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Cearense treina no quintal de casa para escalar o Everest

Verônica Mambrini

Do UOL, em São Paulo

02/04/2014 06h00

As temperaturas que Rosier Alexandre encara vão dos 40°C aos -40°C. O cearense de 45 anos descobriu as montanhas quando era adolescente e a paixão por elas o levou a altitudes e temperaturas extremas. “Nasci na zona rural, fui agricultor até os 16 anos. Mas nasci perto de uma cadeia de montanhas, a Serra das Matas, de cerca de 1000 metros de altitude. Comecei a levar amigos para subir a pedras”, conta o montanhista.

Rosier não tinha ideia, mas a brincadeira que ocupava o tempo do menino pobre da pequena Monsenhor Tabosa o levaria até o Everest, aos pés da montanha mais alta do mundo, onde ele vai passar 65 dias em uma expedição que pode levá-lo a ser o primeiro nordestino a alcançar o topo. A escalada é a última do projeto Sete Cumes, que consiste em subir as montanhas mais altas de cada continente. Até agora, outros 13 brasileiros já chegaram ao topo do mundo.

Se chegar ao cume do Monte Everest, com 8.848 metros, entre o Nepal e o Tibet, Rosier completará o currículo com as montanhas mais altas de cada região do mundo: Aconcágua (6.962 metros), na Argentina, Kilimanjaro (5.891 metros), na Tanzânia, Elbrus (5.642 metros), na Rússia, o McKinley/Denali (6.194 metros), nos Estados Unidos, o Maciço Vinson (4892 metros), na Antártica, e a Pirâmide Carstensz (4884 m), ponto culminante da Oceania, na Nova Guiné.

A falta de recursos de Monsenhor Tabosa, a 360 quilômetros de Fortaleza, pode ter sido um empurrãozinho para o montanhista conquistar novos horizontes. “Não tinha luz, telefone, escola, estrada, assistência médica. Tenho oito irmãos e tive que sair de lá para continuar os estudos, porque só havia escolha primária na minha cidade”, explica. Já morando em Fortaleza, foi evoluindo na escalada, e treinando em falésias na região, como Quixadá, perto da capital. Até que veio a maior mudança de paisagem: aos 36, ele tentou o Aconcágua, ponto mais alto das Américas, sem sucesso. Em 2006, tentou novamente, e dessa vez Rosier chegou ao cume. Dois anos depois, foi a vez do Ojos del Salado, considerado o maior vulcão do mundo, onde também chegou ao topo. Foi lá que teve a ideia de escalar os Sete Cumes.

O ambiente de treino de Rosier em Fortaleza não lembra em nada as montanhas, mas ele faz o possível para adaptar as condições disponíveis a suas necessidades. As duras subidas em neve fofa, em que os pés afundam e exigem esforço a cada passo, são simuladas em dunas de areia. Usando pesadas botas de neve e crampons (armação metálica dentada que ajuda a não derrapar no gelo), ele treina no gramado de casa para atravessar as escadas do glaciar Khumbu, colocadas sobre fendas no gelo de dezenas de metros de profundidade. Mas como não dá para simular nem a altitude, nem o frio de temperatura negativa, o montanhista partiu para a Bolívia ano passado, para treinar escalada em gelo no Huayna Potosi, montanha próxima de La Paz.

Ele se diverte com o inusitado de um brasileiro, nascido e criado nas regiões mais quentes do país e perto do nível do mar, se aventurar a buscar as montanhas. “Sou baixinho, entroncado, tenho físico de sherpa”, diz, se comparando aos carregadores de altitude de uma etnia tradicional do Nepal. “E para suportar o frio, tenho roupas muito boas, peguei 40 graus negativos no Vinson. “As pessoas acreditam que, pelo Nordeste ser quente, não vão conseguir aguentar ir para o gelo. Mas não há empecilhos definitivos.”

Formado em marketing, Rosier tem uma empresa de consultoria e treinamentos, que facilita a busca por patrocínios. O pacote básico de permissão do governo para escalar a montanha, guias, carregadores e comida custa US$ 65 mil, e há ainda despesas como passagem, hospedagem e equipamentos. “As empresas dão um apoio e alivia o meu custo.” Mas para ele, o que torna possível realizar um projeto desse porte é o planejamento. “Estou me preparando para o Everest desde 2003”. Segundo suas pesquisas, só outros três nordestinos fizeram cume no Aconcágua, e nenhum outro conseguiu chegar ao topo do Everest. Quando voltar, ele pretende fazer uma série de palestras sobre planejamento para atingir grandes metas. “Infelizmente nem as escolas nem os pais estão ensinando as pessoas a sonhar. Isso está errado. Minha maior montanha vai ser contagiar mais pessoas com seus próprios sonhos.”