Skate e parkour são esportes de homem? Minas da periferia mostram que não
Aventurar-se nos chamados “esportes de homem” é sempre um grande desafio para uma mulher. Quando o cenário é a periferia, então, a situação fica ainda mais complicada. A judoca Rafaela Silva rompeu todas as barreiras de preconceito quando saiu da Cidade de Deus para conquistar uma medalha de ouro para o Brasil na Rio-2016. Como ela, as paulistanas Cris Punk e Renata Silsan cresceram em bairros de periferia e se tornaram influentes em outras duas modalidades tidas masculinas como o judô: o skate e o parkour.
Campeã brasileira em 2014 de downhill slide, modalidade praticada em ladeiras cuja intenção é descer dando “cavalos de pau”, Cris acompanhou de perto o crescimento do número de mulheres na prática de skate. Se em 2009, apenas 10% dos atletas da modalidade eram mulheres, em 2015, a taxa saltou para 19%, quase o dobro, como aponta estudo do Instituto Datafolha. Isso significa cerca de 1,8 milhão de skatistas do sexo feminino no país.
“Quando eu comecei a disputar os campeonatos de downhill, participavam 10, 12 minas. Agora tá crescendo cada vez mais” - Cris Punk
Cris está nesse rolê há um bom tempo e ajudou a abrir caminhos para as novas gerações. Em 1998, quando tinha 16 anos, começou a rolar pelas ruas do Itaim Paulista, quebrada da Zona Leste de SP. O apoio da família não foi muito forte. “Minha mãe nunca gostou de skate, dizia que era coisa de homem”. Essa repreensão não desencorajou a skatista, que partiu para as competições já nos anos 2000, sem incentivo. Mas as coisas mudaram: enquanto nos anos 1990 não havia grandes referências femininas dentro da modalidade, hoje, nomes como Letícia Bufoni, Karen Jonz e Thais Gazarra já têm mais visibilidade dentro da mídia e são referências para iniciantes.
Apesar do crescimento da participação feminina, ser mulher em um esporte tido masculino como o skate ainda não rende muito dinheiro. As competições não costumam pagar prêmios aos competidores. Desde seu início no esporte, em circuitos e campeonatos, Cris Punk ganhou pouco em remuneração. “Só uma vez que ganhei premiação, em Catanduva, 600 paus”, lembra ela. O campeonato organizado pela SlideLiga aconteceu em 2014 e Cris levou dois prêmios: um na modalidade de downhill e outro no big stand up, cada um com remuneração de R$ 300.
Descolar patrocínio também é complicado. “A mina não sabe subir no skate, pega uma GoPro, faz aquela foto no pôr-do-sol e descola patrocínio de marca”, conta Cris, indicando uma preferência dos patrocinadores por celebridades das redes sociais e não pelas profissionais. A dificuldade financeira acabou forçando-a a reduzir a dedicação ao esporte. Apesar disso, com 35 anos de idade e 18 de ladeira, Cristiane Barbosa Andrigo continua na prática, conciliando a vida de atleta com outros trampos e uma filha.
Renata Silsan também é mãe e atleta. Ela cresceu em Perus, bairro da Zona Norte de São Paulo. Hoje, aos 25 anos, pratica o parkour e trabalha como instrutora e professora de crianças em uma academia especializada na modalidade, mas, assim como Cris, começou sua carreira no skate, quando ainda era adolescente.
Renata relata que uma das maiores barreiras para a prática de esporte “dos manos” é a homofobia. Nos anos 1990 e 2000, a discriminação por orientação sexual era bastante forte contra as meninas no skate: o estilo “maloqueiro” das praticantes causava má impressão nos desconhecidos, que xingavam e ofendiam as jovens que saíam de rolê por Perus.
Ela se aproximou do parkour há dois anos, por influência do marido, Luiz Fernando, praticante desde que o esporte chegou ao Brasil em 2007. Depois do nascimento de seu filho, Nicolas, Renata concilia a vida de atleta com a de mãe, além de cursar faculdade de Educação Física.
Os problemas do parkour não são os mesmos que os do skate: “A primeira atitude que as pessoas têm quando veem a gente treinando é ligar pra polícia”. Renata costuma realizar seus exercícios com uma turma de amigas que acabou se conhecendo por causa dos encontros e treinos coletivos, chamado “Parkour Feminino”, grupo que se reúne pra praticar, fortalecer e divulgar o crescimento das mulheres no esporte. Seus encontros rolam no centro de São Paulo, em locais como a Praça da Sé, a Ladeira da Memória e principalmente no Parque de Esportes Radicais, situado no bairro do Bom Retiro.
“As mulheres ainda ficam um pouco intimidadas nos treinos por terem diferenças físicas”, diz Juliana Robira, praticante do esporte e frequentadora das reuniões do “Parkour Feminino”. Ela conta que as brasileiras começaram a entrar no esporte há quase uma década, mas que o aumento do número de mulheres é recente, só tem dois ou três anos. As minas combinam espontaneamente os encontros pelas redes sociais e se juntam em prol da causa. Juliana ainda acrescenta: “A ideia é realmente atrair o maior número possível de garotas para a prática”.
As histórias dessas atletas reforçam o crescimento das mulheres dentro do esporte. Para perceber a realidade desta frase, é só observar o aumento da representatividade nas Olimpíadas. Em 1904, as minas eram menos de 1% da delegação brasileira. Na Rio-2016, 112 anos depois, foram 45% - algumas delas, como a Rafaela Silva, trazendo o ouro olímpico paras suas quebradas.
*Yuri Ferreira é aluno da agência escola de Jornalismo da Énois
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