Pequeno gigante

Como Luizinho virou símbolo do Corinthians, com dribles, provocação ao Palmeiras, títulos e jogo aos 65 anos

Diego Salgado e Vanderlei Lima Do UOL, em São Paulo

Em uma noite chuvosa em 25 de janeiro de 1996, um senhor de 65 anos vestiu o uniforme do Corinthians. Luiz Trochilo entrou em campo e jogou cinco minutos ao lado dos jogadores profissionais do Corinthians, naquele ano, um dos times mais poderosos do país. Quem estava nas arquibancadas viu, ao vivo e a cores, dois Pacaembus se juntando caprichosamente, alheios ao longo hiato do reencontro entre uma bola, um ídolo e um uniforme completo.

O protagonista era Luizinho, o segundo atleta com mais jogos na história do clube, conhecido como Pequeno Polegar pela baixa estatura (1,65m).

Poucos representam o corintianismo com tanto sentimento. Certa vez, no mesmo Pacaembu, ele driblou um jogador do Palmeiras, que caiu em seguida. Ao ver a cena, sentou na bola, aguardando que o rival se levantasse para driblá-lo novamente. Levantar a torcida com irreverência dentro de campo era um dos objetivos de Luizinho (Corinthians e Palmeiras se enfrentam hoje, na Neo Química Arena, às 19h)

Na despedida, ele conseguiu fazer isso mais uma vez. O craque atuou no jogo que marcou a estreia de Edmundo pelo Corinthians, em um amistoso contra o Coritiba. Aquela era a primeira vez que ele pisava no Pacaembu em 30 anos. E curava uma dor alimentada por décadas.

Quase 30 anos sem pisar no Pacaembu

O Pacaembu foi palco das maiores exibições de Luizinho na carreira. Foi no estádio que ele fez o gol do título do Paulista de 1954, que marcou as comemorações do quarto centenário da cidade de São Paulo. O que era um prazer, porém, virou dissabor ao fim da carreira. De acordo com Patrícia Trochilo, filha de Luizinho, o pai não gostava de relembrar a época em que defendeu o Corinthians. As lembranças traziam dor.

Ele não gostava nem de ser identificado na rua. As pessoas chegavam e falavam: 'Você é o Luizinho? É você mesmo?' Ele fugia, chorava ao lembrar quem ele foi, o ídolo que ele foi. Ele ficou 30 anos sem pôr os pés no Pacaembu. Ele não ia, chorava. É uma coisa que mexia com ele".

Patrícia Trochillo, ao UOL Esporte.

Quando pendurou as chuteiras, Luizinho já morava no Tatuapé. Quando o assunto não era futebol e as lembranças da época de jogador, ele mantinha o bom humor, segundo relato de Tânia Picciochi, vizinha da família Trochillo por 44 anos no bairro. As idas ao Parque São Jorge eram frequentes, também pela proximidade. Era comum ver Luizinho pelas ruas do bairro. E, de acordo com Ariovaldo Brandespim, conselheiro do Corinthians há 40 anos, os craques do time de 1954, como Luizinho, Cabeção e Baltazar, costumavam frequentar o clube depois da aposentadoria.

Luizinho foi um ídolo que saiu da várzea da Maria Zélia e incorporou o corintianismo. Ele trouxe a essência dos operários do Bom Retiro pro campo, era Corinthians de corpo e alma, existiram poucos jogadores na história que incorporaram esse espírito."

Fernando Wanner, historiador do Corinthians

Luizinho era espetacular, um driblador extraordinário. O grande êxito dele na carreira de futebol foi o drible. Ele era miúdo, não era grande, mas tinha uma velocidade e o drible com os dois pés que era invejável. Ele era um jogador singular, ninguém era parecido com ele."

Jackson do Nascimento , ex-jogador e ex-companheiro de Luizinho no Corinthians

De volta para o passado

O retorno de Luizinho ao Pacaembu aconteceu em meio à contratação de Edmundo, no começo de 1996, em um amistoso diante do Coritiba disputado antes do início do Campeonato Paulista. O duelo terminou 2 a 1, com gols marcados por Marcelinho e Bernardo.

Aos 65 anos, Luizinho entrou em campo ao lado dos outros dez jogadores do time corintiano treinado por Eduardo Amorim. Depois de voltar a subir as escadas rumo ao campo, concedeu entrevista à Rede Record:

O coração bate mais forte agora, preciso de um pouco de tranquilidade. Já faz 30 anos mais ou menos que não piso no Pacaembu".

Após pouco mais de cinco minutos em campo e alguns toques na bola, Luizinho deu lugar a Edmundo, que ganhou a camisa 8 quando chegou ao Parque São Jorge, o mesmo número que o ídolo da torcida desfilou por 14 anos.

A noite mágica daquele janeiro de 1996 foi a última aparição pública de Luizinho. Dois anos depois, o corintiano morreu por insuficiência respiratória, fruto de uma embolia pulmonar. O craque deixou quatro filhos (além de Patrícia, Luiz Antônio, Carlos Alberto e Marco Antônio) e a esposa, após 46 anos de união.

Luizinho é mito por dois motivos, primeiro porque era um malabarista da bola, um grande jogador, driblador. E também porque ele expressava um pouco da cultura irreverente do velho paulistano, falava de um jeito meio Adoniran Barbosa. Ele tinha todo esse esse senso do humor do paulistano antigo. Era um sujeito assim: às vezes tímido, às vezes extrovertido."

Walter Falceta, jornalista

Deboche, mas nem tanto

A irreverência foi parte inerente à carreira de Luizinho. O ápice dessa característica, segundo relatos dados ao UOL Esporte, aconteceu em um clássico com o Palmeiras, diante de um implacável marcador: o argentino Luís Villa.

O embate aconteceu em 27 de agosto de 1952, numa vitória corintiana por 5 a 1 sobre o rival, no Pacaembu. Segundo o jornalista Walter Falceta, membro do Núcleo de Estudos do Corinthians (Neco), há três versões para a história.

Uma delas é contada por seu pai, de que Luizinho, de fato, sentou na bola, como deboche, depois do drible entre as pernas de Villa.

Outra foi trazida à tona pelo ex-goleiro Cabeção. De acordo com ele, Luizinho se desequilibrou e apoiou na bola para não ir ao chão. Tal versão também foi citada por Carbone Filho, filho do ex-atacante Carbone.

A última, contada pelo próprio protagonista, afirma que não houve nada. Mas, segundo Patrícia Trochilo, Luizinho sentou mesmo na bola, mas não admitia publicamente porque achava desrespeitoso com o adversário. No máximo, dizia que era um "jogador que levantava a torcida com dribles e molequices".

Fernando Galuppo, jornalista e historiador do Palmeiras, também menciona a possibilidade de o ato de Luizinho ter acontecido no duelo de 1952. Ele ressalta, porém, que não uma prova concreta. "Sempre ficou no plano da oralidade mesmo, nunca se teve um registro factível de que isso aconteceu. Ficou a imagem de ele ser um jogador endiabrado principalmente nos dérbis, essa cena marcante que ele faz uma finta sobre o Luís Villa que tinha quase o dobro do tamanho dele", disse.

O Luizinho era o camisa 8. O meu pai, o camisa 10. Meu pai sempre falou isso para mim: que o maior craque que viu jogar foi Luiz Trochillo (Luizinho). Ele falava que o Luizinho era muito habilidoso, dizia que ele colocava a bola onde queria, que ele era baixinho, saía rodando pelo campo."

Carbone Filho, filho do ex-jogador Carbone

Anos de glória

A chegada de Luizinho ao time principal ajudou o Corinthians a voltar à rota de títulos. Àquela altura, já eram sete anos sem títulos, em meio a uma década de ouro do São Paulo, com breves lampejos do Palmeiras. Com o novo craque na equipe, os corintianos ainda amargaram campanhas irregulares no Campeonato Paulista, com duas quintas colocações.

A guinada começou já em 1950, menos de 16 meses depois da estreia de Luizinho. Desacreditado e com uma safra nova vinda da base, que contava ainda com o goleiro Cabeção e o meia Idário, o Corinthians conquistou o Rio-SP, principal torneio nacional da época, após um empate por 1 a 1 com o Botafogo no Pacaembu.

O título reforçou ainda a importância da dupla Baltazar e Cláudio, afiadíssimos no ataque. Cada vez mais entrosados, o Corinthians começou a viver a sua melhor fase desde a sua fundação. Os títulos vieram em sequência. Em 1951, o clube voltou a conquistar o Paulistão depois de dez anos de seca. No ano seguinte, garantiu o bicampeonato.

O Rio-SP voltou a ser do Corinthians em 1953 e 1954. A maior glória corintiana ainda estava por vir: em fevereiro de 1955, a equipe comandada pelo técnico Oswaldo Brandão se sagrou campeã paulista, na edição de celebração do quarto centenário de São Paulo. De cabeça, Luizinho marcou o gol alvinegro no empate por 1 a 1 com o Palmeiras.

O Luizinho chutava bem com os dois pés, cabeceava e era corajoso, não tinha medo de nada, de ninguém. O Luizinho era meia direita, eu era meia esquerda, era Cláudio, Luizinho, Baltazar, Jackson e Carbone, a linha que terminou titular no ano de 1951. Fizemos 103 gols."

Jackson do Nascimento, ex-jogador e ex-companheiro de Luizinho no Corinthians

Reprodução

Luizinho para o lugar de Pelé

Tem uma outra história de Luizinho que talvez valha a pena ser acrescentada: em 1958, no célebre jogo em que Ari Clemente, zagueiro do Corinthians, machucou Pelé no amistoso contra a seleção brasileira antes do embarque para a Suécia, havia revolta no Pacaembu. A Fiel queria a convocação de Luizinho no lugar de Pelé. Tudo porque, no Sul-Americano de 1956, em Montevidéu (URU), Luizinho fez o gol, no finzinho, da vitória do Brasil sobre a Argentina por 1 a 0. No dia seguinte, a manchete do Clarin foi: "El tiquitito numero ocho nos destrozo". Vicente Feola, porém, manteve Pelé no elenco. Ele não jogou em dois amistosos e na estreia do Brasil na Copa da Suécia, mas virou titular a partir do segundo jogo.

O ataque dos 100 gols

Quando chegou ao time principal do Corinthians, Luizinho encontrou dois jogadores, contratados em 1945: Cláudio, revelado pelo Santos, e Baltazar, que surgiu no Jabaquara, também da cidade litorânea. Com mais experiência, a dupla ajudou na adaptação da promessa vinda do terrão corintiano.

De acordo com Jackson Nascimento, que defendeu o Corinthians em 62 jogos entre 1950 e 1952, Luizinho jogava muitas vezes sob a orientação de Cláudio, oito anos mais velho — é o ex-ponta direita, chamado de "gerente", que sustenta até hoje a marca de maior artilheiro da história do clube, com 306 gols.

Com Luizinho, o Corinthians não ganhou apenas a irreverência do drible e a coragem de um atleta. O time viu Baltazar ser ainda mais letal na jogada área. O "cabecinha de ouro", de acordo com o Almanaque do Timão, fez 71 dos 267 gols de cabeça.

"Luizinho falava para Baltazar ficar na área que ele ou o Cláudio colocariam a bola na cabeça dele e eles garantiriam o bicho do jogo", contou Patrícia Trochilo, filha de Luizinho.

Com a ajuda de Carbone e Jackson, o Corinthians superou a marca dos 100 gols na conquista do Paulista de 1951. O esquadrão fez 103 gols em apenas 28 partidas, com artilheiro e vice ao fim do campeonato. Carbone foi às redes 30 vezes, enquanto Baltazar marcou em 24 oportunidades.

Professor de craque

Luizinho defendeu o Corinthians até o fim de 1960, quando o time alvinegro já era bem diferente daquele da primeira metade dos anos 1950. Emprestado ao Juventus por três temporadas, o craque voltou ao Parque São Jorge em 1964, já aos 34 anos. No começo de 1965, viu a estreia de outro jogador vindo da categoria de base: Rivellino, então com 19 anos.

"Os dois têm uma história muita parecida, porque a torcida já chegava mais cedo ao Pacaembu para vê-los nos times de aspirantes. Os dois já eram conhecidos da torcida porque os aspirantes faziam as preliminares antes do time principal", explicou o jornalista Celso Unzelte, autor do Almanaque do Timão.

Além disso, as estreias no time principal, como lembra Unzelte, aconteceram diante de um incômodo jejum de títulos. Luizinho virou esperança em 1949, com oito anos de seca. Quando Rivellino estreou, o Corinthians amargava dez anos de fila. "No caso do Rivellino, a profecia não se cumpriu", contou —o Corinthians não conquistou o título do Paulistão entre 1955 e 1977.

Luizinho deixou o Corinthians aos 37 anos, já em 1967. Rivellino, na ocasião, já ostentava mais de 100 jogos com a camisa corintiana. O aprendiz, por sua vez, defendeu o time alvinegro até o fim de 1974, sem o mesmo sucesso do antecessor em relação a títulos no clube.

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