Feito de Baumgartner relembra primeiro salto da estratosfera em 1939; paraquedista quase morreu

Assistir ao salto de paraquedas de Felix Baumgartner a partir da estratosfera no domingo foi, para algumas pessoas da Rússia, uma fonte de inspiração e, para outras, uma distração muito necessária para desviar sua atenção do espetáculo deprimente das fraudulentas eleições locais. Eu também senti uma conexão pessoal estranha em relação ao feito do atleta austríaco – o tipo de conexão que vem de uma tradição familiar: meu tio-avô, irmão mais velho de minha avó, foi o primeiro homem a saltar de paraquedas a partir da estratosfera.

Yakov Solodovnik saltou de mais de 10 mil metros em setembro de 1939. Nessa época, a Segunda Guerra Mundial havia apenas começado. Durante os seis anos seguintes, aeronaves voaram rotineiramente pela estratosfera – ou seja, por uma altitude superior a 10 mil metros –, obrigando os pilotos, às vezes, a abandonar seus aviões em altitudes das quais ninguém jamais havia pulado. O salto do meu tio-avô parece ter sido preparado às pressas: os testes em solo haviam acabado de começar em agosto de 1939.

Na época, o feito foi descrito em um texto curto, publicado no diário oficial Izvestia. Yakov recebeu dispensa especial para descrever seu salto de forma genérica ao jornalista. A não ser pelas informações fornecidas, Yakov teve de  jurar sigilo e mantê-lo durante um longo período. Só na última década de sua vida, no final de 1970, ele foi autorizado a descrever o salto em detalhes, em artigos que ele escreveu para revistas científicas soviéticas populares.

Meu tio-avô, que em 1939 tinha 24 anos, era um animal incomum: um piloto de testes militar judeu – ou é dessa forma que ele gostaria de ser descrito. Na época, suas obrigações se restringiam a pilotar duas aeronaves de fácil manejo – e ele viu o experimento de saltar de paraquedas a partir da estratosfera como uma oportunidade para avançar sua carreira. Outro piloto havia desistido da tarefa por ter considerado os testes em solo fisicamente insuportáveis.

Os testes visavam avaliar a roupa que seria utilizada no salto, que foi projetada para manter a pressão interna e oferecer oxigênio para manter o paraquedista vivo nos estágios iniciais de sua descida. A roupa de Yakov consistia de duas camadas de roupas de baixo térmicas (uma de seda e outra de lã), um macacão feito com duas camadas de pele de esquilo – com a pele voltada tanto para o interior quanto para o exterior da roupa –, um capacete de vidro cilíndrico, dois tanques de oxigênio que pareciam mochilas soltas e botas de pele.

Quando, durante um salto de teste a partir de uma altitude mais baixa, uma das botas caiu de seu pé, Yakov só conseguiu escapar de quebrar a perna ao pousar em um pântano. Depois disso, ele passou a amarrar as botas no paraquedas. O sistema de abastecimento de ar do traje de salto foi projetado para obter oxigênio a partir de um tanque dentro do avião até que chegasse a hora de saltar. Quando o paraquedista estivesse no ar, ele contaria apenas com seu suprimento autônomo. Mas, em um teste no solo, dentro de um tanque com temperatura e pressão controladas, a mudança para o sistema autônomo havia falhado e Yakov mal teve tempo de fazer soar o alarme antes de perder a consciência.

No grande dia, quando já estava no avião que subia para a estratosfera, ele diz ter ficado aterrorizado diante da possibilidade de o interruptor falhar novamente. E ele não falhou. Porém, Yakov teve um problema mecânico diferente: durante o salto, sua roupa se expandiu devido à enorme pressão e ele não conseguia alcançar o pino que precisava puxar para abrir o paraquedas. As camadas internas de roupa térmica também se inflaram no cotovelo direito, dificultando ainda mais os movimentos. Ao relatar esse momento décadas depois, ele ainda pareceu claramente experimentar mais uma vez o pânico pelo qual passou. Quando Yakov finalmente conseguiu abrir o paraquedas, o impacto do ar foi tão grande que ele se lembra de ter gritado de dor durante vários minutos.

Quando ele estava perto o suficiente do solo e já não precisava mais de seu suprimento de oxigênio, ele decidiu abrir seu capacete – mas descobriu nesse momento que a trava havia emperrado. No momento em que estava prestes a tocar o solo, ele percebeu que tinha apenas alguns segundos restantes de ar antes de sufocar – afinal, sua roupa de salto era realmente hermeticamente fechada.

Após se desviar das copas das árvores, Yakov fez seu pouso na zona rural, à beira de um vilarejo. Uma mulher que carregava dois baldes de água retirados de um poço viu o que deve ter sido a coisa mais assustadora de sua vida: um homem vestido com um macacão de pele vermelho-vivo – a cor visava tornar Yakov mais fácil de detectar para a equipe de resgate –, com um cilindro de vidro sobre a cabeça, caindo do céu. Ela deixou seus baldes no chão e saiu correndo.

Yakov pousou. Ele correu para uma árvore e bateu sua cabeça contra o tronco para quebrar seu capacete.

* Masha Gessen é autora de “O Homem Sem Face”, biografia de Vladimir Putin.

Tradução: Cláudia Gonçalves