Dá para aposentar? Como funciona a transição pós-carreira de um atleta

Os Jogos Olímpicos de Paris 2024 podem ser os últimos de muitos atletas. Alguns deles já indicaram que não devem mais vestir a camisa da seleção brasileira, como os jogadores de vôlei Bruno Rezende, 38, Lucão, 38, e Leal, 35, e de basquete Marcelinho Huertas, 41. A jogadora de futebol Marta, 38, também avalia essa possibilidade.

Transição pós-carreira de atleta

A carreira do atleta de alto rendimento é marcada por rotina exaustiva de treinos, longos períodos de preparação, competições intensas, lesões dolorosas e fortes emoções. A dedicação e o esforço, porém, nem sempre são recompensados financeiramente ou têm reconhecimento público.

Ademais, esses atletas têm carreira curta. Isso ocorre porque a exigência por resultados nem sempre é compatível com questões físicas e fisiológicas. Preparar-se para a transição do pós-carreira de atleta é crucial e tem sido alvo de crescente preocupação por parte da academia, de comitês olímpicos, de confederações e dos atletas, afirmou Maressa Nogueira, gestora de esportes e professora da Faculdade de Educação Física e Esporte da Universidade Santa Cecília (Unisanta).

Em 2022, o Comitê Olímpico do Brasil (COB) divulgou um modelo de desenvolvimento de carreira de atletas. O programa visa orientar e apresentar alternativas aos atletas com o objetivo de auxiliá-los junto às suas equipes durante toda a trajetória esportiva até a aposentadoria.

A iniciativa é inspirada no programa do Comitê Olímpico Internacional (COI). O programa busca envolver atletas, famílias, equipes, clubes e confederações esportivas para instruir os esportistas sobre a necessidade de se preparar psicológica e financeiramente. Porém, no geral, essa preparação tem ocorrido por conta do atleta, confederação, família e equipe.

Não existe programa de previdência ou uma aposentadoria especial para atletas. Ou seja, eles se enquadram nas mesmas normas e prazos de outros profissionais, como idade e tempo de contribuição. A Câmara dos Deputados, todavia, debate o Projeto de Lei Complementar 139/2021, que trata da aposentadoria especial para atletas de alto rendimento.

Dupla carreira e alternativas

O Ministério do Esporte também tem debatido a elaboração de diretrizes para a dupla carreira, como é chamada a jornada dupla do atleta que também estuda ou tem outro emprego. Esse é um desafio para os esportistas de alto rendimento, que precisam conciliar a rotina de treinos, preparação, viagens, competições e estudos, e nem sempre contam com a compreensão e organização dos clubes e das instituições de ensino, avaliou Ivan Furegato, professor de gestão do esporte da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (USP).

Poucos são os atletas que conseguem disputar Jogos Olímpicos ou Pan-Americanos, conquistar títulos mundialmente relevantes ou economizar dinheiro para o pós-carreira. Para viver, a maioria precisa de um segundo emprego ou conta com patrocínios, ou programa Bolsa Atleta, do governo federal, cujos valores vão de R$ 410 a R$ 16.629, a depender de idade, modalidade e resultados.

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Muitos atletas têm buscado formação educacional visando o futuro. O caminho mais comum para eles é permanecer no esporte no qual fez carreira, como treinador, gestor, abrir uma escolinha ou trabalhar nas federações esportivas, ou clubes. Para isso, muitos estudam áreas correlatas, como educação física, psicologia ou marketing.

As ginastas Rebeca Andrade, 25, cursa psicologia, Flávia Saraiva, 24, estuda publicidade, Jade Barbosa, 33, é formada em marketing e Rayan Dutra, 22, estuda educação física, área a qual a nadadora e maratonista aquática Ana Marcela Cunha, 32, e jogadora de rugby Raquel Kochhann, 31, capitã da seleção feminina e porta-bandeira da delegação brasileira, se formaram. Já a tenista Beatriz Haddad, 28, é formada em administração.

Há também exemplos de atletas que buscam formações em áreas distintas da do esporte. São os casos da jogadora de futebol Rafaelle Souza, 33, que se formou em engenharia civil, e a jogadora de vôlei Julia Bergmann, 23, em física e estudos interculturais.

Outros caminhos que têm se tornado comuns são se tornarem comentaristas esportivos e palestrantes. São os casos da ex-ginasta Daiane dos Santos, 41, e da jogadora de basquete Hortência Marcari, 64, que comentam eventos relacionados às suas respectivas modalidades para os canais Globo e Sportv e dão palestras sobre motivação, superação e outros temas ligados ao esporte. Daiane também coordena o projeto social Brasileirinhos, que leva ginástica artística para crianças da periferia de São Paulo.

Política ou gestão pública ligadas ao esporte também tem sido uma alternativa. Atualmente, a ex-pentatleta Yane Marques, 40, atua como secretária-executiva de Esportes Educacionais na Secretaria de Educação da Prefeitura do Recife e a ex-jogadora de basquete Iziane Marques, 42, como secretária nacional de Esportes de Alto Rendimento do Ministério do Esporte, responsável pelo debate sobre dupla carreira.

Problemas e desafios da aposentadoria

Para além dos problemas enfrentados pelos atletas durante a transição, o pós-carreira é repleto de desafios psicológicos, físicos e financeiros. Maressa Nogueira, gestora de esportes e professora da Unisanta, explica que o atleta passa por uma mudança drástica. Ele deixa de ter uma rotina intensa e muitas vezes não sabe o que fazer quando se aposenta e isso mexe com o psicológico, além de a maioria não ter condições financeiras de economizar para o período que deixa de competir.

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Quando passa para o período pós-carreira, ele [o ex-atleta] vive o luto. Ele precisa deixar aquela identidade de atleta de lado e tem de lidar com questões psicológica e financeiras. Atletas que não se preparam para o pós-carreira têm mais condições de desenvolver problemas, como depressão ou uso de drogas Maressa Nogueira, gestora de esportes e professora da Unisanta

Para Ivan Furegato, essa transição para o pós-carreira é um processo complicado se não for pensado e estruturado, com acompanhamento psicológico, diálogo com equipe e clube, suporte da família e planejamento financeiro.

Os efeitos psicológicos na pessoa de 30 e poucos anos que precisa se aposentar, enquanto muitos de nós estamos no auge da carreira, são complicados. De repente, ele não está mais competindo, não tem mais aquela rotina de treino, de competição, de exposição e precisa lidar com o desgaste físico de uma carreira e com as questões financeiras. Se o atleta não se prepara financeiramente, quando se aposenta não terá mais Bolsa Atleta, salários do clube ou patrocínio de empresas. Ivan Furegato, professor da USP

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