Olimpíada de Tóquio 2021: recorde de casos de covid liga alerta, mas tem ligação com Jogos?
Embora o comitê olímpico diga que a bolha olímpica esteja sendo bem-sucedida em controlar infecções, especialistas avaliam que decisão de seguir em frente com evento gerou complacência com a pandemia no país.
O Japão atingiu, pelo segundo dia, um número recorde de casos de covid-19 - um aumento perceptível dentro da bolha olímpica, onde as tensões crescentes são sentidas mesmo nas menores interações.
"Por favor, fale baixo perto da comida." Um funcionário do hotel se aproxima de mim enquanto eu escolho os itens do buffet de café da manhã para comer no meu quarto.
Devido às restrições por causa da pandemia, os jornalistas em Tóquio não têm permissão para comer no restaurante até que tenham passado 14 dias no Japão e completado os testes de PCR diários.
Embora eu esteja usando uma máscara, o funcionário fica preocupado. É apenas um exemplo de como o povo japonês se sente em conflito com relação a sediar os Jogos no meio de uma pandemia, em comparação com o desejo de permanecer seguro e conter a crescente onda de casos.
'Pior momento' desde o início da pandemia
Tóquio, que sedia as Olimpíadas, está em seu quarto estado de emergência desde o início da pandemia, embora isso não signifique um lockdown completo. Por exemplo, os restaurantes recebem a orientação de parar de servir bebidas alcoólicas após as 20h, mas isso não é obrigatório.
Muitos residentes da cidade se cansaram das restrições facultativas, e alguns especialistas dizem que a decisão de seguir em frente com a realização de um dos maiores eventos esportivos do mundo enviou uma mensagem confusa ao público - uma opinião repetida pelo jornal Mainichi Shimbun, que disse que os Jogos geraram uma "complacência" com a prevenção de infecções.
Nacionalmente, os casos do Japão ultrapassaram 10 mil pela primeira vez na quinta-feira (29/7) e, pelo terceiro dia consecutivo, Tóquio registrou alta, com 3.865 novos casos - superando o recorde anterior estabelecido no dia anterior.
Esse número é muito maior do que quando atletas e delegações começaram a chegar, em 1º de julho, quando a média diária de novos casos era inferior a 700.
"Estamos no pior momento desde que a pandemia começou há um ano e meio. Temos que enviar uma mensagem mais forte e melhor com urgência e precisão aos cidadãos", diz Shigeru Omi, que chefia uma força-tarefa do governo contra covid-19.
"Muitos fatores podem aumentar o número de infecções. Por exemplo, os cidadãos estão cansados do coronavírus, há a variante Delta ... e há as Olimpíadas. A maior crise é que a sociedade não está acreditando na urgência da situação. Se o clima atual continuar, a pandemia definitivamente vai piorar".
'Quando assistimos notícias, ficamos nervosos'
O número crescente de casos tem feito com que alguns no Japão não consigam aproveitar os Jogos, apesar do crescente número de medalhas no país.
"É muito difícil", diz a residente de Tóquio Yashimoto Yuko, em um pequeno parque fora do Estádio Nacional, um dos poucos lugares perto de um estádio olímpico onde as pessoas podem ir fotos.
"Queremos comemorar, queremos mostrar nosso lindo país, mas quando ouvimos a notícia, ficamos um pouco nervosos."
Na bolha olímpica - onde ficam os funcionários, atletas e jornalistas -, o número de casos é mantido sob controle. Todos precisam seguir um rígido "manual" elaborado pelos organizadores para evitar a propagação do vírus.
Os jornalistas assinam uma declaração prometendo seguir as regras para poder trabalhar. Atletas precisam usar máscaras, exceto quando estiverem comendo, bebendo, dormindo, treinando ou competindo.
Quem viajou ao Japão para a Olimpíada precisa ter em seu telefone aplicativos instalados que monitoram a posição da pessoa por GPS e rastreiam as pessoas com quem ela entrou em contato. As pessoas precisam enviar um relatório diário sobre sua saúde.
Aqueles que estiveram em contato próximo com alguém que testou positivo para covid-19 precisam ficar isolados. Isso aconteceu com os integrantes da equipe australiana de atletismo, após contato próximo com o atleta americano Sam Kendricks, que testou positivo.
Na quarta-feira, o comitê olímpico disse que mais 16 pessoas ligadas aos Jogos, nenhum deles atletas, testaram positivo para covid-19, elevando o total desde o início deste mês para 174.
Há um sentimento na imprensa japonesa de que os Jogos são culpados pelo aumento dos casos de covid-19.
"Desde que os Jogos começaram, a complacência no comportamento dos atletas e dos outros tornou-se visível", escreve o Mainichi Shimbun.
O jornal destacou ainda que "também foram vistos atletas em locais de competição se abraçando e, em outros lugares, pessoas tirando completamente as máscaras para torcer pelos competidores, entre outros atos".
O porta-voz do Comitê Olímpico, Mark Adams, insistiu que o aumento de casos em Tóquio fora da bolha não foi causado pelos Jogos.
"Aqui temos a comunidade mais testada provavelmente de qualquer lugar do mundo", disse ele. "Além disso, você tem algumas das restrições de lockdown mais duras na Vila dos Atletas."
"Eles realmente estão vivendo em um mundo paralelo e se ocorrem problemas nós lidamos com eles. Até onde eu sei, não há um único caso de infecção de atletas ou do movimento olímpico se espalhando para a população local."
"E vou além. Pelo que sei, não há um único caso grave entre eles."
'Nenhum outro país poderia ter feito um trabalho melhor'
Os atletas estão tão acostumados com as medidas na bolha que ninguém reclama, pelo menos não oficialmente.
Pablo Sarmiento, um dos médicos da seleção equatoriana, disse que está acostumado com este novo "mundo covid" e que o "sistema de bolhas" se tornou uma norma para eventos esportivos internacionais durante a pandemia.
"Os organizadores japoneses fizeram um excelente trabalho levando em consideração as circunstâncias. Eles tiveram que modificar todos os seus planos e você só pode admirá-los para tentar acomodar a todos nós nessas circunstâncias."
É um sentimento compartilhado por outras pessoas.
"Estamos extremamente gratos ao Japão", disse Santiago Alvarez, da equipe argentina de rúgbi vencedora do bronze. "Não creio que nenhum outro país pudesse ter feito um trabalho melhor."
'Fique em casa e assista na TV'
É inegável que existem medidas para tentar reduzir os casos ao mínimo: isolamento, testes diários, barreiras e estações de desinfecção por todo o lado. Mesmo nos estádios praticamente vazios, as pessoas são constantemente lembradas de usar máscaras em todos os momentos e de se distanciarem socialmente.
O comitê olímpico concordou em flexibilizar suas regras em apenas uma situação: uma oportunidade de foto de 30 segundos no pódio após o hino nacional do vencedor. Só então eles podem remover suas máscaras, enquanto comemoram a vitória.
Com o passar dos dias, os jornalistas começam a entrar na nova rotina. Os guardas nas portas que controlam se estamos saindo de nossos quartos para ir a uma loja de alimentos ou para pegar o transporte para as instalações olímpicas tornaram-se mais amigáveis.
Mas ninguém pode quebrar nenhuma regra e, com educação, mas com firmeza, eles continuam nos lembrando que esta é uma situação difícil para o Japão, que vacinou totalmente apenas 26% da população até agora.
Toru Kakuta, vice-presidente da Associação Médica de Tóquio, teme que dias piores estejam por vir, alertando que a demanda por leitos hospitalares é agora maior do que o previsto.
"O número de pacientes com sintomas de nível moderado que precisam de fornecimento de oxigênio em alta concentração aumentou."
Na terça-feira, o primeiro-ministro do Japão, Yoshihide Suga, pediu às pessoas que fiquem em casa e assistam à Olimpíada pela TV.
Fico me perguntando se a equipe que trabalha incansavelmente na bolha teria preferido que todos nós tivéssemos ficado em casa.
*Colaborou Eddy Duan
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