Novo rival? Por que franceses estão vaiando atletas argentinos em Paris
Os Jogos Olímpicos costumam ser um evento reconciliador, em que as diferenças são deixadas de lado e os esforços dos atletas são reconhecidos independentemente de sua origem. No espírito olímpico, vaias e insultos são tabu. Porém, em Paris 2024, há uma exceção: ser membro da delegação da Argentina. As vaias contra os atletas do país se repetem desde o início do evento. Uma resposta dos torcedores franceses aos atos racistas dos argentinos, que começaram na Copa do Mundo de 2022, e foram retomados após a vitória na Copa América.
A Argentina parece não ser bem-vinda nesta olimpíada. As vaias contra seus atletas se repetem desde o início do evento esportivo, como aconteceu durante o hino do país, no primeiro jogo de futebol dos argentinos contra o Marrocos. Depois, se repetiram em outras provas e até na cerimônia de abertura.
O comportamento dos franceses desconcertou os torcedores argentinos. "Achei muito forte. Isso deve ser respeitado, é o hino do país", disse a torcedora argentina Carla à RFI.
Anahí, de 47 anos, fica magoada a ponto de se emocionar ao lembrar das vaias. "É feio, sim. Você se emociona ... ", disse com lágrimas nos olhos.
Porém, alguns atletas argentinos minimizaram o assunto, como o jogador de rugby Santiago Álvarez, em declarações ao canal TYC Sports.
"Não sabia que ia ser tanto, mas bom, também é o legal. A mesma coisa acontece na Argentina. Os franceses são muito parecidos conosco, são muito apaixonados, então é legal. Dá mais tempero", afirmou.
Para Karim Baldé, jornalista esportivo francês, isso se deve à polêmica da canção racista contra a França entoada pelos jogadores argentinos após a vitória na Copa América, que reavivou a amarga derrota na final da Copa do Mundo do Catar.
Por isso, ele também vaiou a delegação argentina durante a cerimônia de abertura. "Sou mais daqueles que aplaudem e são pelo fairplay, mas é verdade que vaiei naquele dia. Simplesmente porque, além da atitude que considero estúpida dos jogadores argentinos com seus gritos, o problema foi o que veio depois, os poucos pedidos de desculpas que houve. Até das autoridades", justifica. "Não tenho a impressão de que haja o menor arrependimento, mas, para mim, como francês e também como negro, isso obviamente me choca", diz.
"Rivalidade ocasional"
Para outros franceses, porém, vaiar não é normal. Essa é a opinião de Jean-Baptiste, que foi torcer pela Argentina na partida de vôlei contra o Japão, vestindo a camisa da seleção argentina. "Acho que fizeram uma besteira. Enfim, é algo que vemos em muitos esportes. Temos que virar a página", acredita.
Sua opinião é compartilhada por Maxime, de Nancy, no norte da França. "Não concordo. Para mim, estamos nas olimpíadas e devemos torcer pelos atletas franceses, mas também por todos os atletas, porque se estão aqui é porque merecem. Então, se um argentino vence um francês, eu aplaudo. No final, quem ganha são os melhores", frisou.
Embora a rivalidade entre os dois países esteja latente neste momento, alguns franceses, como Nicolas, insistem que as tensões não devem ir além das arquibancadas. "Não é uma rivalidade cultural. Para mim é uma rivalidade ocasional e só. Enquanto permanecer no campo esportivo está tudo bem", acredita.
De fato, a maioria dos argentinos consultados pela RFI entende a reação dos franceses e garante que isso não os afetou durante sua estadia. "Eles são respeitosos e estamos nos divertindo muito", destacou Facundo, que está em Paris para assistir às provas com amigos de Rosário, no nordeste da Argentina.
Mas este não é o caso de Abril, de 14 anos, que viveu situações desconfortáveis com a família, embora admita que o clima melhorou. "Nos últimos dias começaram a nos cumprimentar mais, dizendo coisas como 'vamos Argentina!'", disse.
Resta saber se esta trégua conseguirá sobreviver ao duelo entre Argentina e França nas quartas de final do futebol, nesta sexta-feira. "Com tudo o que aconteceu recentemente, todos os franceses foram afetados", comentou o jogador de futebol olímpico francês Jean-Philippe Mateta, que entra em campo pela França.
Desculpas tímidas da Argentina
Enzo Fernández, o jogador argentino que transmitiu ao vivo a cena em que entoava uma canção racista, pediu desculpas nas redes sociais, mas a polêmica continuou.
Jogadores de futebol franceses, como Wesley Fofana (também do Chelsea, como Fernández) e Jules Koundé, denunciaram um "racismo sem complexos" e um ato "lamentável".
O Chelsea rapidamente iniciou uma ação disciplinar contra o meio-campista por seu comportamento "completamente inaceitável", enquanto a França denunciou a seleção Argentina à FIFA por discriminação e racismo.
Na Argentina a história foi diferente. O subsecretário de Esportes Júlio Garro, que exigiu que o capitão, Lionel Messi, e o presidente da Federação Argentina de Futebol, Claudio Tapia, pedissem desculpas, foi demitido pelo governo de Javier Milei.
Além disso, a vice-presidente argentina Victoria Villaruel defendeu os jogadores no X. "Nenhum país colonialista vai nos intimidar por uma canção de torcida ou por dizer verdades que não querem admitir. Parem de fingir indignação, hipócritas. Enzo, eu te defendo", escreveu.
O Governo argentino, mais tarde, teve de pedir desculpas à França pelas declarações de Villaruel.
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