Paris-2024 faz Vila sustentável com cama dura, quarto quente e comida ruim
A intenção era das mais nobres: entregar a edição mais sustentável dos Jogos Olímpicos. O comitê organizador francês, então, fez da vila olímpica um exemplo: usou camas de papelão, excluiu aparelhos de ar-condicionado, cortou cortinas e deixou o cardápio do refeitório o mais vegetariano possível.
Em troca, críticas. Muitas. Em entrevistas, vídeos e posts. As redes sociais estão inundadas de publicações com atletas reclamando das condições e, sobretudo, de como seria mais difícil desempenhar em altíssimo nível vivendo, comendo e dormindo longe do que eles consideram como ideal.
O objetivo dos Jogos
Os prédios que recebem os atletas foram erguidos em Seine-Saint-Denis, ao norte de Paris, e a região foi pensada para ser um bairro com moradia para 6 mil pessoas e espaços de escritório para outras 6 mil. O local é uma espécie de laboratório de sustentabilidade. Nas ruas, o piso é feito de conchas do mar, com o objetivo de absorver água da chuva, armazená-la e evaporá-la nos dias quentes para resfriar os pedestres.
Os quartos, que serão alterados pelos moradores depois dos Jogos Paralímpicos, têm pouca mobília. As camas são de papelão. Os colchões, feitos de material reciclado e com dois lados: um mais macio, outro mais rígido. Não há cortinas. No geral, um ambiente que não agradou à boa parte dos atletas olímpicos, sobretudo aos mais famosos, acostumados com hospedagens mais confortáveis e - por que não - luxuosas.
Comida: faltou qualidade e quantidade
A ginasta Simone Biles foi clara sobre a comida servida no refeitório dos atletas: "Não acho que seja muito boa, pelo menos o que estamos recebendo no refeitório. A comida francesa é boa, mas o que estamos recebendo ali não acho que seja a melhor - mas cumpre o serviço", avaliou.
Biles não foi a única. Longe disso. Aos poucos, foram pipocando outras queixas, não só sobre a qualidade do que era servido, mas também sobre a quantidade. O problema é que atleta costuma controlar o que come e, quando viram o cardápio 60% plant-based, ou seja, baseado em vegetais, sentiram falta, principalmente, de proteína animal. Depois das reclamações, o comitê local providenciou um aumento considerável na quantidade de ovos e carne para servir aos competidores.
O executivo chefe da delegação britânica, Andy Anson, disse que faltavam ovos, frango e alguns tipos de carboidrato. Criticou ainda "a qualidade da comida, com carne crua servida aos atletas", disse ao New York Times. A Grã-Bretanha acabou optando por fazer refeições no centro de performance do time, a 30 minutos da vila, onde um chefe próprio cuidava do preparo dos alimentos.
Para os brasileiros, o problema era contornável. O nadador brasileiro Guilherme Costa, o Cachorrão, por exemplo, optou pela solução caseira. "A comida lá no Chateau do Time Brasil é bem melhor do que na Vila, então como tinha a final dos 400m, valeu a pena ter ido lá pra conseguir me alimentar bem. Não tenho ido muito na Vila para almoço e jantar", disse ao UOL.
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Quero receberO Chateau que Cachorrão fala é um castelo do século XIX, localizado em Saint-Ouen, perto da vila olímpica, que foi alugado e adaptado pelo Comitê Olímpico Brasileiro para receber atletas, comissão técnica e familiares. Entre os serviços está a alimentação com comida típica do Brasil - inclusive com direito a feijoada.
Talvez por isso o técnico da seleção feminina de vôlei, José Roberto Guimarães, tenha sido econômico nas críticas. "Para a gente, está sendo muito bom. Eu acho que se você for procurar problemas, você vai encontrar".
O colchão é o mesmo, e a cama é a mesma de Tóquio. O chuveiro é bom, o apartamento é bom. E o COB tem dado uma assistência excepcional para a gente. A Confederação de Vôlei (CBV) também. Temos, inclusive, um ginásio de treinamento. Então, para mim, está tudo legal. José Roberto Guimarães, técnico da seleção feminina de vôlei, ao UOL
Camas de papelão, colchões finos e duros
As camas de papelão, adotadas nos Jogos de Tóquio, voltaram à cena em Paris, e os atletas reclamaram mais uma vez. O boato de que seriam camas antissexo, que desarmariam diante de certo tipo de atividade, viralizou de novo. Fake news. Entretanto, não faltou gente para reclamar.
A remadora suíça Cece Dupre foi dura: "Você pensa que eles teriam boas camas, não? Com o maior grupo de melhores atletas do mundo num lugar só. Eles deveriam ter algum dinheiro ou pelo menos priorizar recuperação e desempenho. É como se eles não quisessem que a gente dormisse bem. Eu dormi naquela coisa [cama], e era tão duro... Até o lençol era de um material sintético e que coçava."
Simone Biles foi mais direta em sua conta no TikTok: "a cama é horrível." A delegação americana, porém, comprou pillow tops, que são espécies de colchonetes feitos para serem usados sobre colchões e aumentam a maciez para quem se deita.
Criou-se, então, outro problema: algumas delegações passaram a equipar os quartos de seus atletas por conta própria. Outras, com menos recursos, tiveram que se adaptar às condições originais da vila. Logo, surgiram reclamações sobre desigualdade financeira afetar o equilíbrio dos Jogos.
Ar-condicionado só pra quem pagou
O calor foi outro fator importante. Em nome da sustentabilidade, o comitê organizador não instalou aparelhos de ar-condicionado nos quartos. Em vez disso, os apartamentos têm um sistema com água entre as paredes para resfriar os ambientes em até dez graus.
"Não tem ar-condicionado! As paredes aparentemente têm um sistema com água que resfria o quarto, mas eu estava no segundo andar e já estava quente. É quente ali! Eu liguei o ventilador e ajudou um pouco, mas fazia barulho, e eu suava no lençol sintético. Não é uma boa experiência", disse a mesma Cece Dupre no TikTok.
Diante das queixas de muitos comitês nacionais, os organizadores permitiram que cada país comprasse aparelhos de ar-condicionado por conta própria. Brasil, Grã-Bretanha, Austrália e Canadá, além dos EUA, bancaram os gastos para seus atletas, mas nem todo mundo pôde ou quis comprar os aparelhos.
Swimming gold medalist Ceccon sleeping in the park. He criticised the lack of A/C inside the Village pic.twitter.com/fHBvN24vpO
? non aesthetic things (@PicturesFoIder) August 4, 2024
O nadador italiano Thomas Ceccon, campeão olímpico dos 100m costas, viralizou ao ser fotografado dormindo em um gramado, aparentemente, por causa do calor no quarto.
Cortinas, transporte e mais
As altas temperaturas incomodaram também no transporte oficial. O tenista brasileiro Thiago Monteiro postou um vídeo em que Luisa Stefani, medalhista de bronze em Tóquio, apelou para uma toalha cheia de gelo dentro do ônibus. Ainda assim, o atleta foi econômico nas críticas:
"A única reclamação mais constante era do ônibus. Imagine neste calor, eles deixavam as janelas fechadas, sem ar condicionado, e todo mundo trancado lá dentro. Nos primeiros dias, foi um pouco sufoco. Depois, eles começaram a ligar o ar-condicionado e abrir as janelas."
Coco Gauff, tenista número 2 do mundo, publicou um vídeo dizendo que havia dois banheiros para dez meninas onde ela estava hospedada na Vila. Alguns dias depois, voltou a postar, dizendo que todas as outras mulheres do time de tênis americano haviam deixado trocado as instalações oficiais por hotéis. Uma de suas companheiras era Emma Navarro, filha do bilionário Ben Navarro, CEO do Sherman Financial Group.
Até a falta de cortinas incomodou. A americana Chari Hawkins, do heptatlo, fez um vídeo sobre a falta de privacidade que isso causava. Ela improvisou uma toalha presa no topo da janela, mas destacou que a gambiarra não duraria muito tempo. "Isso vai cair eventualmente, então se eu estiver saindo do chuveiro ou trocando de roupa, coloco isso [a toalha] e mudo de roupa o mais rápido possível porque isso cai muito fácil."
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