Antes e depois de 1990

Corinthians conquistou seu primeiro brasileiro há exatos 30 anos e mudou o curso de sua história

Diego Salgado Do UOL, em São Paulo Fábio M.Salles/Estadão Conteúdo

Um gol de joelho e outro de carrinho, aos trancos e barrancos, colocaram fim à busca do Corinthians pela conquista do Brasil. O título do Brasileirão de 1990, que virou realidade há exatos 30 anos, representou muito mais que o debute corintiano no âmbito nacional.

A partir do gol de Tupãzinho contra o São Paulo e da sua primeira taça do Brasileirão, o Corinthians alçou voo. Primeiro, no Brasil. Depois, no mundo. Os títulos, então, multiplicaram-se. Se antes do Brasileirão de 90, o Corinthians tinha levantado 24 troféus em toda sua história, o clube garantiu 28 a partir do título de 30 anos atrás, fazendo a média subir de um título a cada 40 meses para quase um a cada 13 meses.

Como gostam os corintianos, o título de 1990 só virou realidade depois de muita emoção e viradas que ficaram para sempre na memória dos torcedores. O Corinthians já era um time de força regional, mas era considerado um azarão no âmbito nacional.

Além do histórico, a campanha daquele ano começou de maneira instável — com troca de treinador. Diante do cenário, o primeiro título brasileiro só foi ganhando forma a partir do mata-mata. A conquista do título histórico contou com o meia Neto em estado de graça, um time organizado (e unido) da defesa ao ataque, um técnico promissor, além de um amuleto chamado Tupãzinho.

Fábio M.Salles/Estadão Conteúdo
VIDAL CAVALCANTE/AE VIDAL CAVALCANTE/AE

Antes de 90

Corinthians vive seca e vê domínio de rivais

Entre fevereiro de 1955 e outubro de 1977, o Corinthians não teve apenas que lidar com a histórica seca de títulos. Durante esse período de raras alegrias, o clube viu seus principais rivais fazerem a festa. O Santos, por exemplo, venceu tudo o que podia na década de 1960, da Taça Brasil à Libertadores, incluindo dois mundiais na Copa Intercontinental.

No mesmo período, o Palmeiras conquistou seis títulos nacionais e chegou a duas finais de Libertadores — o título do torneio continental, porém, só veio em 1999. O São Paulo, que amargou treze anos (1957 a 1970) sem taças, conseguiu vencer o Brasileirão em 1977 e 1986.

Ou seja, entre 1910 e 1989, o Corinthians viu seus principais rivais conquistarem 14 nacionais (seis do Santos, seis do Palmeiras e dois do São Paulo) antes de conquistar o seu primeiro. Mas tudo mudou depois daquele gol de Tupãzinho. De 1990 até 2020, o Corinthians consolidou sua superioridade sobre todos os rivais paulistas no Brasileirão. Enquanto o clube do Parque São Jorge venceu sete edições, Palmeiras e São Paulo garantiram quatro troféus cada, e Santos levantou a taça duas vezes.

REUTERS/Kim Kyung-Hoon

Depois de 90

Corinthians acumula títulos nacionais e internacionais

A década de 1980 havia reforçado a força do Corinthians no âmbito regional: três títulos estaduais bastaram para superar o Palmeiras novamente e reassumir a hegemonia em São Paulo. O sucesso alvinegro, porém, terminava aí. No cenário nacional, seu maior destaque foi em 1976, quando flertou com o título do Campeonato Brasileiro, mas acabou derrotado pelo Internacional na final.

A campanha daquele ano mostrou como o corintiano era carente de um troféu nacional. Na semifinal contra o Fluminense, a luta pela vaga na decisão arrastou 70 mil torcedores ao Rio de Janeiro. A massa alvinegra, entretanto, teve de esperar mais 14 anos para gritar "É campeão brasileiro".

"Chegou uma hora que o Campeonato Brasileiro começou a ganhar dimensão, e aí começou vir a cobrança em cima do Corinthians, que não tinha", ressaltou o ex-volante Wilson Mano.

O Brasileiro de 90 abriu as fronteiras para o Corinthians. E logo no ano seguinte, venceu a Supercopa do Brasil, em um duelo com o Flamengo, então campeão da Copa do Brasil, torneio que seria conquistado pelo clube paulista em 1995.

Atualmente, a sala de troféus do Corinthians tem sete títulos Brasileiros: 1990, 1998, 1999, 2005, 2011, 2015 e 2017. Na Copa do Brasil, o time é tri: além de 1995, venceu as edições de 2002 e 2009. A tão sonhada Libertadores virou realidade em 2012, ano do segundo Mundial de Clubes da Fifa, doze anos depois do primeiro. O Corinthians ainda ganhou a Recopa em 2013, o Rio-SP em 2002 e mais dez edições do Campeonato Paulista, além da Série B em 2008.

Sergio Tomisaki/Folhapress

Frustração por Copa transforma Neto em herói e ídolo

Neto desembarcou no Parque São Jorge em julho de 1989. De imediato, deixou o passado como jogador do Palmeiras para trás e passou a ser um dos jogadores mais importantes do elenco. No começo da temporada 1990, já no Paulistão, virou o líder técnico da equipe comandada por Basílio.

O protagonismo o transformou em um nome forte para ir à Copa do Mundo da Itália. Sebastião Lazaroni, entretanto, decidiu deixá-lo fora da lista. A resposta de Neto passou a ser dada semanas depois da eliminação no Mundial de 1990.

No Corinthians, o camisa 10 começou a viver o melhor momento da carreira, tanto que chegou a ser cogitado para atuar no Napoli quando seu contrato no clube paulista chegou ao fim. Segundo um representante do clube italiano, Neto seria comprado, emprestado e incorporado ao elenco no caso de saída de Maradona. O meia corintiano, porém, acertou a renovação ao fim da terceira rodada e por apenas quatro meses.

Foi o suficiente para fazer nove gols na campanha — cinco deles de falta. Um deles ajudou a reerguer o Corinthians no começo do Brasileirão, justamente contra o Palmeiras, depois de duas derrotas e um empate nos primeiros três jogos. A vitória por 2 a 1 no Morumbi, no aniversário de 24 anos do meio-campista, significou a virada corintiana na competição.

Naquele mesmo dia, Neto ainda foi representar o Corinthians na seleção brasileira. A equipe, já sem Lazaroni e com Falcão à frente, disputaria um amistoso contra a Espanha na Europa.

Aquele período foi de profunda decepção, até meio depressivo. Não ser convocado para a a Copa da Itália foi um tiro no coração. Eu estava no meu auge, fazendo muitos gols."

Neto, em depoimento no livro "1990 - A raça e o talento do Corinthians conquistaram o Brasil"

O Neto estava bem demais naquele ano, mas o time também tinha um grande goleiro, uma zaga com consistência, um meio-campo forte e atacantes que faziam gols."

Márcio Bittencourt, ex-volante do Corinthians

O único jogador que era tido como diferente, acima da média, era o Neto. O nosso grupo e o Nelsinho souberam trabalhar em cima disso. Todo potencial do Neto apareceu naquele ano."

Fabinho, ex-atacante do Corinthians

FÁBIO M. SALLES

Caipiras e desconhecidos formam time de amigos

O Corinthians do Brasileirão de 1990 era uma mistura de jogadores criados nas categorias de base do clube, o terrão, com jogadores que haviam despontado no futebol paulista naquele ano e na temporada anterior. Os pratas da casa Ronaldo, Marcelo e Márcio ganharam companheiros vindos de times pequenos.

Em 1989, Fabinho foi contratado junto ao Santo André na mesma semana em que Neto chegou ao clube. No começo do ano seguinte, Tupãzinho (foto) e Guinei deixaram o São Bento rumo ao Parque São Jorge. Meses depois, Ezequiel foi anunciado como reforço, vindo do Ituano. Os atacantes reservas Ângelo e Antônio Carlos, destaques do XV de Jaú, mesmo clube que havia revelado Wilson Mano anos antes, também acertaram com o Corinthians.

E para completar, Nelsinho Baptista, que havia levado o Novorizontino ao vice do Paulistão, também foi contratado naquele ano para comandar o elenco. O treinador chegou ao clube na terceira partida do Brasileirão e encontrou um grupo de amigos, que se uniu cada vez mais à medida que os resultados apareciam.

Como havia muitos jogadores nascidos no interior, as caronas se tornaram frequentes. Neto e o lateral direito Giba, por exemplo, iam juntos para a região de Campinas.

O Corinthians já tinha um elenco bom de 1989 e contratou jogadores desconhecidos. Isso também ajudou nosso time a ficar mais forte. Foi assim que chegamos para o Brasileirão. Era um grupo muito unido".

Guinei, ex-zagueiro do Corinthians

O Tupãzinho foi o motor nosso ali, o Fabinho, também. Encaixou todo mundo, todo mundo jogou bem na hora certa, qual jogador não jogou bem nas quartas, nas semifinais e nas finais? Não teve."

Wilson Mano, ex-jogador do Corinthians

Almeida Rocha/Folhapress

Esquema tático inovador de Nelsinho

A chegada de Nelsinho para a vaga de Zé Maria resultou em mudanças táticas importantes. O time passou a atuar com dois pontas abertos, que também ajudavam na marcação dos laterais adversários. Já Neto ganhou liberdade para flutuar em campo, sem incumbência de marcar e com chances de chegar à área para concluir o gol como um falso centroavante, em troca constante com Tupãzinho.

"Nelsinho soube usar o potencial de cada um, inclusive daqueles que entravam depois. Ele era diferente, já estudava muito a parte tática. Montou o time da maneira certinha, com liberdade ao Neto. Ele trabalhava muito essa parte", relembrou Fabinho.

Na primeira passagem pelo clube, Nelsinho levou o preparador físico Flávio Trevisan, que logo fez mudanças para tornar o time mais resistente. A primeira foi instituir um segundo treino no dia, no período da tarde. O trabalho físico tinha duração de uma hora e quarenta minutos. Os táticos, sob o comando de Nelsinho, três horas. Neto tinha atenção especial para evoluir em resistência e arranque. O trabalho logo apareceu: o camisa 10 passou a suportar mais tempo em jogo.

Nosso time era unido para caramba, não só dentro, como fora de campo também. Nós todos entendemos o que o Nelsinho queria.

Márcio Bittencourt

Sergio Tomisaki/Folhapress

Ajuda da Lusa mantém Corinthians na competição

Depois da chegada de Nelsinho Baptista, o Corinthians alcançou um momento de estabilidade e encaminhou a classificação às quartas de final. Na última rodada da fase de grupos, no entanto, uma derrota para o Internacional em casa quase causou a eliminação do futuro campeão.

O Corinthians obteve a sétima melhor campanha, ajudado pela Portuguesa. O time do Canindé venceu o Goiás, adversário direto dos corintianos — um empate levaria a equipe goiana às quartas. O primeiro gol da Lusa foi marcado por Vagner Mancini, atual técnico da equipe alvinegra.

Com os resultados, o adversário do Corinthians da primeira etapa do mata-mata seria o Atlético-MG, que fechou a primeira fase em segundo lugar e avançaria à semifinal com dois resultados iguais. Apesar do revés contra o Inter, o sentimento do elenco corintiano foi de alívio. "A combinação de resultados colocou o Corinthians nas quartas. O time cresceu e se uniu ainda mais. O Corinthians estava correndo por fora e a partir dali crescemos na competição", afirmou Guinei.

Quando classificamos em sétimo lugar, o Nelsinho chamou todo mundo e disse que ninguém acreditava na gente.

Neto, em depoimento ao livro "1990 - A raça e o talento do Corinthians conquistaram o Brasil".

Jorge Araújo/Folhapress

Com roteiros iguais, Timão passa por Galo e Bahia

Diante de Atlético-MG e Bahia, o time faria o primeiro jogo em casa, no Pacaembu, com decisão no Mineirão e na Fonte Nova, respectivamente. Com melhores campanhas na primeira fase, Atlético e Bahia jogavam por dois resultados iguais para avançar.

A condição de azarão do Corinthians foi revertida com um roteiro parecido nos dois confrontos: como mandante, o time reverteu a vantagem depois de vitórias de virada, com gols no segundo tempo. Nas partidas decisivas, segurou o empate sem gols para voltar a uma final de Brasileirão depois de 14 anos.

Contra o Atlético-MG, a equipe perdia até os 30 minutos da etapa final, quando Neto marcou de cabeça. Na comemoração, o camisa 10 criou sua marca registrada: deslizou de joelhos no gramado, exausto, sem forças para correr. Dez minutos depois, o meia deu a vitória ao Corinthians em uma finalização na área. O desempenho faz o próprio Neto considerar esse duelo como o seu "jogo da vida".

Na abertura da semifinal, o Corinthians voltou a sofrer o primeiro gol, mas chegou ao empate antes do intervalo, com um gol contra de Paulo Rodrigues. A 20 minutos do fim, Neto garantiu a virada em uma cobrança venenosa de falta. O quinto na campanha, fruto do treino da semana: foram 500 faltas cobradas em três dias de atividades.

Batalha dos pais de santo

Em meio a todas as expectativas das fases decisivas do Campeonato Brasileiro de 1990, uma disputa de pais de santo roubou a cena. Um deles, corintiano, alertou que era preciso impedir que os principais jogadores do Corinthians fossem "amarrados".

Isso por que, um torcedor do Bahia que se dizia pai de santo afirmou que teria "evocado" entidades para "amarrar" sete atletas do Timão — entre eles o goleiro Ronaldo e o meia Neto. Além disso, ele afirmou que levou à Fonte Nova sete bonecos alfinetados representando os jogadores do Corinthians. O "trabalho", no entanto, não adiantou.

Outra situação que marcou o duelo foi a hostilidade aos jogadores de ambas equipes. No primeiro jogo, no Pacaembu, a aglomeração de torcedores perto do estádio obrigou os atletas do Timão e do Tricolor a descerem do ônibus e caminharem alguns metros até o portão. O lateral direito Maílson e um dirigente do clube baiano foram atingidos por pedras atiradas por integrantes da fiel torcida. No jogo da volta, na Fonte Nova, torcedores do Bahia descontaram e hostilizaram o elenco corintiano.

Sergio Andrade/Folhapress/Sergio Andrade/Folhapress Sergio Andrade/Folhapress/Sergio Andrade/Folhapress

Contra São Paulo favorito, Corinthians leva seu 1º Nacional

Mais de 100 mil pessoas viram vitória sobre o time de Telê no Morumbi

Para garantir o primeiro título brasileiro, o Corinthians teria de superar o São Paulo, comandado por Telê Santana. O treinador havia assumido o Tricolor dois meses antes e conseguido recuperar a equipe no campeonato. Para chegar à segunda final consecutiva, o São Paulo tinha eliminado Santos e Grêmio.

A equipe de Telê já contava, inclusive, com nomes como Zetti, Cafu e Raí, que dali a dois anos seriam campeões do mundo contra o Barcelona, em Tóquio. Apontado como favorito, o Tricolor ainda tinha no elenco o zagueiro Antônio Carlos, o lateral esquerdo Leonardo e o atacante Elivélton.

Assim como havia acontecido nos três jogos anteriores, o Corinthians precisava reverter a vantagem do adversário de jogar por dois empates. No primeiro jogo, aos olhos de 85 mil torcedores presentes no Morumbi, Wilson Mano deu o primeiro passo para a conquista corintiana, ao desviar, de joelho, uma falta cobrada por Neto no começo do jogo. Com a vitória magra, o Corinthians reverteu a vantagem novamente.

No domingo, dia 16 de dezembro, 100.858 pessoas — a maior parte corintianos — invadiram novamente a casa tricolor. Empurrado pela torcida, o Corinthians suportou a pressão são-paulina na etapa inicial e conseguiu repetir o placar do primeiro jogo, com um gol de Tupãzinho, aos nove minutos da etapa final.

O lance foi construído pelo lado direito. Fabinho iniciou a jogada e serviu o atacante na área. O camisa 9 driblou o marcador e devolveu a bola para o companheiro, que chutou em cima da zaga. No rebote, Tupãzinho empurrou para o fundo das redes com um carrinho.

Jorge Araújo/Folha Imagem Jorge Araújo/Folha Imagem

Onde estão os campeões de 1990

  • Jacenir

    O lateral esquerdo, um dos mais experientes do elenco de 1990, mora em Atlanta, nos EUA. Aos 61 anos, dá aulas em uma escolinha de futebol.

    Imagem: Daniel Augusto Jr. / Ag. Corinthians
  • Neto

    Aos 56 anos, o craque da conquista do Corinthians em 1990 é apresentador do Donos da Bola, programa diário da Rede Bandeirantes, desde 2012.

    Imagem: Reprodução / Internet
  • Ronaldo

    O goleiro do time corintiano de 1990 tem atualmente 53 anos e é um dos comentarista do programa Donos da Bola, comandado por Neto.

    Imagem: Band/Divulgação
  • Fabinho

    Aos 54 anos, o atacante corintiano em 1990 trabalha como agente de jovens jogadores de equipes brasileiras e mora em Santo André, no ABC Paulista.

    Imagem: Acervo pessoal
  • Marcelo

    O ex-zagueiro de 54 anos era diretor de futebol do Cruzeiro até o começo da atual temporada. Antes, trabalhava como agente de jovens jogadores.

    Imagem: Divulgação/Cruzeiro
  • Márcio

    O ex-volante voltou a trabalhar no Corinthians em 2017-- ele foi treinador da equipe principal em 2005. Aos 56 anos, atua na diretoria da categorias de base.

    Imagem: Divulgação
  • Wilson Mano

    O meia desistiu da carreira de treinador e abandonou o ramo de postos de gasolina em Jaú, interior paulista. Aos 56 anos, como ele mesmo diz, é um "apreciador de Brahma".

    Imagem: Acervo pessoal
  • Guinei

    Aos 51 anos, o zagueiro campeão brasileiro de 1990, continua ligado ao futebol. Ele tem uma escolinha em Sorocaba, no interior de SP, e dá aulas a crianças e adolescentes.

    Imagem: Reprodução

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