"Eu morava em General Severiano, praticamente em frente ao campo. Bastava atravessar a rua. Só que atravessar aquela rua começou a se tornar um peso. Quando acabou o ano, o Olaria procurou a direção do Botafogo. Pediu autorização para me fazer uma proposta. Na primeira reunião, lá na Praça XV, agradeci, mas recusei. No fim de semana, em casa, pensando com mais calma, mudei de ideia.
Eu tinha acabado de assinar o segundo contrato com o Botafogo. Com o primeiro, tinha dado entrada nesse apartamento em que eu morava. Tinha que acabar de pagar. Pensei: 'O Campeonato Carioca são três meses. Eu vou trabalhar, não vou roubar. É legítimo que eu aceite isso'.
A ideia maior era conseguir manter um teto, não depender de aluguel. Mas o Olaria acabou sendo um renascimento. Olha só: eu só precisava atravessar a rua para treinar no Botafogo. No Olaria, tinha de atravessar a Avenida Brasil de fusquinha para chegar em um estádio em obras, que nem lugar para treinar tinha. A gente ia para uma refinaria da Petrobrás, em Caxias. Mas para mim, era uma felicidade.
Retomei o gosto pelo futebol e entendi uma coisa: mesmo que eu deixasse o futebol, não ia mudar nada. Eu sairia e continuariam os jogos de quarta e domingo. Isso ficou claro. Quando você está com um problema, não tem uma visão ampla.
Mas era um empréstimo. E tive de voltar para o Botafogo. E quando eu voltei, o negócio pegou mais ainda. Eu até tentei retomar a minha carreira. Eu me apresentei e, no final da primeira parte do treino, chegou o diretor e me chamou num canto com o treinador, com o Zagallo.
Eu tinha ido para uma excursão no final do empréstimo com o Olaria e, quando eu voltei, a barba estava começando a crescer. E o diretor falou assim: 'Você está parecendo um tocador de guitarra, um cantor de iê-iê-iê'. Eu olhava pra um, olhava pra outro. 'Eu me apresentei aqui porque vocês fizeram questão. Eu não quero resolver a minha questão administrativamente'. Tinha ainda um final de contrato. No dia seguinte, estava proibido de receber material da rouparia, estava proibido de treinar. Eu tive que recorrer à Justiça porque ficou um impasse total".
Foi aí que o meio-campista Afonsinho, estrela do Botafogo e com passagens por Flamengo e Santos, mudou a história trabalhista do futebol brasileiro. Neste 1º de maio, conheça a história do primeiro jogador a conquistar o passe livre.