Polêmica sobre gênero: o que se sabe do caso da boxeadora argelina em Paris
A boxeadora argelina Imane Khelif tem sido alvo de críticas nas redes sociais após derrotar uma adversária em apenas 46 segundos, durante as Olimpíadas. Ela foi reprovada em um "teste de gênero" no ano passado, aplicado pela associação de boxe, mas que não é reconhecido pelo COI (Comitê Olímpico Internacional). Entenda a polêmica.
Vitória e polêmica
A boxeadora Imane Khelif ganhou da italiana Angela Carini em 46 segundos após desferir fortes golpes na região do nariz. A atleta europeia jogou a toalha, desistindo do combate por achar que não tinha condições.
Pela rapidez do combate, Imane foi acusada nas redes sociais de não ser mulher. Entraram na polêmica lideranças de direita, como o presidente da Argentina, Javier Milei, o candidato à presidência dos EUA Donald Trump e a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, além do empresário Elon Musk. Todos argumentavam que a luta tinha sido injusta.
Um "teste de gênero" aplicado pela IBA (Associação Internacional de Boxe) em 2023 fez com que Imane fosse desclassificada do Mundial de Boxe da organização. A boxeadora taiwanesa Lin Yu-ting, que participa dos Jogos, também foi reprovada. A IBA não explica em seu site o método do teste, que diz ser "confidencial", mas afirma que elas "têm vantagens comparadas com as outras competidoras". Essa avaliação não é considerada pelo COI nas Olimpíadas.
O porta-voz do COI explicou por que um teste de testosterona não é adequado. "O teste de testosterona não é um teste perfeito. Muitas mulheres podem ter níveis de testosterona iguais ou semelhantes aos dos homens, embora ainda sejam mulheres", disse Mark Adams, porta-voz do COI, sobre o caso.
Cientificamente não há nada que diga que é um homem que luta contra uma mulher. O critério de elegibilidade para o COI e para a maioria dos esportes é o documento de identidade.
Mark Adams, porta-voz do COI
Ele ainda lembrou que a atleta argelina está no esporte há alguns anos. E já perdeu pelo menos duas vezes para outras atletas italianas.
[A boxeadora argelina] Nasceu mulher, foi registrada como mulher, cresceu como mulher e competiu como mulher.
Mark Adams, porta-voz do COI, em coletiva de imprensa
O COI diz que a IBA não é mais um órgão reconhecido como competente pelo comitê desde 2023. Um documento oficial cita que a organização de boxe apresentou falhas recorrentes relacionadas à integridade e transparência da associação, que foi acusada de manipulação de resultados e corrupção.
'Discriminatório'
Waleska Francisco, doutora pela USP por pesquisa na área de gênero e esporte olímpico e integrante do GEO (Grupo de Estudos Olímpicos), diz que a questão de "teste de gênero" é discriminatória, pois só é feito com mulheres. "A diversidade dos corpos no esporte masculino é uma benção, enquanto para a mulher é aberração. O [Michael] Phelps [nadador e campeão olímpico], por exemplo... Diziam que ele tinha pés semelhantes aos de pato, o que o tornava mais rápido. [Usain] Bolt [velocista] era alto e tinha pernas longas, e foi o homem mais rápido do mundo", explicou. "Se as autoridades esportivas acharem que uma atleta tem aparência masculinizada, ela será alvo de escrutínio."
Ainda que Imane tenha sido reprovada no teste da IBA por ter altos níveis de testosterona, existe uma condição chamada hiperandrogenismo que explica pessoas terem altos níveis de hormônios masculinos. Pessoas com essa condição podem ter mais massa muscular, mas em mulheres pode haver ainda alterações menstruais (ciclos mais longos ou ausência de ciclo) e surgimento de pelos.
A polêmica envolvendo atletas com muita testosterona não é nova. A atleta sul-africana Caster Semenya, bicampeã olímpica dos 800 metros, recorreu ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos em 2023, após ter sido privada de competir durante anos porque se recusou a tomar medicamentos para reduzir o seu nível de testosterona.
Outra possibilidade levantada pela imprensa internacional —e não confirmada— é de que a boxeadora argelina seja uma pessoa intersexo (que nasce com características sexuais não binárias). "Se ela for uma pessoa intersexo, isso não é uma vantagem. Não há qualquer consenso científico em relação a isso. O próprio COI afirma, inclusive, em seu documento de elegibilidade de 2021 que nenhuma atleta deve ser submetida a testes de verificação de gênero, muito menos que deve ser apontada como tendo vantagem em relação às outras", diz Waleska.
A determinação de gênero por DNA foi abandonada pelo COI por não resolver a questão, explicou à Folha Rogério Friedman, professor titular da Faculdade de Medicina da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). "Testes genéticos podem definir o sexo genético do(a) atleta, mas não definem gênero. Há décadas se fazia esses testes como critério, mas, já tem uns 20 anos ou mais, as regras descartaram esses testes", disse Friedman.
*Com informações de Estadão Conteúdo e AFP
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