Ela foi de 'sentença' na infância a desfile com Brunet e Paralimpíadas-2024

Laíssa Guerreira desembarcou no Brasil após dias em Paris, onde participou dos Jogos Paralímpicos pela primeira vez. Meses antes, a paraibana de Campina Grande estivera em uma passarela ao lado de ninguém menos que Luiza Brunet.

Aos oito anos, Laíssa ouviu dos médicos que viveria "até os 11". Naquele momento, o diagnóstico de Atrofia Muscular Espinhal (AME) havia acabado de ser fechado. Mas ela decidiu mostrar que o sobrenome não é à toa, e contrariou qualquer prognóstico. Aos 18, ela defendeu o Brasil na bocha, classe BC4, e não quer parar de realizar sonhos.

Foi uma sensação muito boa, um misto de emoções porque sempre foi um sonho estar nas Paralimpíadas. Minha mãe sempre dizia que eu ia estar na de Paris, e ninguém estava. Eu estava vendo esse sonho e poder viver as Paralimpíadas foi emocionante Laíssa Guerreira

A atleta esteve na capital francesa ao lado da mãe, que a apresentou à bocha e se tornou sua treinadora.

O diagnóstico

Dona Edna começou a reparar, quando Laíssa tinha dois anos, que a filha tinha comportamentos diferentes em relação a outras crianças da mesma idade. Eram os sintomas iniciais da AME. "Eu não corria, não pulava... Com isso, minha mãe foi atrás para querer descobrir o que estava acontecendo comigo", conta ela.

A partir daquele momento foram alguns obstáculos até que se chegasse ao diagnóstico e o tratamento pudesse ser iniciado. "Fomos atrás de vários médicos, e vários falaram que era coisa da cabeça da minha mãe, que não existia nada. Chegaram até a falar que era verme. Depois, que eu tinha miopatia nemalínica [a forma grave pode ter fraqueza dos músculos usados para respirar e insuficiência respiratória}. Todos errados. Em outubro de 2014, conheci a doutora Vanessa Madeline, neurologista que descobriu que eu tinha AME", lembra.

A Atrofia Muscular Espinhal é uma doença rara e degenerativa, "que interfere na capacidade do corpo de produzir uma proteína essencial para a sobrevivência dos neurônios motores, responsáveis pelos gestos voluntários vitais simples do corpo", segundo definição descrita no site do Ministério da Saúde.

Como o meu diagnóstico foi tardio, infelizmente, perdi vários movimentos e oportunidades de tentar ter uma vida melhor. Complicou muito a minha situação clínica, e me deram uma sentença [de que viveria] até os 11 anos. Eu estou com 18! Para Deus, nada é impossível Laissa Guerreira

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A apresentação à bocha

Laíssa conheceu a bocha através da inquietude da mãe. Dona Edna foi atrás de uma atividade física que a filha pudesse praticar, após a jovem ser deixada de lado nas aulas de educação física na escola.

Laissa Guerreira e a mãe, Edna, em competição de bocha paralímpica
Laissa Guerreira e a mãe, Edna, em competição de bocha paralímpica Imagem: Marcello Zambrana/CPB

"Com oito anos de idade fiquei na cadeira de rodas. Nas aulas de educação física, era excluída das modalidades que tinha, que era futebol, vôlei e basquete. Não conseguia participar de atividade física alguma. Isso instigou minha mãe a ver outro tipo de modalidade para mim. Foi aí que ela, depois de correr atrás, conheceu a bocha paralímpica e me apresentou. E juntas começamos mais por um hobby e por inclusão".

Edna se tornou integrante da comissão técnica de Laíssa e acompanhou de perto a transformação dala em uma atleta paralímpica. "Desde então, sou eu e ela, ela e eu, juntas nessa luta nessa trajetória linda da bocha".

Uma outra atividade, e paixão, Laissa nunca abandonou: o balé. Ela, inclusive, já fez apresentação com integrantes do corpo do Balé Bolshoi.

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O desfile na São Paulo Fashion Week

Laíssa Guerreira no desfile da The Paradise 2
Laíssa Guerreira no desfile da The Paradise 2 Imagem: Vivian Koblinsky

Laíssa, além de atleta, bailarina e estudante de Direito — motivada pela forma como a sociedade trata as pessoas com deficiência —, também já fez as vezes de modelo. A estreia na passarela foi na maior semana de moda do Brasil, a São Paulo Fashion Week, em desfile da marca carioca The Paradise. Para completar a experiência, Guerreira desfilou ao lado se Luiza Brunet, um dos ícones da moda do país.

"Sou ativista na Casa da Pessoa com Deficiência, mais relacionada ainda à minha patologia, e houve uma ação juntamente a uma farmacêutica. O projeto era relacionado às pessoas com AME na moda, e me convidaram a desfilar. Foi uma experiência enorme. Sempre quis estar em uma passarela, e mais ainda ao lado de Luiza Brunet. Foi um momento único na minha vida".

"São importantes ações assim para dar mais visibilidade às pessoas que têm atrofia muscular espinhal, conscientizar e quebrar estereótipos. Mostrar que a pessoa pode estar onde ela quiser. Existe vida além de diagnóstico, e podemos estar em uma passarela. Isso quebra paradigmas que a sociedade impõe sobre um padrão de corpo".

Ela também é embaixadora da campanha "Ame cada conquista", que visa inspirar pessoas com a doença a compartilharem e valorizarem as vitórias:. "Quero encorajar todos que convivem com a doença e não desistirem. É possível viver plenamente apesar dos desafios".

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A estreia nas Paralimpíadas

Laissa disputou as Paralimpíadas pela primeira vez em Paris. Ela avaliou positivamente a atuação na capital francesa. "Tenho certeza que eu dei o meu melhor a cada jogo. Consegui finalizar como sétima melhor do mundo, isso me deixou muito feliz".

"É lindo demais poder representar o Brasil. Foi um misto de emoções: ao mesmo tempo muita alegria por estar no meio de tantos atletas e experiências, e poder começar também a minha história paralímpica".

E depois da primeira, Laissa já começa a olhar para Los Angeles-2028. "A preparação já se iniciou. O ciclo de Paris já encerrou, e com muitas lembranças. Foi muito lindo. Vou tirar um tempinho para poder descansar o corpo e a mente, mas já vou estar com tudo nos próximos dias do treinamento para esse novo ciclo já que inicia."

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