'Eu desisti muito rápido'

Ana Paula Oliveira revisita carreira nos campos e avalia arbitragem: 'Parece que clubes são adversários'

André Hernan e Felipe Silva Do Zona Mista, do UOL Eduardo Knapp/Folhapress

O que você falaria para sua versão mais jovem, em início de carreira? Ana Paula Oliveira, uma das primeiras mulheres a subir à elite da arbitragem do futebol brasileiro, tem a resposta na ponta da língua:

"Primeiro eu falaria parabéns. Parabéns pela coragem que você teve. Parabéns por permanecer tanto tempo fazendo o que você queria. Parabéns pela insistência. Mas diria também: Você deveria ter insistido mais na bandeira, você cedeu muito rápido."

A resposta explica muito o que é Ana Paula hoje. Ela pendurou a bandeirinha em 2010, aos 30 anos. Olhando para o passado, acredita que foi forte por ter suportado a pressão dos bastidores. E o que aprendeu, espera, será importante para a nova fase de sua vida. "Como gestora, não vou desistir."

A ex-bandeirinha mais famosa do país se emocionou na entrevista ao Zona Mista do Hernan, do UOL. Falou sobre carreira nos campos, o que passou a fazer fora dele e, claro, analisou a arbitragem atual.

Eduardo Knapp/Folhapress

O que você acha do VAR?

Lucas Figueiredo/CBF

Árbitros renomados na cabine e VAR raiz

Eu acho que todo grande VAR tem que ter sido um grande árbitro. O que tem acontecido aqui, pela nossa necessidade de formar e de preparar o VAR, muitos que estão na cabine não foram extraordinários árbitros. Não adianta: quando você é testado dentro do campo de jogo, você leva esse feeling para a cabine. O cara sabe o que está acontecendo no campo".

Ana Paula Oliveira, defendendo que os grandes árbitros devem migrar para a cabine de VAR em um momento futuro da carreira. Ela também diz que o VAR deve ser usado como auxiliar do árbitro, não como acontece atualmente, em que ele parece tomar decisões independentes.

Eduardo Knapp/Folhapress

Primeira mulher em uma final da Paulistão

Ana Paula começou a carreira de bandeirinha em 1998, aos 20 anos. Fez sua estreia em 2001, em um Palmeiras x Inter de Limeira pelo Campeonato Paulista. Promissora, em dois anos já trabalhava em uma final de Paulistão, em 2003, entre Corinthians e São Paulo.

Foi a primeira mulher a participar de uma decisão do estadual mais importante do país.

Ana ainda atuaria em mais duas finais da competição (2004 e 2007), além de ter bandeirado na final da Copa do Brasil de 2006 e nos Jogos Olímpicos de Atenas-2004.

Em 2007, porém, veio o erro. A bandeirinha anulou erroneamente dois gols do Botafogo diante do Figueirense. Foi afastada e, na mesma época, chegou a posar nua para a revista Playboy. Em entrevista ao UOL em 2012, contou que 'não se arrependeu' da decisão.

Formada em jornalismo, nunca deixou de carregar a arbitragem no dia a dia. Entre 2019 e 2023, foi presidente da Comissão de Arbitragem da Federação Paulista de Futebol (FPF). Hoje, faz parte da organização da Copa do Mundo de 2027 para São Paulo e do comitê de candidatura paulista para os Jogos Pan-Americanos de 2031.

Me colocaram à prova, me testaram, tentaram tirar o que eu mais amo fazer, que é ensinar a árbitros, para que eu desistisse.

Ana Paula Oliveira

UOL

'A ideia da mulher nunca é ouvida de primeira'

Ana Paula conta o que descobriu após quatro anos cuidando da arbitragem na FPF

Eu sempre fui muito firme, sempre cobrei e descobri, quando virei gestora, que o homem aceita a força no homem, mas não em uma mulher. E isso acaba gerando um problema de gestão. Você não vê ninguém falar que a Ana Paula foi incompetente, que a Ana Paula não fez um grande trabalho, que a Ana Paula não desenvolveu mudanças. Você ouve que Ana Paula era muito difícil.

Dentro do campo de jogo, eu era muito eu. Era o meu momento, a minha válvula de escape. Quem ouviu um pouquinho da minha história sabe que, quando eu estava no campo de jogo, sempre fui muito forte. Ali eu não tinha problema de enfrentamento com o atleta, com o treinador.

Agora, quando eu entrei para a gestão, encontrei uma cultura machista em que o homem pode falar firme, pode bater na mesa, pode te desrespeitar. Mas se você é uma mulher e bate na mesa, você desrespeitou, é assédio. Essa disparidade me chamou muito a atenção.

Algumas vezes, eu passava a noite em claro, escrevia o projeto, entregava com todas as minúcias. E ninguém ouvia. E quem era ouvido? Um terceiro, que não estava nem dentro da organização. E era ouvido porque era homem. Eu tinha de defender a minha tese, me defender da tese do terceiro que não estava vivendo o dia a dia. E precisava de três, quatro, cinco reuniões para falarem que, realmente, a garota tem razão.

A ideia da mulher para solucionar um problema nunca é ouvida de primeira. Nunca. Por que a voz da mulher sempre tem que ser indagada e questionada? Por que toda vez tem que perguntar: é isso mesmo? Você está segura? Você está certa? Quantas vezes você vê alguém perguntar isso para um homem num cargo de liderança?

Eu agradeço ao meu time de árbitros, agradeço ao meu time interno da federação. Foram quatro anos em que eu me transformei. Eu saí da federação outra pessoa. E entendi que precisava melhorar. Uma das questões é na comunicação assertiva, a comunicação olho no olho.

Eduardo Knapp/Folhapress Ana Paula deixa o campo escoltada em partida de 2006

Ana Paula deixa o campo escoltada em partida de 2006

"Eu já trabalhei com medo"

Como gestora, Ana Paula vê árbitros que, sob pressão da mídia e de seus superiores, trabalham amedrontados. A sua visão é de quem já esteve em dois dos três lados da moeda: além de bandeira, ela foi a responsável por uma equipe de arbitragem.

"Eu já trabalhei com medo, é horrível. A chance de errar é três vezes maior. Não tem coisa pior do que ir para uma missão sabendo que o seu líder não confia em você. Acho que há momentos em que a arbitragem brasileira trabalha sob medo", analisa Ana.

Segundo ela, além das críticas da imprensa, a pressão que as comissões de arbitragem também podem exercer pode atrapalhar. "Eu não gosto dessa coisa do amedrontar. Você tem que saber se eu confio em você. Eu te coloquei no jogo, vai lá e faz o seu melhor. Se você acertar, vou brigar por você. Se você errar, a gente vai corrigir, porque você já sabe que terá de lidar com o erro. Não tem coisa pior do que achar que seu superior não confia em você. Isso limita suas tomadas de decisão."

Para a ex-bandeirinha, há a necessidade de os profissionais de arbitragem terem respaldo e blindagem de seus gestores e confederações. "Eu preciso de árbitros que tenham liberdade de chegar pra mim e falar: 'eu não concordo com isso'. Cabe a mim, como gestora, analisar se isso é válido e se a sugestão que ele tiver pode ser feita ou não."

Você está o tempo todo na berlinda, a cada rodada. Tem jogo segunda, terça, quarta, quinta, sexta, sábado, domingo... Nos sete dias da semana, você está exposto. Imagina a cabeça desse profissional?

Ana Paula

UOL

Juízes na berlinda a cada rodada

Ana Paula admite que isso é cada vez mais frequente e liga um alerta sobre o papel do gestor de arbitragem.

"O que podemos fazer para ajudar e reconhecer que se erra? Porque, de novo, ser dirigente de arbitragem e, eu imagino, a cabeça do atual gestor da arbitragem brasileira, não é fácil, porque você lida com o erro o tempo todo."

O seu trabalho é minimizar o erro, não é erradicá-lo."

Segundo ela, é necessário diálogo entre clubes e comissões de arbitragem. É uma forma de minimizar danos futuros e criar uma relação de cooperação, não de oposição.

"Eu acredito nessa abertura com o clube, o saber ouvir. É importante. Não é fazer mea-culpa. O árbitro é muito pressionado. A gente é muito agredido, muito ofendido - e eu, sendo mulher, sou ofendida ao quadrado. A gente acaba criando uma casca dura e é como se meu adversário fosse o clube. Não pode ser assim."

Assista à íntegra da entrevista

Consultoria para evitar reclamações vazias

Hoje em dia, Ana Paula faz consultorias particulares com clubes de futebol para melhorar a comunicação dos clubes com os profissionais do apito —justamente uma tentativa para criar essa empatia que ela cita.

"A ideia da consultoria é fazer um trabalho de diálogo prévio. É importante, principalmente, no início da competição, quando a comissão determina quais são as diretrizes com que ela vai atuar. A partir daí, a gente repassa para o clube. Mais do que apagar incêndio, acredito em trabalhar na antecipação, na educação."

Uma vez que o atleta está educado, o diálogo com a arbitragem no campo melhora. E o entendimento do erro e do acerto também. Não tenho de ter contato direto com o jogador quarta e domingo, não é isso. É no início da competição, no meio, numa reta final. Em momentos pontuais."

Evitar o conflito entre atletas, dirigentes e técnicos com os profissionais da arbitragem é uma das diretrizes do trabalho. A melhora na comunicação e na tomada de decisão dos membros da equipe ajudará no andamento correto da partida.

"Quando você explica para o clube, olha quando cabe a reclamação e quando não cabe, porque a arbitragem acertou, é um ganho também para o clube."

RODRIGO CORSI/FPF
Ana Paula, quando trabalhava na FPF

Futuro na CBF?

Ana Paula definitivamente não quer ficar longe da arbitragem. Quer contribuir para a evolução do Campeonato Brasileiro e da arbitragem e pretende voltar para um cargo de gestão.

No final de 2023, Ana foi desligada da presidência da Comissão de Arbitragem da Federação Paulista de Futebol (FPF). Ela diz que ainda não é o momento para buscar uma nova oportunidade na área, mas está se preparando para uma volta no futuro.

"Talvez eu vá mudar a forma, eu vou me reinventar, como eu estou fazendo, eu vou aprender, mas eu volto. Eu volto e vou ajudar muitas pessoas, e vou contribuir para o nosso Campeonato Brasileiro ainda, eu tenho certeza disso, desde que me permitam colocar algumas ideias em prática. Eu sei que o momento não é agora, não é para isso. Eu vou estudar o período que for necessário para quando a oportunidade bater à minha porta novamente, eu possa corresponder mais e melhor comparado ao que eu fiz em São Paulo."

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