De vencer Federer a lutar na guerra: a história de um ex-tenista no front
Vestido em um traje militar, com seu 1,93m de altura, Sergiy Stakhovsky comenta assuntos delicados como se eles fossem triviais. O tom de voz varia pouco: o ucraniano, de 38 anos, fala alto o suficiente para ser ouvido, e baixo o bastante para capturar a atenção de quem o escuta.
Parte da calma para encontrar as palavras certas, olhando sempre nos olhos do entrevistador, ele aprendeu nos tempos de atleta de elite: foram 19 anos como tenista profissional, quatro títulos da ATP e o 31º lugar do ranking. Uma trajetória que teve como ponto alto a vitória sobre Roger Federer em Wimbledon, em 2013 — uma das derrotas mais surpreendentes da carreira do suíço.
O resto, Stakhovsky aprendeu no campo de batalha.
Em fevereiro de 2022, dias após a invasão russa na Ucrânia e semanas depois de se aposentar, ele foi para a linha de frente da guerra: apresentou-se voluntariamente para servir nas tropas especiais do exército, deixando os três filhos e a então esposa em Budapeste, na Hungria, onde eles viviam.
"Voltar para a Ucrânia foi a decisão mais difícil que eu tive que tomar. Eu deixei meus filhos para trás e desejo que nenhum pai tenha que fazer isso. Infelizmente, muitos pais ainda precisam fazer, e vários já estão mortos e não verão mais as suas famílias", disse Stakhovsky ao UOL.
A conversa com o ex-tenista aconteceu na Casa da Ucrânia, no Parque de la Villette, em Paris. Ele não tem dúvida de que a experiência no front mudou seu jeito de ser, mas não sabe exatamente como. "Acho que apenas as pessoas que estão ao meu redor poderiam dizer o que mudou. Mas definitivamente, eu mudei".
O que não muda, de forma alguma, é a expressão facial do ex-tenista. Ele é capaz de falar frases duras, como "todo russo é um inimigo" ou que "infelizmente Djokovic venceu" a final olímpica, sem levantar o tom ou mostrar qualquer emoção.
A torcida contra o sérvio — agora campeão olímpico — se justifica. Stakhovsky e Djokovic nunca foram amigos, mas tinham uma relação cordial até o ano passado. "O pai dele fez declarações pró-Rússia, e sei que Novak pensa parecido. Como tenista, eu o respeito; como pessoa, não muito".
Veja os principais temas da entrevista:
Ucranianos nas Olimpíadas
Acho que para os atletas ucranianos, e eu conversei com muitos deles ao longo desses dois anos, é extremamente importante poder mostrar a bandeira ucraniana aqui, tentar alcançar o pódio, ouvir o hino ucraniano. Todos eles estão extremamente motivados, mas eles têm se preparado para estas Olimpíadas em circunstâncias e condições que ninguém deveria, no aspecto psicológico da pressão deles mesmos, do país, dos atletas neutros (atletas da Rússia e Belarus) contra os quais competiram.
O fato de terem conseguido se qualificar para as Olimpíadas, virem aqui, competirem e realmente ganharem algumas medalhas é um resultado extraordinário e uma vitória extraordinária para todos os ucranianos, ao vermos nossa bandeira, um país livre e independente nas Olimpíadas, que ainda está lutando uma guerra contra um país que é dez vezes maior e com uma população cinco vezes maior.
Os atletas neutros
No início da invasão russa, eu pensava que havia uma porcentagem de pessoas na Rússia que eram contra essa guerra. Infelizmente, nesses dois anos, não encontrei nenhuma ou a quantidade dessas pessoas é tão pequena que nem vale a pena mencioná-las porque é menos de 1% da população do país. Então, a maioria das pessoas da Rússia apoia esta guerra, apoia o assassinato de ucranianos, apoia os estupros, a tortura e o sequestro, e basicamente querem que a Ucrânia seja apagada. Então, para mim, todo russo é um inimigo. Simples.
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Quero receberIr para a guerra
Eu diria que foi a decisão mais difícil que já tive que tomar, deixar meus filhos para trás e voltar para a Ucrânia. Eu gostaria que nenhum pai tivesse que fazer isso, mas, infelizmente, nas circunstâncias da Ucrânia, muitos pais ainda têm que fazer isso e muitos desses pais já foram mortos e nunca verão seus filhos. Não há, eu diria, um grande debate. É muito simples. É o que é certo e o que é errado. E o que a Rússia fez é extremamente errado. E eu não conseguia ver outra maneira senão tentar fazer o que é certo nesta situação. E foi o que eu fiz.
As marcas da guerra
Definitivamente eu mudei, mas não consigo dizer como. Porque acho que apenas as pessoas ao meu redor, meus pais, poderiam dizer o que eu mudei. Para mim é muito difícil julgar. Ainda acredito que sou a mesma pessoa, mas definitivamente não sou. Porque as coisas que você vê em uma guerra, as coisas que você tem que experimentar, e as coisas pelas quais você tem que passar, simplesmente não podem te deixar o mesmo.
Conflito de Israel x Hamas
Não tenho uma opinião sobre Israel porque realmente não consegui reunir informações, ou não tive tempo de reunir informações e pensar sobre o que é certo, o que é errado. Não é a mesma guerra, porque uma é quando alguém faz um ataque sorrateiro ao seu país e você o combate com toda a força, sem realmente experimentar qualquer resistência.
É um nível totalmente diferente é quando você luta com artilharia, força aérea contra forças terrestres sem qualquer suporte do nosso lado, tanques contra tanques. Acredite em mim, ninguém experimentou uma escala de guerra assim. O Afeganistão e todas as operações não são nada comparadas ao que a Ucrânia está passando. Porque uma vez que você tem ativos militares em grande escala trabalhando de um lado e do outro, é totalmente diferente.
Final Olímpica do tênis
Eu assisti um pouco pela TV, já estava aqui em Paris. Foi uma partida excepcional, ótima, eu diria. Infelizmente, Novak (Djokovic) venceu. Pelos resultados que tem, ele provavelmente será o melhor jogador na história do tênis. E ele merece pelo que faz na quadra. Como pessoa, nem tanto. Mas essa é a minha opinião.
Rompimento com Djokovic
Acho que todos viram os vídeos do pai de Djokovic gritando palavras pró-Rússia na Austrália, em 2023. E tenho certeza de que Novak compartilha essas opiniões. Eu conheço ele muito bem. Nós competimos muito. Ele me venceu muitas vezes. Passamos alguns anos juntos no circuito. Eu sempre o respeitei e sempre o respeitarei como tenista. Mas como pessoa por trás do tenista, nem tanto.
Caminho para a paz na Ucrânia
Sinceramente, não posso dizer um caminho, porque não tenho uma visão completa do que está acontecendo em toda a linha de frente e quantos recursos e quanto poder militar temos. As decisões são tomadas com base em pelo menos números básicos ou conhecimento. Eu não tenho esse conhecimento. Mas, para mim, a única coisa que entendo é que a Ucrânia terá que se tornar um Israel moderno, porque enquanto a Rússia existir ao nosso lado, não vamos ser deixados em paz.
Apoio dos colegas quando foi à guerra
Honestamente, o apoio foi tremendo. Quando voltei para Kiev, recebi centenas e centenas de mensagens de jogadoras da WTA, ex e atuais, de jogadores da ATP, ex e atuais, de executivos da ATP, de executivos do circuito. Foram palavras de apoio, mensagens de apoio, desejos de que isso se resolva em breve. E falei com alguns dos meus colegas mais tarde, em 2022, mas é muito difícil. É muito difícil falar com seus amigos com quem você compartilhou 15 ou 16 anos de carreira, viajando pelo mundo, compartilhando jantares, uma vez que existe esse vazio estranho onde eles não sabem o que perguntar.
Mensagens especiais de rivais
Veja só, o Novak (Djokovic) me enviou uma mensagem dizendo que ele passou por isso quando criança, ele sabe como é, e só esperava que melhorasse. E acho que postei essa mensagem, e naquela época, foi extremamente poderosa para mim. Recebi uma mensagem do Roger (Federer), recebi uma mensagem de jogadores, do conselho de jogadores, do Robin Haase, do Vasek Pospisil, enfim, honestamente, se eu tiver que contar, foram centenas e centenas de jogadores que me enviaram mensagens. Então, é injusto que alguns sejam deixados de fora. Mas novamente, senti-me apoiado pelo meu próprio esporte e isso, é claro, me deu algum conforto.
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