Por que os Jogos deixaram 'rombo' na economia do Japão
Estádios, hotéis e restaurantes vazios sem turistas estrangeiros, e a maioria dos negócios com poucos clientes.
A decepção daqueles que investiram pesadamente no Japão na expectativa de um boom de negócios desencadeado pela Olimpíada foi brutal.
É que o evento de Tóquio, que foi adiado no ano passado devido à pandemia de covid-19, está ocorrendo sem torcedores e em uma região em estado de emergência devido à crise de saúde.
Apesar dos protestos persistentes contra a realização dos Jogos e do fato de que dois terços da população japonesa se opõem a eles, as competições continuam.
Mas não sem polêmica. Uma das grandes patrocinadoras do evento, a montadora Toyota, anunciou que não usará propagandas relacionadas à Olimpíada de Tóquio devido à preocupação que existe no país em relação à pandemia.
E alguns líderes empresariais no Japão, como Takeshi Niinami, CEO da empresa Suntory, declararam que os Jogos Olímpicos estão perdendo valor comercial como marca. Sua empresa decidiu não fazer parte dos patrocinadores.
Especialistas do mundo financeiro como Takahide Kiuchi, economista do Nomura Research Institute, já haviam alertado para o problema. Em um relatório, Kiuchi disse que "muito do benefício econômico esperado dos Jogos de Tóquio havia desaparecido em março, quando foi decidido proibir espectadores estrangeiros de viajarem ao Japão ".
"Teria sido melhor não realizá-los", disse Suehiro Toru, do banco de investimentos Daiwa Securities, apesar do alto custo envolvido no cancelamento.
As perspectivas de negócios são sombrias, e não apenas por causa da devastação que a pandemia causou.
Para analistas, as perdas podem chegar a R$ 78 bilhões.
Um 'mau negócio'
Durante anos, vários economistas publicaram pesquisas para mostrar que as Olimpíadas são um "mau negócio" para qualquer cidade ou país-sede.
Os argumentos mais repetidos são que, em vez de consumo, turismo e prestígio, o evento deixa uma dívida milionária e obras de infraestrutura que acabam sendo "elefantes brancos" inúteis.
"As perdas serão enormes", diz Robert Baade, professor de economia da Lake Forest University nos EUA e ex-presidente da Associação Internacional de Economistas do Esporte.
Embora seja difícil quantificar exatamente a magnitude das perdas econômicas para o Japão, pois os cálculos operam com base em valores estimados em relação ao que teriam sido os ganhos gerados pelo evento em outras circunstâncias, o economista diz que é possível fazer uma projeção.
De sua perspectiva, as perdas podem chegar a US$ 15 bilhões.
O que se sabe com certeza é que cerca de US$ 800 milhões da venda de ingressos foram perdidos. Mas a questão se torna mais complexa quando se estima quanto o setor de turismo e todos os negócios a ele associados perderam.
O que o governo diz
O evento tornou-se um desafio para a nação do sol nascente, que "esperava que esta oportunidade servisse para demonstrar o seu renascimento após a tripla crise de 2011 e a sua volta à linha da frente mundial, de olho em Pequim, que receberá a olimpíada seguinte, a de inverno de 2022", diz Tamara Gil, enviada especial da BBC Mundo a Tóquio.
O governo do Japão vem tentando botar panos quentes na questão.
O primeiro-ministro, Yoshihide Suga, disse estar confiante que as medidas para manter o público longe do evento evitarão uma escalada da pandemia, e que o país ainda se beneficiará de uma enorme audiência televisiva global.
"Decidi que as Olimpíadas podem ir em frente sem comprometer a segurança do povo japonês", disse Suga. "A coisa mais simples e fácil seria cancelar os Jogos. Mas o trabalho do governo é enfrentar os desafios."
Suga não está em uma posição confortável, considerando que seu índice de aprovação caiu e que ele enfrentará eleições no final deste ano.
Por outro lado, a candidatura para se tornar o país-sede do evento foi feita há quase uma década por seu antecessor, Shinzo Abe, um aliado político de Suga, que herdou este grande desafio.
O problema é que de agora em diante há cada vez menos interesse dos governos em sediar o evento, justamente porque os benefícios que ele gera têm sido questionados.
Os únicos interessados em organizar os Jogos depois de Tóquio foram Pequim e Almaty, no Cazaquistão. A disputa foi ganha pela China.
Quão caras foram essas Olimpíadas?
O orçamento planejado para o evento acabou extrapolando as previsões iniciais.
Em 2013, o custo do evento foi estimado oficialmente em US$ 7,3 bilhões. Ao final de 2019 passou para US$ 12,6 bilhões e, posteriormente, para US$ 15,4 bilhões.
O Conselho Fiscal Nacional do Japão informou que o custo final está próximo a US$ 22 bilhões. A imprensa local fez suas próprias pesquisas, estimando o número em US$ 28 bilhões.
Ao final, qualquer que seja o cálculo considerado mais preciso, não há dúvida de que as projeções iniciais foram amplamente superadas, algo que tem sido uma constante dos Jogos nos últimos anos.
"A história mostra que os Jogos Olímpicos acabam gerando prejuízos para os países que se tornam anfitriões", explica Baade. "O que está acontecendo no Japão veio muito antes da pandemia."
As patrocinadoras japonesas que contribuíram com cerca de US$ 3,3 bilhões estão preocupadas. E as perdas, dizem os especialistas, podem aumentar se os Jogos acabarem sendo o "evento de superpropagação" de covid que alguns temem.
"Isso seria um desastre que aumentaria as perdas atuais", diz Baade. "Vamos cruzar os dedos para que isso não aconteça."
Quem perde mais?
Segundo Victor Matheson, professor de economia da Universidade de Santa Cruz de Massachusetts, nos EUA, o custo ? não oficial dos Jogos Olímpicos pode ter chegado a US$ 25 bilhões, antes mesmo dos gastos adicionais que a pandemia provocou.
Em contrapartida, a receita milionária de ingressos, patrocinadores ou turismo para o Japão caiu drasticamente, Matheson disse à BBC Mundo.
Mas quem não sofreu grande impacto financeiro, defende, são os organizadores do Comitê Olímpico Internacional (COI).
"A receita do COI permanece intacta enquanto os Jogos continuarem a ser televisionados", diz ele.
"Ainda há uma oportunidade importante"
Várias das mais de 60 empresas que patrocinaram o evento expressaram preocupação com a rentabilidade de seus investimentos.
"Esta não é uma situação ideal", reconheceu Michael Payne, ex-chefe de marketing do Comitê Olímpico Internacional, em uma entrevista.
No entanto, sua previsão ainda mantém um certo nível de esperança.
As empresas ainda podem ser "agradavelmente surpreendidas com a recompensa potencial do legado desses Jogos difíceis".
"Ainda há uma oportunidade significativa", acrescentou.
Uma solução radical
Andrew Zimbalist, que publicou três livros sobre a economia das Olimpíadas, criticou os benefícios que o evento deixa nas cidades que o sedia.
E no caso de Tóquio, ele argumenta que o governo gastou cerca de US$ 35 bilhões, o valor mais alto já colocado em uma Olimpíada.
Sua opinião é que os gigantescos investimentos em infraestrutura que são feitos para receber o evento, como construção de estádios, vilas olímpicas ou reforma de instalações existentes, tendem a beneficiar as construtoras, mais do que a economia local.
Em entrevista ao jornal americano The New York Times, Zimbalist propôs que, se vivêssemos em um mundo racional, "teríamos a mesma cidade-sede dos Jogos a cada dois anos". Não há motivo para reconstruir as obras a cada quatro anos, observou. "Não faz sentido para as cidades."
"Quando os Jogos Olímpicos modernos foram criados em 1896, não tínhamos telecomunicações internacionais ou viagens internacionais de avião. Então, para o mundo participar e desfrutar dos Jogos Olímpicos, era preciso se deslocar."
Essa proposta que até agora não parece ter conquistado adeptos, pelo menos no debate público, mas que depois dos Jogos de Tóquio e com os efeitos que a pandemia covid-19 tem causado no mundo, talvez ela possa começar a ser debatida.
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