'Acordei sem andar, decidi não operar e me tornei atleta nas Paralimpíadas'
Mônica Santos, 41, empunha sua espada sobre uma cadeira de rodas: se esquiva e se defende de golpes com agilidade. Ela concorre a uma medalha nas Paralimpíadas de Paris —é a sua terceira participação no evento. Até chegar lá, sua história foi marcada por surpresas e dilemas.
'Acordei sem andar'
Tudo começou em uma manhã de março de 2002, em Santo Antônio da Patrulha, região metropolitana do Rio Grande do Sul. Ela acordou e não conseguia mais se levantar da cama.
Estava com 19 anos, parei de andar da noite para o dia. Quando acordei, não consegui andar. Chamei meu marido e ele me disse para deixar de ser boba. Tentei de novo e não consegui. Então, fomos em busca de um médico na cidade e a suspeita era uma anemia.
Mônica Santos
Em um hospital de Porto Alegre, ela descobriu que tinha um angioma medular, uma espécie de má formação nos vasos sanguíneos da coluna vertebral. Uma outra descoberta veio logo em seguida, ainda no hospital: Mônica estava na quinta semana de gestação.
Então, veio a notícia de que eu teria de interromper a gestação para a realização de uma cirurgia [na coluna].
Mônica Santos
Ela foi alertada pelos médicos de que adiar o procedimento poderia colocar em risco a sua capacidade de um dia voltar a andar —e, inclusive, fazer com que perdesse por completo os movimentos do tronco.
Em uma conversa com Deus, assumi o risco de não fazer essa interrupção e segui a gestação.
Mônica Santos
Mônica voltou do hospital como chegou: sem andar. O marido, o vendedor Angelo da Silva, de 44 anos, deu suporte à decisão da mulher. "A apoiei desde o momento em que ela disse que seguiria em frente com a gravidez."
Em casa, a gestação foi difícil. "Me movia usando uma cadeira de escritório, não tinha cadeira de rodas ainda. Foi quando, meses depois, em novembro, perdi meu pai, fiquei muito nervosa e a bolsa [amniótica] se rompeu."
Ela deu à luz Paolla e, logo em seguida, foi internada para a cirurgia na coluna.
Fui para a mesa de cirurgia com um mês do nascimento da Paolla. Acharam que eu não iria me recuperar e que talvez me tornasse tetraplégica, mas, após o procedimento, comecei a fazer fisioterapia e fiquei paraplégica.
Mônica Santos
Descoberta da esgrima
Newsletter
OLHAR OLÍMPICO
Resumo dos resultados dos atletas brasileiros de olho em Los Angeles 2028 e os bastidores do esporte. Toda segunda.
Quero receberEm sete meses, com reabilitação e fisioterapia, Mônica se tornou independente. Passou a usar uma cadeira de rodas e conseguia cuidar de si mesma e da filha pequena. Mas a limitação física tinha feito a vida ficar menos agitada.
Anos mais tarde, em 2010, quando Paolla já estava em idade escolar, Mônica sentiu a necessidade de voltar a praticar esportes.
Gostava muito de jogar futebol, tinha uma vida bem ativa [antes da paraplegia]. Procurei um esporte para iniciar e conheci o basquete na cadeira de rodas. Foi quando um amigo de equipe me falou da esgrima e eu nunca tinha ouvido falar.
Mônica Santos
Com poucos meses de treino, Mônica se destacou: participou e ganhou competições regionais. E a vida mudou completamente.
Sou uma pessoa do interior, que nunca tinha ouvido falar de esgrima e comecei a viajar com a equipe. Já conheci mais de 19 países, tudo foi muito rápido e muito bom. Para mim, a cadeira não me prende, me leva para onde quero ir e por meio dela eu conheci o mundo. Me aceito como sou e isso me dá liberdade para ser quem sou.
Mônica Santos
Eduardo Nunes, técnico de Mônica em seu clube, o Grêmio Náutico União, a define como uma atleta de muita "técnica e raça".
A trajetória dela é vitoriosa e pode ser mais ainda. Acho que ela inspira novos atletas a acreditar e perseguir seus sonhos e objetivos na vida.
Eduardo Nunes, técnico
Atualmente, ela conta com alguns patrocinadores, mas boa parte da renda que a ajuda a treinar vem da venda de doces de leite e pães na região.
A filha, hoje com 21 anos e estudante de enfermagem, se orgulha. Para ela, a mãe nunca desistiu do que acreditava.
Ela é meu maior exemplo de determinação e foco. Estou aqui hoje e sou quem sou por causa dela, tenho muito orgulho de ser sua filha e poder vivenciar todas essas experiências com ela.
Paolla Silva
Coluna e gestação
O tratamento do angioma medular, em geral, é cirúrgico. Geralmente trata-se sem sequelas, explica Caio Lopes, neurocirurgião da Hapvida NotreDame Intermédica.
A evolução do quadro pode levar a uma fratura com compressão medular —o que causa a limitação dos movimentos. "Nos casos de fratura, postergar o tratamento piora os casos", explica o médico.
A gravidez pode limitar as opções de tratamento disponíveis. "O tratamento de tumores na coluna muitas vezes exige procedimentos cirúrgicos e/ou radioterapia, que podem representar riscos para o bebê em desenvolvimento", explica Wuilker Knoner Campos, presidente da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia e da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia Funcional e Estereotaxia.
Além disso, o tumor pode estar comprimindo estruturas críticas na coluna, necessitando de tratamento imediato para evitar danos neurológicos permanentes. Infelizmente, a gravidez pode limitar as opções de tratamento disponíveis.
Wuilker Knoner Campos
Como assistir
Os Jogos Paralímpicos de Paris 2024 começaram na quarta-feira (28) e são transmitidos ao vivo pelo canal SporTV 2 e pelo canal do Comitê Paralímpico Internacional no YouTube. As competições femininas da esgrima na cadeira de rodas começam no dia 3 de setembro a partir das 8 horas.
Deixe seu comentário