'Sangue nos olhos': caiaque cross empolga a torcida, mas machuca atletas

Descer de uma rampa, fazer o caiaque girar, colocar o corpo todo na água, virar de volta e encarar oito balizas, que devem ser contornadas de formas diferentes, dependendo das indicações em cada uma delas. Tudo em uma correnteza e brigando por espaço com mais três adversários que têm o mesmo plano: cruzar a linha de chegada na primeira posição. Todos, pensando nisso, vão jogar o barco em cima de você se for necessário.

É difícil pensar em um esporte mais dinâmico (e desgastante) que o caiaque cross, estreante no programa olímpico em Paris. Para quem vê das arquibancadas ou pela TV, é entretenimento puro. "Não sabia que tinha UFC no caiaque", disse um apresentador de TV.

"É mais legal pra quem assiste do que pra quem está lá dentro!", brinca o brasileiro Pedro Gonçalves, o Pepê. No sábado (3), ele garantiu uma vaga para a fase eliminatória, que será disputada neste domingo (4).

Ana Sátila em disputa com a canadense Lois Betteridge no caiaque cross
Ana Sátila em disputa com a canadense Lois Betteridge no caiaque cross Imagem: Luiza Moraes/COB

"Cara, você tem que ter uma estratégia na cabeça, mas estar a todo momento disposto a mudar. A prova pode mudar de uma hora para outra e você tem que estar no seu dinamismo ali, ao mesmo tempo com aquele sangue nos olhos remando, fazendo força", afirma Pepê.

"Sangue nos olhos" é uma boa definição para o que acontece durante as baterias classificatórias: não é raro ver os caiaques se chocarem e um atleta prejudicar a prova do outro — às vezes, ambos levam a pior.

O regulamento já prevê esse tipo de contato: os barcos são de plástico, o remo é reforçado, e o colete salva-vidas também é mais robusto, para funcionar como proteção em casos de contato.

Quarta colocada no K1 e quinta no C1, Ana Sátila admite que o cross não é, nem de longe, sua modalidade preferida. "Confesso que eu não gosto muito do cross, para mim é muito difícil mentalmente. O cross evoluiu num nível, que ninguém tá nem aí pra ninguém. É tudo ou nada, e quem chega primeiro, então tem que atacar, mas eu procuro sempre estar ali com segurança para não machucar ninguém", disse a brasileira.

"Às vezes, a pessoa vai nascer com essa vontade dentro dele de estar ali lado a lado, sabe? De brigar e de ir pra cima e eu não sou assim, eu sou paz e amor, eu sou totalmente o contrário disso", acrescentou.

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Pepê Gonçalves compara o caiaque cross ao BMX
Pepê Gonçalves compara o caiaque cross ao BMX Imagem: McCarthy/Sportsfile via Getty Images

"É o BMX da canoagem. E o legal para o público é que vence quem chegar primeiro", define Pepê. A reação do público no Estádio Náutico de Vaires-sur-Marne não deixava dúvidas: o caiaque cross estava aprovadíssimo.

As arquibancadas estavam lotadas. Australianos e holandeses disputavam a medalha de prata de quem tinha a torcida mais animada — o ouro, sem dúvidas, era da França. Os quatro representantes do país levantaram o público, que abria bandeiras e gritava o já tradicional "Allez, les Bleus" ("Vamos, azuis", em referência à cor do uniforme).

Quando o público não estava gritando, o DJ entrava no clima: nos intervalos maiores, música eletrônica e pop; minutos antes de cada descida, rock n´roll. A tarde de sábado teve Guns n´ Roses, Billy Idol e Lynyrd Skynyrd.

Rock para o público, heavy metal para as competidoras. Tanto na bateria inicial quanto na repescagem, Ana Sátila teve disputas acirradas com rivais. Na segunda descida do dia, ela foi "atropelada" pela canadense Louis Betteridge ao contornar uma baliza. O barco da adversária levantou e se chocou contra o corpo da brasileira. Nas arquibancadas, o público reagiu com um "ooohh". Mas logo esqueceu o incidente e voltou a aplaudir.

Para quem não viu ou quer ver de novo, o domingo terá mais caiaque cross. A disputa das eliminatórias masculinas começa às 10h30 (horário de Brasília), com Pepê; às 11h45, Ana Sátila disputa as eliminatórias femininas. A briga por medalhas será na segunda-feira (5).

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