Olimpíada-2020 deve ter atletas de 11 anos no skate. Será que é muito cedo?
A carismática skatista britânica Sky Brown ficou em terceiro lugar no Mundial de Skate Park, realizado no último final de semana em São Paulo. Apesar do bronze no pódio, a reação do público foi digna de ouro. Pequena, com capacete grande, a skatista em miniatura chamou a atenção pela performance, o pelo sorriso no rosto e, claro, pela pouca idade. Sky tem apenas 11 anos.
O terceiro lugar no campeonato mais importante de sua modalidade na temporada a colocou no caminho para disputar os Jogos Olímpicos de Tóquio, no ano que vem. Se confirmar a classificação, terá 12 anos nas Olimpíadas e será a atleta olímpica britânica mais jovem da história — a mais jovem participante feminina dos Jogos Olímpicos é a nadadora porto-riquenha Liana Vicens, que tinha 11 anos nas Olimpíadas do México-1968.
Contemporânea de Sky, a maranhense Rayssa Leal, a Fadinha, também tem 11 anos e está igualmente perto de entrar para a história olímpica brasileira caso fique entre as três primeiras da Street League, competição a se realizar nesse final de semana no Anhembi. Se conseguir, supera a nadadora Talita Rodrigues, que em 1948, com apenas 13 anos, participou da Olimpíada de Londres.
Tanto Sky, quanto Rayssa fazem parte de um novo fenômeno no skate mundial: a ascensão ao pódio de crianças cada vez mais novas.
No Mundial de Park na semana passada, a criançada deixou para fora do páreo grandes ídolos do esporte, como o americano veterano Shaun White, 33 anos. Tricampeão olímpico de snowboard e campeão de skate vertical do X Games, ele ficou apenas no 13º lugar, fora da final. Ficou atrás dos garotos norte-americanos Tate Carew, 14 anos, Keegan Palmer, 16, e do brasileiro Pedro Quintas, 17, que terminou em terceiro lugar, atrás apenas de Luiz Francisco, 18, e do grande campeão, o havaiano Heimana Reynolds, que, aos 21, chegou ao topo com muita descontração.
Para Jorge Kuge, skatista da primeira geração no Brasil e fundador da icônica marca de skates Urgh!, o fenômeno não é inédito para quem acompanha o dia a dia da modalidade. "Nada disso é novidade. Essas crianças de hoje obtém muito mais destaque do que no passado devido à grande exposição na mídia nesse ciclo olímpico", comenta ele, que ajudou a revelar talentos como o campeão Bob Burnquist, Leo Kakinho, Victor Ikeda, Digo Meneses e Kelvin Hoefler. "Desde os anos 80, 90 e 2000 isso vem acontecendo, mas com menor intensidade", completa.
"Partindo do pressuposto que para as crianças o skate é um brinquedo, não existe idade para começar, tudo vai do talento e da habilidade de aprender e executar as manobras. Desafiar a gravidade e trabalhar com a força centrífuga é diversão pura no Park, todos os dias nascerá um novo talento, é um processo natural de renovação", reflete Kuge.
Entre as meninas, o pódio nesse mesmo Mundial (com pontuação máxima para as Olimpíadas) foi totalmente tomado por menores de idade: a campeã foi a japonesa Misugu Okamoto, de 12 anos, seguida por sua compatriota Sakura Yosozumi, de 17, com Sky Brown, em terceiro.
Durante a final feminina, a campeã Okamoto parecia uma máquina de pura concentração. Como um soldado plantada em frente a seu superior, Misugu olhava e ouvia estática e atentamente às recomendações do técnico e pai antes de cada descida na pista, em que acertava implacavelmente suas manobras, sem esboçar um sorriso ou qualquer emoção.
Para o skatista veterano César Gyrão, de 57 anos e fundador das revistas "Overall" e "Tribo", a entrada no esporte cada vez mais cedo tem colaborado para a forte presença de crianças no topo. Ele expõe um outro lado da profissionalização. "Isso tem criado competidores muito cedo. Crianças têm que brincar, não serem submetidas a intensos treinamentos. A tendência chegou ao skate. Vejo com reservas esses fenômenos, como as meninas do Park do Japão. Sim, é legal ver o que conseguem fazer sobre um carrinho, mas sabemos que algumas são submetidas a pressões enormes", pondera.
De acordo com as regras estabelecidas pela Confederação Brasileira de Skate, existem quatro categorias por idade:
- INFANTIL - Nascidos em 2011 (de 8 anos e abaixo) mas não pode ter viés competitivo e sim recreativo, ganhando apenas medalhas.
- MIRIM - Competidores nascidos de 2010 (9 anos) a 2007 (12 anos).
- INICIANTE - Nascidos entre 2006 (13 anos) e 2004 (15 anos).
- AMADOR - Nascidos abaixo de 2003 (16 anos).
O professor Roberto Maçanero, 40 anos, Mestre em Gestão Esportiva e diretor de arbitragem da CBSK, apesar de ver como positivo esse alto desempenho principalmente das meninas, acredita que o skate precisa mesmo de uma estruturação a exemplo do que ocorre com a ginástica nas Olimpíadas, que permite a participação de ginastas apenas a partir de 16 anos. "É uma tendência natural que deverá ser estudada", considera.
Para o professor Flávio Ascânio (confira entrevista abaixo), "se a iniciação na prática do skate for conduzida de forma segura e profissional, respeitando as necessidades e expectativas das crianças, ela poderá ser benéfica. Caso contrário, como aconteceu e acontece em outros esportes, a iniciação precoce no skate poderá provocar muitos problemas físicos, psicológicos e sociais nas crianças", opina.
Por outro lado, Thiago Moraes, organizador do Circuito Futuro da Nação de Skate, voltado apenas para crianças de 3 a 11 anos, que existe de 2011, diz que o "foco maior está na diversão e aprendizado em vez de competição e resultados". Ele lembra que esse circuito revelou talentos como Dora Varella, Victoria Bassi, Victor Ikeda, Pedro Quintas, Letícia Gonçalves e incentiva pais e filhos a descobrir coisas novas. E ainda faz um convite: participar da próxima etapa, dia 27 de setembro, na pista da Red Beach, na Vila Gustavo, com um limite. Só menores de 12 anos de idade podem participar.
Skate infantil pode trazer tanto benefícios quanto riscos
O professor Flávio Ascânio de 55 anos de idade, e 42 anos de skate, além de praticante de surf e campeão de snowboard, é também comentarista da ESPN de esportes radicais e tem Especialização em Fisiologia do Exercício e Mestrado em Reabilitação, e tem uma visão muito realista desse momento de ascensão das crianças ao pódio do skate. Em entrevista para o UOL Esporte, destaca a evolução da modalidade, a rotina de treinamento, as limitações físicas e as expectativas olímpicas.
UOL Esporte: Como você vê a participação cada vez mais precoce de crianças no skate?
Prof. Ascânio: Se houver orientação e acompanhamento de profissionais especializados, pode ser benéfica. Caso contrário, como em qualquer outro esporte ou prática corporal, pode haver prejuízos físicos, psicológicos e sociais.
A rotina das crianças é diferente dos adultos?
Deveria ser. Considerando apenas o aspecto físico do ser humano, em termos de práticas esportivas, na fase da infância deve-se priorizar atividades lúdicas que desenvolvam a criança de forma geral e que possibilitem a aprendizagem correta de movimentos globais e o desenvolvimento das habilidades motoras. É o período de iniciação, em que a preocupação não pode ser com a especialização nem a competição precoce. Durante a adolescência, o enfoque deve ser na melhoria das capacidades físicas e coordenativas, além do aprimoramento das principais habilidades motoras envolvidas nas práticas esportivas escolhidas. Neste período pode-se iniciar a especialização e competição. Finalmente, na idade adulta, período em que o ser humano atinge seu ápice em termos de rendimento esportivo, o foco deve ser na manutenção das melhores condições das capacidades físicas e coordenativas e habilidades motoras para conseguir competir no mais alto nível por mais tempo possível.
Fisicamente existe alguma limitação na hora da competição? Existem treinamentos específicos para crianças?
Infelizmente, o treinamento para crianças existe. Não deveria. Como se trata de algo com objetivos bem específicos e com altos níveis de intensidade e solicitação, ele não é adequado à fase de crescimento e desenvolvimento integral das crianças. Mesmo com orientação e supervisão de profissionais especializados e capacitados, o treinamento na fase da infância costuma trazer prejuízos físicos, psicológicos e sociais para as crianças.
Existe jovem demais para andar de skate? Existe uma regra ou uma tendência global?
Não existe uma idade fixa para se começar a andar de skate de forma educativa ou recreativa por que isto depende de vários fatores pessoais e ambientais. De uma forma bem geral e simples, a partir do momento em que a pessoa consegue se equilibrar em pé parada e em movimento, teoricamente ela pode começar a tentar andar de skate. Para que esta aprendizagem seja segura é imprescindível que haja acompanhamento e supervisão de alguém que saiba andar de skate. Como a prática de skate tem se popularizado muito neste século por vários motivos, cada vez mais cedo as pessoas estão se iniciando no skate.
Como você vê a participação dessa garotada nas próximas Olimpíadas?
Acredito que servirá de estímulo para o aumento do número de praticantes de skate e consequente crescimento e fortalecimento do mercado do skate. Novas possibilidades de emprego e atuação junto ao skate poderão surgir. E, as inclusões de mais modalidades do skate nos Jogos Olímpicos e do para-skate nos Jogos Paralímpicos poderão acontecer também.
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