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Por que a atleta olímpica Krystina Timanovskaya está com medo de voltar para Belarus

Krystsina Tsimanouskaya é acompanhada por policiais no aeroporto de Tóquio; ela chegou a ser forçada para retornar à Belarus - Issei Kato/Reuters
Krystsina Tsimanouskaya é acompanhada por policiais no aeroporto de Tóquio; ela chegou a ser forçada para retornar à Belarus Imagem: Issei Kato/Reuters

Andrey Kozenko - Da BBC Rússia

04/08/2021 14h04

A velocista olímpica Krystina Timanovskaya diz temer por sua segurança depois que Belarus tentou forçá-la a voltar para casa. Na quarta-feira, ela deixou o Japão e foi para a Áustria.

Os treinadores de Krystina Timanovskaya bateram na porta de seu quarto de hotel na vila olímpica de Tóquio e mandaram que ela fizesse suas malas. A atleta ficou surpresa demais para desobedecer. Em minutos, a bielorrussa estava sendo levada para o aeroporto, onde foi informada que teria que embarcar em um voo de volta para casa. Foi quando ela percebeu que precisava fugir.

Mais cedo naquele dia, Timanovskaya havia sido inscrita em uma corrida de revezamento 4x400m por seus treinadores, embora ela devesse competir no evento feminino de 200m. Ela foi às redes sociais reclamar.

O vídeo gerou críticas na imprensa estatal, com um canal de televisão oficial dizendo que ela não tinha "espírito de equipe". O Comitê Olímpico de Belarus afirmou que Timanovskaya era "emocionalmente instável".

"A primeira decisão que tomei quando me levaram ao aeroporto foi chamar a polícia", disse Timanovskaya ao programa Newshour, da BBC. "E que meu marido deveria deixar o país o mais rápido possível, porque percebemos que seria perigoso para ele para ficar em Belarus."

A atleta havia criticado as autoridades esportivas e não o governo de Belarus, mas ainda assim Timanovskaya temia enfrentar perseguição no seu país de origem. E ela tem motivos para se preocupar.

Dezenas de milhares de pessoas fugiram do país nos últimos meses, e o chefe de um grupo que ajudava pessoas a deixarem Belarus por questões políticas foi encontrado morto na Ucrânia.

Qual é a situação atual de Belarus?

Belarus é um país autoritário, muitas vezes apelidado de "última ditadura da Europa", e o último país europeu a ainda ter pena de morte.

Belarus é uma ex-república soviética com a Rússia a leste e a Ucrânia a sul. A norte e a oeste ficam Letónia, Lituânia e Polónia, que são integrantes da União Europeia e da aliança militar OTAN.

Seu presidente, Alexander Lukashenko, está no poder há 27 anos.

Formalmente, há uma eleição a cada cinco anos, mas apenas os partidos políticos e grupos leais ao governo têm permissão para existir — qualquer entidade ou pessoa percebida como uma ameaça é perseguida.

No passado, candidatos considerados oponentes do presidente foram presos ou forçados ao exílio.

Não há nem mesmo pesquisas de opinião independentes em Belarus.

Os EUA e a UE pararam de reconhecer os resultados das eleições lá desde os anos 2000.

Protestos e repressão recentes

Em agosto passado, uma candidata da oposição, Svetlana Tikhanovskaya, concorreu contra o presidente Lukashenko. A eleição foi seguida pelos maiores protestos em Belarus desde a independência.

Lukashenko conquistou a vitória com mais de 80% dos votos — número que tanto a oposição quanto os monitores eleitorais ocidentais rejeitaram.

Os ativistas da oposição realizaram sua própria contagem e afirmaram que o presidente obteve apenas 30% dos votos, e Tikhanovskaya, 57%.

A eleição foi seguida por meses de protestos em massa e uma greve geral. Em cada manifestação, centenas de pessoas foram detidas, muitas delas por longos períodos.

Centenas de pessoas foram torturadas na prisão — a BBC falou com muitos ex-detidos que descreveram em detalhes as condições desumanas em que foram mantidos.

Muitos, incluindo adolescentes, ficaram com ferimentos que mudaram suas vidas: espinhas e membros quebrados, olhos furados, mandíbulas quebradas e graves lesões cerebrais.

Preso, exilado e desaparecido

Muitos dos oponentes do presidente Lukashenko e, em alguns casos, até seus ex-aliados, acabaram presos ou morreram em circunstâncias suspeitas.

Isso tudo começou no final da década de 1990, logo após Lukashenko chegar ao poder.

O ex-ministro do Interior Yuri Zakahrenko está desaparecido desde 1999, por exemplo.

Mais recentemente, dois dos principais rivais de Lukashenko na campanha presidencial do ano passado, o empresário e youtuber Sergey Tikhanovksy e o banqueiro Viktor Babariko, foram presos.

Foi a esposa de Tikhanovsky, Svetlana, que se assumiu a candidatura presidencial após a prisão de seu marido, apesar de sua falta de experiência política.

Ela foi forçada a fugir do país após as eleições de 9 de agosto, mas continua fazendo campanha desde então, principalmente a partir da Lituânia.

A chefe de sua campanha eleitoral, Maria Kolesnikova também foi presa, assim como a maioria dos outros membros de um conselho de coordenação da oposição.

Reprimindo a dissidência

No final de 2020, os protestos foram reprimidos.

Mais de 2,5 mil pessoas já foram declaradas culpadas de vários crimes ligados ao extremismo e participação em protestos contra o governo. Outras milhares aguardam julgamento.

Desde o início dos protestos no verão passado, de acordo com as estatísticas oficiais, cerca de 12,5 mil pessoas deixaram Belarus.

Mas as autoridades da vizinha Lituânia afirmam que mais de 70 mil fugiram de Belarus.

Krystina Timanovskaya e seu marido (que fugiu para a Ucrânia) são os últimos a se juntar a eles, embora a atleta nunca tenha sido politicamente ativa e não tenha participado dos protestos antigovernamentais no ano passado.

"Nunca falei sobre política. E mesmo aqui [nas Olimpíadas] não era sobre política, era sobre os erros que nossos treinadores cometeram, então nunca esperei que isso se tornasse um escândalo político."

Na quarta-feira (04/08), o chefe de um grupo que ajuda pessoas que fugiram de Belarus foi encontrado morto perto de sua casa na Ucrânia.

O corpo de Vitaly Shishov foi encontrado enforcado em um parque em Kiev, um dia depois de ele ter sumido depois de sair para correr. A polícia abriu um inquérito de homicídio.

Shishov dirigia à Casa Bielorrussa na Ucrânia (BHU), um grupo que ajuda pessoas que deixaram Belarus por questões políticas.