Deu match?

Gabigol e seleção demoraram a se encontrar, mas agora têm chance de um relacionamento sério até o Qatar

Gabriel Carneiro e Pedro Lopes Do UOL, em São Paulo Lucas Figueiredo/CBF

"Match" nos aplicativos de relacionamento é quando duas pessoas curtem o perfil uma da outra e ganham o direito de marcar um encontro. A história de amor de Gabigol com a seleção brasileira nunca deu match, foi sempre de mais problemas do que calmaria.

Apesar de ser uma promessa desde cedo, ele nunca foi um titular frequente nas categorias de base e perdeu espaço na hora H, criticado pelo comportamento dentro e fora de campo. Como profissional, viveu o êxtase dos Jogos Olímpicos de 2016, mas não se firmou. "Sumiu" quando saiu para o futebol europeu e nunca agradou em cheio ao técnico Tite e sua comissão, nem quando voltou ao Brasil para brilhar —foi artilheiro do Brasileirão em duas das últimas três edições (e campeão nos dois últimos anos).

É por tudo isso que, até hoje, ele tem só cinco jogos com a Amarelinha, o último em outubro de 2019: 33 minutos de um amistoso contra a Nigéria em Singapura. A última vez em que o atacante começou como titular da seleção foi há cinco anos, na Copa América dos Estados Unidos. É uma história ainda sem final feliz.

Mas pode mudar. Gabigol não só voltou a ser convocado, como treinou como titular. Hoje (4), o Brasil enfrenta o Equador às 21h30 (de Brasília), no Beira-Rio, pela sétima rodada das Eliminatórias para a Copa do Mundo do Qatar. O atacante do Flamengo dono de personalidade muito autoconfiante para o bem e para o mal, como mostra o UOL Esporte nesta reportagem, terá uma grande chance para fincar o pé na seleção e cumprir o desejo de estar na Copa em 2022. Será que agora o romance engata?

Lucas Figueiredo/CBF

Os cinco jogos de Gabigol pela seleção

  • Panamá

    Amistoso em maio de 2016, Brasil de Dunga vence por 2 a 0. Gabigol substuiu Jonas, jogou 26 minutos e fez um gol.

    Imagem: Ron Chenoy/USA Today
  • Equador

    Primeira rodada da Copa América de 2016, empate em 0 a 0. Substituiu Jonas e jogou por 28 minutos com Dunga.

    Imagem: Hector Retamal/AFP Photo
  • Haiti

    Segunda rodada da Copa América de 2016, goleada brasileira por 7 a 1. Substituiu Jonas no intervalo e fez um gol.

    Imagem: Hector Retamal/AFP Photo
  • Peru

    Terceira rodada da Copa América de 2016, derrota por 1 a 0. Foi titular, substituído por Hulk aos 27 do segundo tempo.

    Imagem: Timothy A. Clary/AFP Photo
  • Nigéria

    Amistoso em outubro de 2019, empate em 1 a 1 já sob o comando de Tite. Substituiu Firmino aos 18 do segundo tempo.

    Imagem: Lucas Figueiredo/CBF
Thiago Ribeiro/AGIF

Os dois lados da autoconfiança

Gabigol tem só 24 anos, mas longa história no futebol. Ele estreou profissionalmente pelo Santos com 16, já valendo mais de R$ 130 milhões, com contrato de material esportivo e muitas artilharias nas categorias de base no currículo. Sempre foi tratado como "raio", como o clube chama suas revelações, da mesma linha de Robinho, Neymar e, mais recentemente, Rodrygo e Ângelo.

Essa badalação precoce criou uma atmosfera de superproteção, para não deixá-lo se perder pelo caminho. Sua mãe, Lindalva, é apontada por pessoas do convívio próximo do atacante como uma defensora exigente, protetora e zeladora das decisões na carreira. O grande exemplo disso eram as viagens de carro para os jogos da base, em que Gabigol ia separado do resto do time. Desde cedo, ela cuidou para que o filho cumprisse a promessa e se tornasse uma estrela do futebol. O esforço deu resultado.

Mas tem o outro lado: esse tratamento de estrela moldou uma personalidade autoconfiante que funciona para o bem e para o mal. Em campo, Gabigol nunca desiste de um lance ou de um resultado. Prova disso é seu grande momento na final da Libertadores de 2019, com dois gols no intervalo de três minutos, aos 43 e 46 minutos do segundo tempo para virar o placar contra o River Plate. Uma brincadeira comum entre pessoas próximas é que se ele errar nove chutes e receber a décima bola vai chutar de novo, tamanha clareza da própria capacidade.

Mas essa autoconfiança que deu condições para Gabigol ser o melhor jogador do futebol brasileiro na atualidade também impôs obstáculos.

Dilson Silva

Na base, brincos, cabelo e "marra" viraram argumento contra ele

Quando jogava pela categoria sub-17, Gabigol ficou fora do Sul-Americano de 2013. No Mundial, disputado no mesmo ano, amargou a reserva de Thiago Mosquito. Fez só duas partidas das cinco do Brasil até a eliminação nas quartas de final.

Pela seleção sub-20, esteve no Sul-Americano de 2015. De nove jogos, atuou em sete. Parece bom, mas foram só três como titular. E em todos acabou substituído. Também esperanças de gols na época, Yuri Mamute e Thalles jogaram muito mais tempo do que Gabigol, que por fim acabou não sendo chamado para o Mundial no mesmo ano.

Em todo esse período, as justificativas das comissões técnicas das seleções de base que preferiam Thiago Mosquito, Yuri Mamute e Thales a Gabigol, eram basicamente a mesma. Vigorava uma espécie de cartilha de comportamento que Alexandre Gallo, coordenador e técnico, explicou em entrevista ao "Estado de São Paulo": "Não tem mais brinco, não tem fone de ouvido, não tem cabelo, marra, nada. Os que têm, estão fora."

Um dos alvos do recado era Gabigol, que só foi convocado quando passou a impressão de ter adotado comportamento mais discreto. Era como se quisessem mudar o que ele é, como age, como vive, como aprendeu a ser. Isso também respingou no campo, porque se tinha a impressão de que o atacante não era cumpridor de função tática e não ajudava na marcação. Pelo estereótipo de chamativo e indolente, virou um fantasma das seleções de base e demorou a vencer a desconfiança.

Quem desbancou Gabigol

Reprodução/Instagram

Thiago Mosquito

De trajetória arrasadora na base da seleção, foi formado no Vasco e revelado pelo Athletico-PR, em 2014. Jogou o Campeonato Carioca de 2020 pelo Boavista e a seguir foi negociado com o Deportivo Maldonado, do Uruguai.

Reprodução/Instagram

Yuri Mamute

Teve vínculo com o Grêmio até 2018, mas passou por quatro empréstimos. Defendeu o Figueirense em 2019 antes de partir para o futebol japonês. Hoje, joga pelo Sagamihara, da Segunda Divisão do país.

Paulo Fernandes / Site oficial do Vasco

Thalles

Revelado pelo Vasco em 2013, se firmou no elenco profissional e foi um dos melhores do time em 2016. Passou por dois empréstimos, ao Albirex Niigata-JAP e à Ponte Preta. Morreu num acidente de moto em 22 de junho de 2019.

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Eduardo Anizelli/Folhapress

Quando Gabigol deu brecha

Apesar da trajetória tortuosa nas seleções de base, Gabigol se firmou muito rapidamente como profissional e ganhou sua primeira convocação para a seleção principal antes dos 20 anos. Ele foi chamado pela primeira vez, pelo então técnico Dunga, em março de 2016, aos 19 anos, quando defendia o Santos.

Dunga foi demitido pouco depois, Tite assumiu e listou o jogador em sua primeira convocação, mas esse processo coincidiu com a venda para a Inter de Milão-ITA e depois o empréstimo ao Benfica-POR — experiências em que além de ter jogado pouco, foi marcado mais pelo lado negativo.

A sensação de quem viveu de perto essa passagem de Gabigol pela Europa é de que houve divergência de expectativas na ida para Milão. A Inter contratou um jovem brasileiro que seria lapidado para brigar por espaço ano a ano. O jogador e seu estafe chegaram acreditando que ele seria um jogador-chave do time, uma estrela.

O resultado é que o brasileiro e o técnico Frank de Boer entraram em conflito e a relação ficou insustentável. Há aí outro traço marcante da personalidade de Gabigol: ele não é de baixar a cabeça, recuar e mudar de comportamento.

Com Tite, aconteceu algo parecido logo no início da passagem, quando ele escolheu Gabriel Jesus para ser titular nas Eliminatórias. Relatos dão conta de que Gabigol não recebeu bem a notícia, permaneceu de cara fechada no banco e também teve atitudes no vestiário não aprovadas pelo técnico e sua comissão. Ganhou em troca um gelo que só agora derreteu.

Lucas Figueiredo/CBF

Olimpíada na pele e a retomada

O capítulo feliz nessa história que envolve Gabigol e seleção brasileira é a Olimpíada do Rio de Janeiro, em 2016. Ele foi titular nos seis jogos da campanha, sob o comando de Rogério Micale, e fez dois gols. Era um time muito ofensivo em que ele atuava como ponta-direita ao lado de Neymar, Luan e Gabriel Jesus e resultou na conquista, em casa, do inédito ouro olímpico do futebol masculino.

Seleção é um assunto tão importante para Gabigol que está marcado na pele. Ele tatuou na panturrilha da perna esquerda o Cristo Redentor, o Maracanã, os anéis olímpicos e a bandeira do Brasil.

Quando o assunto é seleção principal, porém, precisou dar um pouco mais. Gabigol voltou a jogar com Tite em outubro de 2019, em amistoso contra a Nigéria. Já era artilheiro do Brasileirão pelo Flamengo. Depois, foi campeão nacional e da Libertadores e ganhou uma convocação em março de 2020 para as primeiras rodadas das Eliminatórias. O problema é que a pandemia adiou os jogos e a lista foi cancelada.

Gabigol seguiu em alta no Fla. Hoje, ostenta 85 gols e 26 assistências em mais de cem partidas, sem contar artilharias, prêmios individuais e nove títulos. Mais do que isso, o que convenceu Tite a uma nova chance é que, apesar da fama de marrento, o atacante é considerado "um cara legal" por todo mundo com quem convive e se destaca no tratamento a fãs e funcionários, inclusive o técnico Rogério Ceni. Estando bem dentro e fora de campo, que mal tem?

Lucas Figueiredo/CBF

A hora e a vez de Gabigol

Essa nova chance para Gabigol era uma decisão tão sólida dentro da seleção que nem mesmo seu envolvimento recente no noticiário policial atrapalhou. O jogador foi flagrado em aglomeração num cassino irregular em março, em meio à pandemia, e pagou R$ 110 mil para a Justiça extinguir o processo por crime contra a saúde pública. Pediu desculpas públicas e dois meses depois foi convocado por Tite.

A ideia sempre foi que ele chegasse como titular como uma forma de respeito ao momento. Uma média de um gol por jogo na temporada não é para ser desperdiçada, ainda mais partindo do pressuposto de que seus dois principais concorrentes, Roberto Firmino e Richarlison, atuaram poucas vezes como centroavantes nos últimos meses e acumularam poucos gols por Liverpool e Everton. Gabriel Jesus, que ocupou a função em boa parte do ciclo de Tite na seleção, hoje é visto mais como atacante pela direita.

Teoricamente, Gabigol desbanca Firmino, pois Richarlison e Jesus serão aproveitados como pontas-direitas na formação tática 4-3-3 que varia para um 2-3-5 quando a seleção tem a posse de bola. Neymar cai pela esquerda e Lucas Paquetá será o principal armador. Em Gabigol, Tite espera encontrar o homem certo para a camisa 9. É hora de engatar um relacionamento sério.

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