COI defende boxeadora, mas briga é maior e envolve conflito com russos
Colaboração para o UOL, em Paris
04/08/2024 14h27
A forma incisiva como o Comitê Olímpico Internacional (COI) criticou a Federação Internacional de Boxe Amador (IBA, ex-AIBA) no caso da boxeadora Imane Khelif expõe interesses que vão além do direito de ela competir na categoria feminina. Passam, principalmente, pela guerra fria entre COI e Rússia.
Ainda que grupos de pressão ligados aos Estados Unidos e a países europeus acusem o COI de ser parceiro da Rússia, permitindo a participação de alguns poucos atletas russos em Paris com bandeira neutra, para o governo de Vladmir Putin o Comitê Olímpico Internacional é um rival no xadrez político internacional.
Porque a Rússia virou inimiga
Antigo aliado, parceiro na organização dos Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi-2014, o COI passou a ser visto com outros olhos depois de apoiar decisões da Agência Mundial Antidoping (Wada) contra o esporte russo. Depois, a tensão escalou com a Rússia impedida de ter sua bandeira em Tóquio-2020 e com a exclusão da IBA como uma federação internacional (IF) associada ao COI.
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As punições do COI à IBA passaram a interessar os russos depois que o boxe entrou diretamente em sua esfera de influência, com eleição de Umar Kremlev como presidente, em 2020.
Boxe é comandado por ex-funcionário de Putim
Kremlev foi funcionário do governo russo e teve um crescimento meteórico na política do boxe, chegando à presidência da IBA com declarado apoio do Kremlin. Com ele no cargo, a entidade ganhou o patrocínio da Gazprom, a gigante estatal russa de gás, que virou a fonte de ouro.
As vontades de Putin passaram, então, a prevalecer. A sede da IBA foi transferida da Suíça para Moscou e a Ucrânia foi suspensa, em movimento contrário ao restante do esporte, que puniu a Rússia pela guerra.
Polêmica começou quando argelina venceu russa
Entre essas decisões estaria a de desclassificar Khelif do Mundial de 2023 após ela atropelar a russa Azalia Amineva na estreia. A IBA alegou que ela e também a taiwanesa Lin Yu-ting "não conseguiram atender aos critérios de elegibilidade necessários e foram consideradas como tendo vantagens competitivas sobre outras competidoras".
A entidade diz que os testes foram analisados por dois laboratórios independentes, a partir de amostras colhidas nos Mundiais de 2022 e 2023, mas nunca explicou de que forma elas não são elegíveis. Imane Khelif chegou a recorrer na Corte Arbitral do Esporte (CAS) mas retirou o processo depois que a IBA foi excluída do movimento olímpico.
COI fala em "agressão" e "decisão arbitrária"
Quando soltou nota defendendo as boxeadores, o COI tocou na falta de legitimidade dessa decisão. "A atual agressão contra essas duas atletas se baseia inteiramente nessa decisão arbitrária, que foi tomada sem nenhum procedimento adequado - especialmente considerando que essas atletas competem em competições de alto nível há muitos anos."
O comitê completou: "Tal abordagem é contrária à boa governança". E é exatamente na falta de "boa governança" que o COI se apoia para punir a IBA desde um escândalo de arbitragem na Rio-2016.
Ainda que a IBA já tenha sido excluída do movimento olímpico e e sua queixa contra isso tenha sido recusada pela CAS, a federação de boxe ainda tem forte influência sobre a modalidade e tentar marcar território com financiamento russo.
Em uma visita ao Brasil no ano passado, Kremlev prometeu pagar US$ 400 mil para cada campeão do próximo Mundial, o dobro da premiação do torneio masculino de 2022. O valor é muito diferente da realidade do esporte olímpico internacional. O campeão mundial de judô, por exemplo, recebe cerca de US$ 20 mil, vinte vezes menos.
IBA dará premiação a italiana que não lutou
Esta semana, a IBA voltou a usar o dinheiro para se posicionar do lado oposto ao do COI. A entidade, que já havia prometido pagar US$ 100 mil aos medalhistas de ouro em Paris, em uma premiação total de US$ 3,1 milhões, mesmo sem ter qualquer ligação com a Olimpíada, anunciou que dará o prêmio de campeã à italiana Angela Carini, que desistiu do duelo contra Khelif. Também receberiam premiação o técnico dela, e a federação italiana, que soltou nota neste domingo para dizer que não aceitará o dinheiro.
A IBA ainda atacou, em nota, o fato de dois torneios organizados em abril e maio deste ano, nos EUA e na Holanda, terem permitido a participação de Khelif, e destacou, em negrito no texto, que ambos foram conduzidos pela World Boxing. Essa entidade, criada depois que um holandês foi impedido de concorrer pela presidência da IBA, atua sob esfera de influência oposta à dos russos.
A tendência é que seja a World Boxing a organizar o torneio de boxe a partir dos Jogos de Los Angeles, em 2028. Por enquanto, a modalidade está excluída da Olimpíada. O COI diz que precisa que as federações nacionais cheguem a um consenso em torno de uma nova federação internacional para a modalidade voltar ao programa. O Brasil já está filiado à World Boxing.