Como Piu ajudou a revolucionar prova que foi de patinho feio a sensação

"O que aconteceu com Piu?" foi a pergunta que todo mundo se fez depois do desempenho dele na semifinal dos 400m com barreiras. O tempo de 47s95, muito ruim pelo seu histórico, o deixou só em terceiro na série, dependendo de outros resultados para ir à final.

Mas a pergunta poderia ser outra: "O que aconteceu com os 400m com barreiras?".

Não faz muito tempo, há oito anos, no Rio, 47s92 foi o tempo do medalhista de bronze. Desde então, nenhuma outra prova mudou tanto, e não só no masculino. Entre as mulheres, a melhor da semifinal em Paris fez um tempo 1s redondo melhor do que o ouro no Rio. Detalhe: soltando.

"Eu também gostaria de saber o que está acontecendo, para que eu também possa entrar nesse trem, porque também quero chegar lá na frente super rápido desse jeito", brincou a italiana Ayomide Folorunso quando perguntei para ela por que os 400m com barreiras mudaram tanto em tão pouco tempo.

Ela disputou os 400m com barreiras no Rio e em Paris e faz a comparação. "É como se fossem dois universos diferentes, não tem nenhuma comparação. Em 2016, a gente praticava um esporte, agora é outro completamente diferente. Eu tenho uma foto no celular com a Sydney [McLaughlin-Levrone], nós duas eliminadas nas eliminatórias em 2016, para mostrar para meus filhos no futuro. Agora, a gente larga e eu falo: 'Tchau, Sydney, a gente se encontra na chegada'", diverte-se.

McLaughlin, norte-americana de 25 anos, ontem bateu de novo o recorde mundial da prova. Absurdos 50s37, melhorando mais de um segundo o antigo recorde olímpico, dela mesma. Se ela tivesse corrido a semifinal dos 400m rasos, ela enfrentando barreiras e as adversárias não, ainda assim terminaria a Olimpíada em nono.

A vitória dela calou metade do Stade de France, tomado por holandeses que vieram atrás de Femke Bol, outra das cinco grandes estrelas da prova, que teve problemas na corrida e terminou só com o bronze.

No masculino, também é enorme a expectativa para a final desta sexta-feira (9), que fecha o dia no Stade de France em uma provável reedição da fantástica decisão de Tóquio-2020, com o norueguês Karstem Warholm, o norte-americano Rai Benjamin, além, claro, do brasileiro Alison dos Santos.

Um puxa o outro

Entre os homens, por muito tempo acreditou-se que o recorde de Kevin Young na Olimpíada de Barcelona 1992, 46s78, era uma daquelas marcas inquebráveis. Foram quase três décadas sem ninguém chegar nem perto, até que Warholm entrou na "casa dos 46" em 2019. A pandemia atrasou a quebra do recorde, que só veio em 2021, em casa, em Oslo: 46s70.

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Piu, então com 20 anos, e Benjamim, com 23, perceberam que talvez não fosse tão impossível assim. "Quando você vê pessoas assim indo tão rápido, isso abre possibilidades psicológicas. Se ninguém fez, é tipo: 'Ah, não dá'. Aí se alguém faz, você fala: 'Olha, dá pra fazer'. Não que seja possível para você, mas você abre sua mente, e talvez seja possível para você", observa Folorunso.

Na final olímpica mais forte da história do atletismo, em Tóquio, recorde mundial para Karstem (45s94), recorde norte-americano para Benjamin (46s17) e sul-americano para Piu (46s72). O quinto colocado, com o tempo que fez, seria ouro em quase todas as outras edições das Olimpíadas com meio segundo de folga.

"Ferro afia ferro, e acho que quanto melhor o grupo fica, melhor cada indivíduo fica, porque as pessoas continuam se incentivando a tempos cada vez mais rápidos. Você sabe, quando alguém te supera, você quer recuperar e se tornar o melhor do mundo novamente. E acho que isso nos mantém motivados a ficar mais rápidos", diz a canadense Savannah Sutherland, sétima colocada na final.

Não é coincidência

No feminino, o mesmo fenômeno acontece ao mesmo tempo. O recorde da russa Yulia Pechonkina (52s34) perdurou por quase 20 anos, desde 2003, e agora parece brincadeira de criança. A norte-americana Dalilah Muhammad abriu o caminho, com 52s16 para ganhar o Mundial de 2019, depois percorrido por Sydney McLaughlin, que ganhou em Paris com 50s37 e Femke Bol, que tem 50s95 na carreira. Na final, quatro correram abaixo do antigo recorde da russa.

"Acho que, no passado, muitos treinadores e atletas encaravam isso como uma prova de 400 metros com algumas barreiras. E, agora tornou-se muito mais técnico e tático. Os treinadores estão trabalhando muito melhor para o evento, eles trabalham na técnica de barreira, na estratégia de barreira, quantos passos, como dividir os 400 metros. E acho que agora temos realmente especialistas em 400 metros com barreiras, e não apenas bons atletas de 400 metros que não são bons o suficiente para este evento e vão para as barreiras. Essa é a maior diferença", avalia Laurent Meuwly, técnico de Bol.

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A belga Naomi van den Broeck concorda: a atenção dada agora à prova por técnicos e treinadores mudou os rumos dos 400m com barreiras. "Os recordes mundiais eram, de certa forma, mais fáceis de bater do que os 400 metros rasos porque não havia muitas pessoas fazendo isso antes. Então, sim, acho que se tornou um evento mais popular. E pessoas como eu, que são medianas nos 400 metros, sabemos que se fizermos as barreiras, estaremos no nível superior. Então, acho que essa também é uma das razões."

Essa evolução técnica tem trazido resultados para o Big5 dos 400m com barreiras também na prova sem os obstáculos, o que virou um problema para o calendário da Olimpíada.

McLaughlin e Bol, com o que têm de melhor na temporada nos 400m rasos, teriam avançado à final com o primeiro e o terceiro tempos. Benjamin seria quinto colocado dos 400m rasos em Paris. Só que eles não puderam correr as provas, porque os calendários coincidem. Além disso, todos se dedicam aos revezamentos de seus países — Bol deu o ouro à Holanda no 4x400m misto.

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