'Foram 2 tiros pelas costas': Gaúcha compete após tentativa de feminicídio
Ana Paula Marques tinha 20 anos quando foi alvo de uma tentativa de feminicídio, e o episódio deixou marcas não apenas emocionais: ela ficou paraplégica. Conheceu os esportes adaptados e, na edição de Paris, realiza o sonho de estar nos Jogos Paralímpicos.
O que não pode faltar na minha bagagem é força, foco e fé! Estou me sentindo muito feliz e realizada. Lutei muito, só Deus sabe o quanto, para conquistar essa vaga Ana Paula, ao UOL
Tentativa de assassinato
Ana Paula é natural de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Tinha 20 anos, e um filho de três, quando decidiu colocar um ponto final no relacionamento, abusivo, em que estava. O ex-marido não aceitou.
A perseguição durou alguns meses até que, em uma tarde em que desfrutava da companhia da irmã, Ana Paula foi abordada pelo ex em uma rua próxima à que morava naquele momento. Após nova negativa para uma reconciliação, foi alvo de dois tiros disparados. O caso ocorreu em 2003, em Alvorada, interior do Estado.
Meu ex-marido efetuou dois disparos de arma de fogo pelas minhas costas, e um acertou minha medula. Assim fiquei paraplégica Ana Paula Marques
Campeã mundial
Ana Gaúcha, como passou a ser conhecida, passou por momentos difíceis e enfrentou um quadro de depressão. Por sugestão de um amigo, buscou o hospital Sarah Kubitschek para tratamento e reabilitação, e mudou-se para Brasília.
Na capital federal, foi apresentada ao paradesporto. Passou por atletismo, basquete em cadeira de roda e tiro com arco, até que chegou à vela, e o coração bateu mais forte. Em busca de um melhor condicionamento para participar das competições, começou no halterofilismo e, desde 2015, concilia as modalidades.
O esporte me trouxe de volta à vida. Eu estava perdida, sem um objetivo, sem saber o que fazer em uma situação em que me tornei uma pessoa com deficiência. O esporte me mostrou que nem tudo estava perdido, Hoje sou feliz, e o esporte me faz feliz Ana Paula
Na vela, foi campeã mundial feminina na classe hansa 303, em 2018, e também conquistou prata e bronze em outras edições. "A vela adaptada é minha maior paixão. Ainda participo de campeonatos nacionais e internacionais, mas como a vela não faz mais parte das Paralimpíadas, o halterofilismo, para mim, hoje é prioridade, e os treinos são, praticamente, todos os dias. A vela se tornou mais um meio de relacionamento, quando estou estressada, assim saio com o barco no final de semana treino um pouco no lago e relaxo".
A partir de 2023, porém, vieram as competições de halterofilismo. A possibilidade de vaga para Paris ficou mais perto com um resultado obtido em junho, quando assumiu a nona colocação no ranking internacional — as oito primeiras classificam, com o limite de uma por país. Na faixa de peso, à frente dela estavam duas atletas do Uzbequistão. A lista oficial oficial saiu pouco menos de um mês depois, e a gaúcha estava nela.
"Minha expectativa é ficar entre as cinco mais bem colocadas do ranking da minha categoria e, se possível, brigar para subir no pódio. Sempre visamos a uma medalha porque treinamos para isso", afirma.
Palestras
Ana Paula roda o Brasil não apenas para competir, mas também para contar a história pela qual passou: "Falo bastante sobre o assunto, também para que as mulheres denunciem qualquer tipo de violência contra elas".
De acordo com a 10ª Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher, feita pelo Instituto DataSenado, em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência (OMV), três a cada 10 brasileiras já foram vítimas de violência doméstica. Os dados foram divulgados pela Procuradoria da Mulher do Senado em novembro do ano passado. Em outubro de 2023, a FGV divulgou dados de um estudo conduzido pela Escola de Direito do Rio de Janeiro que indicava um aumento de denúncias de violência contra a mulher em unidades especializadas.
"Debates sobre o assunto estão sendo mais divulgados, e isso ajuda a encorajar as mulheres. Mas acredito que as leis contra a violência da mulher deveriam ser bem mais rigorosas, ainda falta muito para as mulheres sintam-se protegidas de verdade", ressalta a atleta.
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