a conversa em dia (e trocaram telefones, para não correr riscos de um novo desencontro). Zeng perdeu na estreia, por 4 a 1, contra a libanesa Maria Sahakian. Xialian venceu a turca Sibel Altinkaya por 4 a 2, tornando-se a mais veterana vencedora de uma partida olímpica; na segunda rodada, ela caiu diante da chinesa Yingsha Sun, líder do ranking mundial, por 4 a 0.

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"Foi ótimo encontrá-la aqui. Fiquei feliz por vê-la jogando e defendendo o Chile. Nós jogamos juntas há muitos anos e continuamos aqui. A idade pode prejudicar algumas coisas, mas ajuda em outras. No fim, é apenas um número", disse Xialian.

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