A fortaleza: como é preparação que fez Rebeca fechar Olimpíada sem erros
Colaboração para o UOL, em Paris
06/08/2024 05h00
Depois de 17 apresentações, Rebeca saiu da Arena Bercy da mesma forma como havia chegado, 12 dias antes, inteira. Não levava na bagagem só as quatro medalhas conquistadas em Paris, mas também um feito incomum: não cometeu nenhum erro grave, mesmo competindo no limite.
Foram cinco séries nas eliminatórias (uma por aparelho, duas no salto), quatro na final por equipes, quatro no individual geral e mais quatro nas finais por aparelho. Em todas, não havia margem para erro. Uma falha, e uma medalha poderia ser perdida.
Mesmo assim, Rebeca acertou tudo. Nem Simone Biles conseguiu o mesmo, e a prata no solo e a trave sem medalhas são provas disso.
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Para a brasileira, resultado de um trabalho contínuo não só dela, mas da comissão técnica que trabalha com ela.
"Antes de tudo, esse é um trabalho artesanal, que não é igual para todo mundo. E a base desse trabalho é o autoconhecimento. O atleta se conhecer, o atleta se apropriar dele mesmo. Entender o que é fácil, o que é difícil. E a partir disso desenvolver recursos para performar em alto nível. Porque, antes de ser atleta, que nos enche de emoção, é uma pessoa", comenta a psicóloga Aline Wolff.
Em todas as entrevistas que concedeu em Paris, Rebeca ao menos uma vez falou do trabalho que faz com a psicóloga. Gosta tanto que decidiu estudar psicologia —trancou o curso no último semestre para se dedicar à Olimpíada.
Aline explica a importância do acompanhamento. "Nosso trabalho passa primeiro pelo cuidado com a pessoa, para que a gente vá desenvolvendo o que cada um precisa naquele momento, para fazer o seu melhor. E fazer o seu melhor só sai de um lugar: contato com si próprio."
Além da cabeça no lugar, Rebeca também veio a Paris com o corpo em perfeita forma, ainda que tenha citado uma lesão no ombro antes dos Jogos. Durante a competição, não demonstrou nenhuma restrição física, algo incomum para quem tem um histórico grande de lesões e cirurgias.
"É um trabalho que vem sendo feito não só da fisioterapia, mas um trabalho totalmente em equipe, com as outras áreas. Psicologia, parte médica, parte da preparação física. Enfim, toda equipe multidisciplinar", explicou o fisioterapeuta Alvaro Margutti. que trabalha com a seleção.
"Nos últimos anos nós estamos consolidando um trabalho onde a gente está monitorando cada detalhe dos atletas, com controle de carga, com as prevenções de lesões. O trabalho intensificado na preparação física também, a parte da recuperação dos atletas. Aqui na competição, isso foi o mais importante", continuou.
O objetivo era conseguir entregar Rebeca, e as outras ginastas da seleção, inteiras para os treinadores, para que elas conseguissem performar sem que o corpo fosse um incômodo já desde a fase de treinamentos.
"Foi um trabalho que nós conseguimos. Claro que durante o percurso tem algumas coisinhas que acontecem, porque é uma modalidade com muito impacto, muito risco. Mas conseguimos reverter todas as situações, todas as queixas, todas as pequenas lesões que apareceram no meio do caminho. E aqui o trabalho foi muito atento a parte da recuperação dos atletas."
O trabalho, ele conta, foi individualizado, dia após dia, dependendo da ginasta, dos aparelhos em que ela havia competido, e dos que precisaria ainda competir.
"Claro que tem as medalhas, mas é uma vitória todos os atletas chegarem e saírem sem lesão do Mundial, do Pan, e demos continuidade a esse trabalho com a saúde e o bem-estar do atleta. Eu acho que o caminho é esse. A gente está trabalhando num propósito bem legal", continuou Álvaro.
Henrique Motta, diretor esportivo da Confederação Brasileira de Ginástica (CBG), também bate na tecla do trabalho individualizado. Diferente dos EUA, por exemplo, que tem um número grande de ginastas de alto nível, e estimula a concorrência entre elas, o Brasil tem poucas atletas de ponta, que recebem forte apoio da CBG e do COB.
Ao longo do ano, a equipe multidisciplinar olha cada uma delas individualmente, com suas necessidades e entregas.
"É um trabalho que aceita e que entende a individualidade de cada um, que busca maximizar todas as oportunidades que a gente tem, mas também passar por todos os desafios. É muito difícil você, atuando como confederação, vivendo num país que tem tantas dificuldades ainda. A gente é um país de terceiro mundo, a gente só disputa com países de primeiro mundo", comentou.
Em Paris, a comissão que ganhou quatro medalhas com Rebeca, uma delas com a equipe, tem além de Henrique, Xico, Álvaro e Aline, também a técnico Iryna Ilyashenko, a médica Lara Ramalho e Juliana Fajardo, funcionária do COB que divide as funções de chefe de equipe com Henrique.
"Essa conquista é também de todas as pessoas que não estão aqui, mas que estão no trabalho. Todas as pessoas que estão no Brasil. A gente gostaria que todos estivessem aqui, mas é muito importante a gente valorizar esse trabalho em equipe", apontou Henrique.