Felicidade para Isaquias passa por medalha trincada e espaço gourmet
A medalha de prata de Isaquias Queiroz na canoagem traz consigo uma série de cicatrizes. Uma delas física, mais mundana, depois que o filho Sebastian derrubou sua medalha, empolgado com a conquista do pai que viu ao vivo em uma Olimpíada pela primeira vez. E as outras cicatrizes ficaram de todas as dúvidas durante um ciclo olímpico no qual o agora segundo maior medalhista da história do Brasil chegou a pensar em desistir.
Sebastian é um filho orgulhoso. Tanto, que até inverte o que geralmente acontece entre pais e filhos na entrada da escola. Ao invés da criança ficar envergonhada com algo que os pais dizem para os coleguinhas, é o inverso que acontece quando Isaquias vai levá-lo à escola.
"Ele fala, 'meu pai é um super campeão, ele é o melhor do mundo'. Acho que ele não tem a noção da grandiosidade, por enquanto, mas ele fala para os amigos dele, 'meu pai é campeão, meu pai é um herói, campeão', e eu falo 'para, que vergonha, não faz isso'", contou Isaquias em entrevista exclusiva com o UOL.
A empolgação do menino de seis anos foi tanta com a medalha do pai no C1 1000m que ele acabou derrubando-a. "Agora a medalha tem uma marquinha. No começo, eu queria trocar, mas depois vi que seria mais legal assim."
Uma medalha conquistada em família
Até porque Sebastian, o irmão Luigi e a mãe Laina são parte fundamental desta conquista. Isaquias brinca que só poderia mesmo dar a medalha de presente para eles, que, coincidente, fazem aniversário em agosto, "porque o dinheiro acabou com as passagens e os ingressos. Eita ingresso caro dessa Olimpíada! Mas eu queria que eles estivessem aqui porque em Los Angeles eu quero ir, mas o futuro a Deus pertence, de repente vem um moleque mais novo, brigando, ganhando de mim."
A jovem família vem mesmo pautando as decisões de Isaquias desde o último ciclo olímpico, quando voltou de Tóquio com a medalha de ouro. "É sempre complicado depois das Olimpíadas. Você chega no auge, você ganha, e agora? Depois de Tóquio, eu já não queria voltar. Temos um cronograma muito complicado, de muito treino, e eu queria poder estar curtindo com a minha família um pouco mais. Pensei 'cara, estou quase metade da minha vida na seleção, eu preciso descansar um pouco, não estou aguentando mais'", contou ele.
Isso aconteceu no final de 2022. "Eu já estava já mentalmente desgastado, fisicamente desgastado, não queria mais remar, remava só por remar mesmo, não sentia prazer, não sentia vontade. Foi quando eu fui para a Bahia, e teve uma época em que eu estava descontando no meu filho a raiva, tristeza, aí eu tive que buscar apoio médico."
A 18 meses da Olimpíada, Isaquias desistiu de remar
Àquela altura, estar em Paris parecia algo muito distante para Isaquias. Mas, com o apoio do COB, foi montada uma estrutura para ele na Bahia para que ele voltasse a treinar, no seu ritmo. "Todos entenderam o meu lado, a dificuldade nesse momento, mental, físico, emocional. E isso para mim foi um momento importante da minha família, de me ajudar a me erguer, voltar a ser o Isaquias campeão."
Isaquias foi voltando aos treinos e decidiu, em fevereiro, voltar para Lagoa Santa, no centro de treinamento de canoagem, para focar totalmente em se preparar para Paris. Desta vez, foi com a mulher e os filhos, mesmo que o primeiro mês tenha sido difícil, com os quatro dividindo o mesmo quarto de hotel.
Quatro pessoas, um quarto de hotel um mês
Com a família, eram várias coisas para administrar. Isaquias contou que ele e Laina sentiam que o ensino em Lagoa Santa era melhor que o que o filho mais velho tinha na Bahia, e tomaram uma decisão que parecia impossível meses antes: comprar uma casa e ficar mesmo na cidade mineira.
A partir daí, tudo passou a se encaixar melhor para Isaquias, que finalmente conseguiu morar na sua casa com piscina, área gourmet, e encontrou um equilíbrio melhor entre a vida em família e os treinos.
"Queria uma casa onde eu posso fazer uma área gourmet para poder assistir meus jogos, fazer meu churrasquinho, ficar de boa, sossegado. É isso que estava me incomodando, acho que eu e a Laila não estávamos vivendo muito, a gente estava mais sobrevivendo do que vivendo."
Isaquias sabe, contudo, que muitos no esporte não acreditam que seja possível ter tudo isso. "Se não der, desculpa, mas eu vou tentar viver os dois. Se eu não conseguir chegar na excelência do esporte, pelo menos vou fazer as duas coisas que eu mais amo, aproveitar a minha família e ao mesmo tempo o esporte."
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