Au revoir, Marcelo

Maior vencedor da história do Real Madrid está a um passo de deixar o clube pelo mesmo motivo que levou CR7

Bruno Andrade e Diego Garcia Do UOL, em Paris (França) Isabel Infantes/Reuters

A ligação de 16 temporadas entre Marcelo Vieira da Silva Júnior e Real Madrid caminha para ter um ponto final dentro de campo, assim que o árbitro francês Clément Turpin encerrar a final da Liga dos Campeões de 2021/22, neste sábado, no Stade de France, em Paris. Maior vencedor da história do clube espanhol, com 24 títulos, o craque brasileiro não deve ter o contrato renovado. Com vínculo apenas até junho, o lateral esquerdo de 34 anos ainda alimenta a esperança de uma renovação por mais uma temporada (até junho de 2023), mas, a princípio, a diretoria dos merengues avisou que não planeja oferecer qualquer novo acordo.

"Sabe o que vai acontecer amanhã? Eu também não. Tenho uma ideia clara, já disse isso mil vezes", reforçou Marcelo, no começo desta semana, durante o Media Day da Champions.

"Sempre pensei que poderia chegar muito alto com o Real Madrid. Nunca duvidei das minhas capacidades e disse a mim mesmo que iria ser grande dentro do clube. Quero seguir sendo", completou.

O clima de despedida ficou evidente na última rodada do Campeonato Espanhol, já com o título garantido, no empate em 0 a 0 com o Betis. Marcelo entrou em campo, aos 25 minutos do segundo tempo, recebeu a braçadeira de capitão das mãos do francês Karim Benzema e completou o seu jogo de número 527 com a camisa merengue. Ao término da partida, foi ovacionado pela segunda casa, o Santiago Bernabéu.

Isabel Infantes/Reuters

Uma lenda madrilenha

Com 18 anos e ainda sem o característico cabelo esvoaçado, Marcelo estreou com a camisa merengue em 7 de janeiro de 2007, diante do Deportivo La Coruña, fora de casa, no Campeonato Espanhol, num time que, entre titulares e reservas, contava com o goleiro espanhol Casillas, o zagueiro italiano Fabio Cannavaro, o meia inglês David Beckham, o atacante holandês Ruud van Nistelrooy e o ídolo e compatriota Ronaldo.

Hoje com mais de 500 partidas no percurso dentro do Real Madrid, algo que apenas 13 jogadores conseguiram, o lateral esquerdo brasileiro entrou em campo aos 12 minutos do segundo tempo, no lugar de Michel Salgado, mas não conseguiu evitar a derrota por 2 a 0.

O tropeço logo no início da trajetória oficial pelo Real ficou no passado do jogador revelado pelo Fluminense. Praticamente esquecido. Dali em diante, foi vencer, vencer e vencer: jogos e títulos, coletivos e individuais.

"Marcelo é um mito, uma lenda do nosso clube. É normal que os torcedores tenham carinho por tudo aquilo que ele deu e pela sua forma de ser", destacou o ídolo e atual diretor de futebol madridista Emílio Butragueño, em declarações à imprensa espanhola.

O muito provável adeus em Paris pode ser histórico. Em caso de conquista frente ao Liverpool, Marcelo vai atingir o posto de segundo maior vencedor da Liga dos Campeões com o Real, atrás apenas da lenda espanhola Francisco Gento, referência do mesmo Real, que tem seis taças.

Paulo Cruz/Agif

De menino carioca a referência mundial

A marcante ligação de Marcelo com o Real Madrid - e também com o futebol mundial - já dura quase duas décadas. Chegou como um menino tímido e vai sair como um histórico despojado.

Natural do Rio de Janeiro, o lateral foi revelado pelo Fluminense, onde atuou profissionalmente de 2005 a 2006, feito parte do elenco que contava com o goleiro Fernando Henrique, o zagueiro Fabiano Eller, o volante Marcão, os meias Felipe e Diego Souza, o atacante Lenny, entre outros.

Ao todo, a então jovem promessa fez 49 jogos e marcou nove gols pelo Tricolor das Laranjeiras. Neste período, conquistou um Campeonato Carioca (2005) e teve Abel Braga, Antônio Lopes, Ivo Wortmann, PC Gusmão e Oswaldo de Oliveira como treinadores.

Com perfil de "promessa", Marcelo foi contratado pelo clube merengue a troco de US$ 6 milhões na temporada 2006/07, antes mesmo de ter atingido a maioridade - na ocasião, tinha 17 anos e também era disputado por Chelsea, Lyon e Sevilla.

O maior campeão da história do Real Madrid

  • 6 Ligas Espanholas

    2006/07, 2007/08, 2011/12, 2016/17, 2019/20 e 2021/22

  • 5 Supercopas da Espanha

    2008, 2012, 2017, 2020 e 2022

  • 4 Ligas do Campeões

    2013/14, 2015/16, 2016/17 e 2017/18

  • 4 Mundiais de Clubes

    2014, 2016, 2017 e 2018

  • 3 Supercopas da Uefa

    2014, 2016 e 2017

  • 2 Copas do Rei

    2010/11 e 2013/14

Quem é o Marcelo que deixa o Real Madrid

Apesar da incontestável idolatria e de ser um dos homens de confiança do treinador italiano Carlo Ancelotti, com quem já havia trabalhado entre 2013 e 2015, Marcelo é hoje a terceira opção na lateral esquerda do Real Madrid, atrás do francês Ferland Mendy e do espanhol Nacho Fernández.

Aos 34 anos, o brasileiro começou a perder espaço dentro do Real Madrid no segundo semestre de 2018, logo depois da Copa do Mundo na Rússia - curiosamente, deixou de ser convocado à seleção por Tite depois do tropeço do Brasil nas quartas de final diante da Bélgica.

A ascensão de Mendy, contratado do Lyon em 2019 por 50 milhões de euros, foi o principal fator na saída do eterno camisa 12 merengue do time titular, sobretudo na atual temporada. Mais jovem, o francês de 26 anos tem vigor físico acima da média, algo que é destacado frequentemente nos bastidores, e atingiu entrosamento interessante pelo lado esquerdo com Vinicius Junior.

Em 2021/22, Marcelo fez somente 18 jogos oficiais (cinco como titular) e anotou duas assistências. Passou a ter muito mais influência no vestiário do que propriamente dentro das quatro linhas. Há anos, inclusive, é um dos principais líderes do grupo.

REUTERS/Javier Barbancho

Idade foi determinante na saída de ídolos como Cristiano Ronaldo e Sérgio Ramos

Internamente, a cúpula do Real Madrid prega há anos a filosofia de não renovar os contratos de jogadores com idades elevadas, independentemente do currículo em questão. No passado não muito distante, os históricos Raúl González, Cristiano Ronaldo e Sérgio Ramos, por exemplo, deixaram o Santiago Bernabéu como jogadores livres.

Cria do Real, Raúl cumpriu 16 temporadas e venceu 17 títulos antes de dizer adeus. O ex-atacante espanhol deixou os merengues para abrir caminho para outro camisa 7 histórico brilhar: Cristiano Ronaldo. Raúl viu então o vínculo ser encerrado em 2009/10, aos 33 anos, e rumou sem custos para o futebol alemão, onde defendeu o Schalke 04 e, posteriormente, o Al Saad, do Qatar, e o New York Cosmos, dos Estados Unidos.

Nem mesmo Ronaldo, já com cinco prêmios de melhor do mundo na bagagem e com muita lenha para queimar, escapou da estratégia do presidente Florentino Pérez. É bem verdade que o craque português também queria experimentar novos ares, mas o desgaste interno nos últimos meses influenciou na decisão em comum acordo. Também aos 33 anos, saiu em 2017/18 carregando 16 taças e foi atuar na Juventus - regressou ao Manchester United nesta temporada.

Símbolo da raça madridista, Sérgio Ramos é o caso mais recente. Capitão do time e ainda com status de titular absoluto, o zagueiro espanhol não teve o vínculo estendido ao término de 2020/21. Foram 22 troféus levantados em 16 temporadas pelo Real. Aos 35 anos, foi embora e aceitou o desafio de jogar no PSG, ao lado do eterno rival, o argentino Lionel Messi, com quem duelou durante mais de uma década na Espanha.

Os números de Marcelo com a camisa do Real Madrid

Jogos: 545

Gols: 38

Assistências: 103

Temporadas: 16

Títulos: 24

AFP

Dentre os maiores da história, no Real Madrid e na seleção

Com duas participações em Copas do Mundo (2014 e 2018) e campeão da Copa das Confederações de 2013 pela seleção brasileira, Marcelo figura entre os melhores laterais esquerdos do futebol brasileiro e internacional. Dentro do país de origem, disputa o posto de maior de todos, ao lado de Nilton Santos (1947-1964) e Roberto Carlos (1991-2016).

Roberto Carlos, inclusive, foi o responsável por abraçar e apadrinhar o ex-jogador do Fluminense no Real Madrid - estiveram juntos em campo no time espanhol durante apenas uma temporada (2006/07). Foi praticamente uma passagem de bastão. São os dois maiores jogadores da posição que os merengues já tiveram.

"O Marcelo é um jogador com uma história incrível e fantástica no Real Madrid, um lateral esquerdo de muita qualidade técnica. É um personagem histórico, como é o Roberto Carlos. O Real tem uma história, nas últimas décadas, de dois laterais gigantes. Jogaram muitos e muitos anos pelo clube. A história do Marcelo é fantástica, um jogador que chegou muito jovem e fez o que fez. E continua fazendo, conquistando e ganhando títulos. Ele representa muitas coisas para o Real Madrid, vai muito além do jogador que é", destacou o compatriota Sávio, ex-atacante do Real, ao UOL Esporte.

A regra é se você não consegue voltar, não vá ao ataque. O maior especialista na posição é Marcelo, que acerta em todas as áreas

Paolo Maldini, um dos maiores laterais da história da Itália, em 2011

Tirando Messi e Cristiano Ronaldo, Marcelo é o melhor jogador da Liga Espanhola

Diego Maradona, em 2011, analisando o campeonato espanhol

Fiz muito pelo Real Madrid, mas Marcelo conseguiu mais do que eu. Tem muito mais qualidade técnica que eu, mas não a velocidade que eu tinha

Roberto Carlos, ex-lateral esquerdo do Real Madrid e da seleção brasileira

Qual será o futuro de Marcelo?

Sondado frequentemente por clubes brasileiros nos últimos meses, sobretudo Botafogo, pelo qual tem paixão desde criança, e Fluminense, onde foi revelado, Marcelo pretende encontrar um novo destino dentro da Europa - isso, claro, se não conseguir o remoto objetivo de renovar por mais uma temporada com o Real Madrid.

Aos 34 anos, o lateral esquerdo declarou diversas vezes a pessoas próximas que voltar agora ao Brasil não está nos planos a curto prazo. Deve seguir os passos dos ex-companheiros Raúl, Sérgio Ramos e Cristiano: sair da Espanha, mas permanecer no Velho Continente, e com um contrato de pelo menos duas temporadas (até junho de 2024).

Dos mercados tidos como "secundários", o futebol dos Estados Unidos é o único potencial candidato a receber o brasileiro, visto que foi alvo de sondagem no passado recente do Inter Miami. Aventuras em países alternativos, como Arábia Saudita, China, Emirados Árabes Unidos e Qatar, não interessam hoje a Marcelo.

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