'Fui ginasta prodígio e desmaiei de dor sem poder chorar ou dizer não'
Faltavam cinco semanas para a Olimpíada de 1996 quando a ginasta americana Dominique Moceanu desmaiou no ginásio.
A adolescente de 14 anos estava sentindo dor na perna por meses antes de participar do campeonato dos Estados Unidos, recém-concluído, mas foi só depois disso que ela foi diagnosticada com uma fratura por estresse em sua tíbia direita. Ela vinha treinando sem parar, e seu corpo finalmente não resistiu.
Vinte e cinco anos depois, ela se enxergou na ginasta americana Simone Biles, que se retirou de quase todas as finais para as quais se classificou em Tóquio — com exceção da prova na trave, na qual foi bronze — dizendo que fazer isso seria necessário para ser capaz de cuidar de sua saúde mental e se preservar fisicamente.
Olhando para trás, Moceanu diz que, quando era uma prodígio das Olimpíadas, nunca poderia ter dito "não" como Biles fez agora.
"A decisão de Simone me fez pensar naquela época e em como não havia compaixão, preocupação, e não tinha absolutamente nenhuma voz", disse Moceanu à BBC. "Eu não pude dizer que estava com dor até desmaiar."
'Sentia que só poderia descansar se me machucasse'
Ela relembra que sequer se permitia chorar em público e que só conseguia fazer isso em seu quarto, longe das vistas alheias. "Eu sentia que só poderia descansar se me machucasse ou fizesse uma pausa (na carreira). Caso contrário, esperavam que você treinasse em plena capacidade", disse ela.
"Todos os atletas começaram a se sentir assim, porque não estávamos descansando o suficiente, e nosso corpo estava pagando o preço."Apesar de seus ferimentos, ela foi selecionada para representar a equipe dos Estados Unidos nos Jogos de Atlanta como sua integrante mais jovem. A equipe ficou conhecida como 'As sete magníficas' e mudaria para sempre o status do país na ginástica, ao ganhar o ouro.
Mas Moceanu teve que persistir a cada prova, apesar das lesões, para ajudar sua equipe a chegar ao lugar mais alto do pódio. E, quando competiu nas finais da trave, ela caiu de cabeça. Depois, foi tomada pelo medo — embora não por causa da dor.
"Fiquei apavorada com o que [a treinadora] Márta Károlyi faria comigo depois", disse ela. "Eu estava com medo de que ela me chamasse de fracassada." Károlyi refutou as críticas aos seus métodos de treinamento e disse não ter feito nada de errado.
Ela se lembra de se segurar na trave, dizendo a si mesma para não deixar seus pés tocarem o chão e conseguir finalizar sua apresentação. Pelo menos, disse a si mesma na época, tinha "caído" de cabeça contra o aparelho, sem atingir o solo.
"Eu nunca pude dizer nada. Eu nem me importava com meu bem-estar, para ser honesta, porque ninguém se importou com isso nunca".
'Ter uma escolha muda tudo'
Felizmente, ela acredita que que hoje as coisas estão mudando para melhor. Uma decisão como a de Biles "simplesmente não era uma opção em 1996", disse Moceanu. "Ter uma escolha — isso muda tudo."
Como muitos atletas, ela aplaudiu a postura de Biles após a ginasta sentir-se profundamente desorientada em um salto durante as eliminatórias por equipe. "Não vale a pena arriscar seu corpo e sua mente", disse Moceanu.
"É bom ela reconhecer isso e dizer: 'Não me sinto segura, nem quero prejudicar a equipe dos Estados Unidos e a chance de ganhar uma medalha, porque se eu continuar fazendo o que acabei de fazer no salto, isso não vai acabar bem.'"
Hoje, Moceanu é um defensora do bem-estar de ginastas e testemunhou perante um comitê do Senado americano em apoio a um projeto de lei para proteger jovens atletas.
Ela agora treina outras ginastas e tem esperança de que a experiência de Biles seja parte de uma mudança positiva na forma como os atletas são tratados. "Acho que estamos no caminho certo", disse ela.
"Temos um longo caminho a percorrer, mas estamos discutindo as coisas, estamos abertos a ajustes e mudanças. Vai ser um trabalho constante, porque os velhos hábitos são difíceis de mudar, mas acho que, se continuarmos a trabalhar nisso, podemos definitivamente fazer transformações."
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