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Capacete no boxe só para mulheres: 'Não faz sentido', avaliam técnicos

Os boxeadores brasileiros Beatriz Ferreira e Keno Marley, durante confrontos nas Olimpíadas de Paris Imagem: Jiang Wenyao/Xinhua e Peter Cziborra/Reuters

Manuela Rached Pereira

Do UOL, em São Paulo

03/08/2024 12h00

No boxe olímpico, uma diferença no uniforme dos atletas é notável durante as disputas masculinas e femininas desde as Olimpíadas de 2016. Enquanto eles lutam sem o capacete, o equipamento é obrigatório para elas.

Exigido desde os Jogos de Los Angeles, há 40 anos, o uso do capacete por atletas masculinos de elite foi proibido em campeonatos organizados pela IBA (Associação Internacional de Boxe) em 2013 e a mesma norma foi adotada pelo COI (Comitê Olímpico Nacional) já na edição olímpica seguinte à proibição.

A regra foi estipulada pela IBA (chamada Aiba até 2021), a partir de um estudo encomendado pela própria associação. Nele, concluiu-se que o capacete não apenas falha em prevenir lesões cerebrais, como pode gerar ainda mais concussões nos boxeadores.

Técnicos brasileiros contestam regra

Desde que mudou, a regra é contestada por técnicos e atletas, que não entendem o motivo de a norma valer apenas para os homens, enquanto atletas mulheres e de base devem seguir com o equipamento em competições da IBA e das Olimpíadas.

Acredito que a decisão de tirar o capacete do masculino foi equivocada. Segundo os argumentos [da IBA], sem capacete o esporte seria mais seguro porque os atletas tomariam mais cuidado com os choques de cabeça, que é o que causaria mais lesões. Mas, ao longo dos anos, o que a gente viu foi o contrário. Os choques e a abertura de supercílios nos atletas foram muito maiores sem o uso do capacete. Além disso, se a regra não vale para o feminino e as categorias de base, então essa decisão não faz sentido algum. Suelen Souza, treinadora da seleção brasileira de boxe, eleita a melhor técnica do Campeonato Brasileiro de Boxe em 2019 e 2020

Para Breno Macedo, mestre em história social do boxe pela USP (Universidade de São Paulo) e treinador nas academias paulistas MM Boxe e Boxe Autônomo, o que está por trás da norma da IBA é uma "vontade de popularizar mais o boxe olímpico, para deixá-lo mais comercial e próximo do boxe profissional".

O técnico assistente da seleção olímpica brasileira, Adailton Gonçalves, concorda. Segundo ele, além de a dispensa do capacete "aproximar o boxe olímpico do profissional", deixa a luta "mais bonita para a TV".

"A gente sabe que, no fim das contas, o boxe sem capacete é mais atrativo para o público. É mais fácil você identificar os atletas vendo o rosto deles e, além disso, assistir à luta passa a ser mais 'interessante' quando o risco para o lutador é maior", explica Suelen Souza.

Sobre a função de proteção do capacete, contestada pela IBA, o técnico Macedo afirma: "Realmente, existe uma teoria no boxe de que o capacete não protege de danos cerebrais porque a cabeça vai chacoalhar do mesmo jeito, independente do equipamento ou não". E completa: "Outra lógica é que o capacete aumenta o volume da cabeça, então, um golpe que, sem o capacete, passaria resvalando, com a proteção, pegaria".

Mas sabemos que o capacete protege principalmente de cortes superficiais, e isso conta. Hoje em dia, muitos atletas estão de cara 'aberta' e é difícil achar um boxeador de elite que não tenha um ponto na cara. O corte na cabeça que o Abner [Teixeira] sofreu [na disputa olímpica contra o equatoriano Gerlon Congo], por exemplo, se ele estivesse com capacete, não cortava. Breno Macedo, mestre em história social do boxe pela USP

Sangue escorreu pela cabeça do brasileiro Abner Teixeira após lesão durante luta contra equatoriano Gerlon Congo nas Olimpíadas, no último dia 29 Imagem: Mohd Rasfan/AFP

Avaliação médica

Médica da CCBoxe (Confederação Brasileira de Boxe) e do Comitê Paralímpico Brasileiro, Cassiana Hermann Pisanelli explica que o capacete é usado no boxe para evitar ferimentos corto-contuso [cortes ocasionados por contusão].

Ela afirma que, mesmo com o equipamento, "se o atleta toma um golpe muito forte, a cabeça pode fazer um movimento rotacional que pode gerar uma concussão [lesão cerebral] e o capacete poderia ser até algo compressivo [para o crânio]".

"Uma das lesões na cabeça que deixam a gente mais preocupado é justamente a concussão, que é aquele movimento muito rápido do cérebro dentro da caixa craniana, de aceleração e desaceleração, que pode acarretar em algumas sintomatologias, desde náusea, perda da noção do espaço e desequilíbrio, até processos mais graves de lesão, como perda de memória a curto ou longo prazo", explica a médica esportiva.

Ainda assim, Pisanelli defende o uso do equipamento pelos atletas e diz também que a função do capacete é prevenir cortes, principalmente de supercílio, que são muito comuns depois de choques de cabeça com cabeça ou cotovelo, por exemplo.

Eu nunca fiz nenhuma sutura [ponto cirúrgico] em meninas [da confederação], as únicas que precisei fazer foram no masculino. A Bia Ferreira, por exemplo, foi para o profissional e, em uma das lutas, já teve um ferimento no supercílio que, se ela tivesse com o capacete, provavelmente, não teria. Cassiana Hermann Pisanelli, médica da CCBoxe e do Comitê Paralímpico Brasileiro

Desclassificação por sangramento

Pisanelli lembra ainda que, no boxe olímpico, "não pode haver sangue", ou seja, se o atleta tem um corte e, no intervalo, não consegue estancar e fazer parar de alguma maneira o sangramento, ele é desclassificado por causa da lesão que sofreu.

"Eu, como médica, tenho o viés da proteção. Por isso, para mim, é válido [o uso do capacete], para preservar a saúde dos atletas, sempre", conclui.

Competições internacionais terão mulheres sem capacetes

Em março deste ano, a IBA publicou uma nova regra que dispensou o uso de capacetes também para atletas mulheres da categoria de elite, sem divulgar os motivos da decisão. Com isso, as exigências relacionadas ao equipamento para as disputas masculinas e femininas se igualam em competições organizadas pela associação. A norma, ao menos por enquanto, não vale para os Jogos Olímpicos.

Procurada com questionamentos sobre o estudo e a proibição inicial do uso do capacete apenas para competições masculinas de elite, a IBA não retornou à reportagem.

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