Anti-galáctico

Rodrigo Fabri conta como escolha pelo Real Madrid no início da era de craques comprometeu chances na carreira

Augusto Zaupa e Vanderlei Lima Do UOL, em São Paulo Nuno Correia/Getty Images

Rodrigo Fabri surgiu de maneira meteórica no futebol brasileiro. Em meados de 1996 o meia-atacante surgiu como revelação da Portuguesa e conduziu o time a um inédito vice-campeonato brasileiro. Um ano depois, realizava um sonho para poucos jogadores: foi contratado pelo Real Madrid.

O que poderia marcar o começo de seu ápice virou uma frustração. O brasileiro foi anunciado pelo Real no final de 1997, batalhou em treinos, mas jamais teve chance de jogar pelo clube, que naquele momento começava sua era galáctica de grandes craques.

Para Rodrigo, restaram empréstimos que minaram sua sequência técnica no momento em que deveria atingir o melhor de sua forma. A ex-revelação da Portuguesa foi à Espanha como um nome de seleção, mas nunca conseguiu embalar. "Profissionalmente falando, tenho que dar o braço a torcer e dizer que foi uma escolha ruim", contou em entrevista ao UOL Esporte.

Hoje Rodrigo cuida de negócios no Mato Grosso do Sul, onde mora com a família. Na entrevista, o ex-jogador também recordou da experiência no Sporting Lisboa ao lado de Cristiano Ronaldo e falou de momentos em outros times do Brasil — da fase artilheira pelo Grêmio à saída controversa do São Paulo.

Nuno Correia/Getty Images

Real Madrid foi "uma escolha ruim"

A porcentagem dos jogadores que chegam ao Real Madrid e atingem o sucesso é bem menor do que você deve imaginar. Fabri deve ser o exemplo mais bem acabado disso, mas existem outros brasileiros que brilhavam por outros clubes e nunca se firmaram no Santiago Bernabéu. Robinho jogou muito, mas nunca foi ídolo. Sávio foi um eterno reserva. Júlio Baptista era útil, nunca uma estrela.

Rodrigo Fabri não teve nem mesmo chance de mostrar seu valor. Caso tivesse a chance, o brasileiro voltaria ao ano de 1997, quando escolheu o Real Madrid como destino em um negócio de US$ 10 milhões.

"Estava muito bem aqui no Brasil, jogando muito. Tinha propostas de alguns outros clubes, como Roma e La Coruña, que era um time de ponta na época. Junto com Real e Barcelona, disputava o título na Liga espanhola. As propostas, financeiramente, eram muito parecidas, mas pela grandeza eu acabei escolhendo o Real Madrid", contou.

Se eu tivesse ido para a Roma ou para o La Coruña, talvez tivesse uns cinco ou seis anos consecutivos na mesma equipe. Com certeza, teria uma projeção dentro da Europa maior do que eu tive indo para o Real Madrid. Profissionalmente falando, tenho que dar o braço a torcer e dizer que foi uma escolha ruim, porque, como eles não me aproveitavam, ano após ano, eu ficava sendo emprestado. Você acaba não criando raiz em lugar nenhum, fica uma temporada e volta."

Logo de cara, Fabri foi cedido por empréstimo ao Flamengo, em um negócio que envolveu a ida do atacante Sávio em definitivo para a Espanha. No mesmo negócio, o clube carioca recebeu o lateral esquerdo Zé Roberto, por empréstimo.

O cenário de idas e vindas se manteve ao longo dos cinco anos de contrato. Rodrigo foi cedido para Santos, Valladolid, Sporting Lisboa e Grêmio. Depois, acabou liberado e assinou com o Atlético de Madri, em que ficou por dois anos antes de regressar ao Brasil.

Eu não fiz nenhuma partida oficial pelo Real Madrid. Todo ano, eu me apresentava, fazia pré-temporada, fazia os jogos amistosos... Em duas pré-temporadas, fui muito bem, tinha quase a certeza que ia permanecer no elenco. Infelizmente, não tive espaço."

Rodrigo Fabri, ex-jogador do Real Madrid, sobre a passagem pelo clube

Reprodução

Concorrência com Zidane, Figo, Raul

No início dos anos 2000, o Real Madrid começou a montar o famoso time que ficou conhecido como "galácticos". Em 2000 chegou Luís Figo. Em 2001, Zinedine Zidane. Em 2002, Ronaldo Fenômeno. Em 2003, David Beckham. Rodrigo Fabri chegou antes disso, mas acabou em um limbo na diferença de projetos. Era um jovem ainda sem experiência que chegava a um clube que resolveu apostar em medalhões.

Pior ainda: a concorrência por uma vaga no setor ofensivo de meio-campo era muito alta. Todos os grandes nomes contratados ocupavam posições que o brasileiro poderia preencher.

"Peguei uma geração no Real que era fantástica, geração dos galácticos e na minha posição tinha nada menos que Figo, Beckham, Zidane, Raul e Sávio, que também era um excepcional jogador. Acabei perdendo espaço até pela quantidade de jogadores excepcionais que tinham na minha posição. A experiência de ter ido para a Europa num clube desse porte e de poder compartilhar alguns anos com esses jogadores foi fantástica."

O treinador era o Vicente Del Bosque, que até chegou a ganhar a Copa pela Espanha, em 2010. A gente tinha uma conversa muito franca, ele era um excelente treinador e uma ótima pessoa. Ele falou: 'Rodrigo, você tem uma qualidade absurda, mas a concorrência aqui dentro hoje é desleal. Então, você tem que procurar outro lugar para desempenhar o seu futebol'. Eu tinha que ser emprestado, senão eu iria ficar ocioso o ano inteiro no Real Madrid."

Rodrigo Fabri, ex-jogador do Real Madrid, sobre a situação dentro do elenco galáctico

Reprodução

Companheiro de CR7 no Sporting Lisboa

O destino parece brincar com Rodrigo Fabri. Se deixou o Real Madrid devido à concorrência com craques, no Sporting encontrou Cristiano Ronaldo quando foi emprestado ao time luso na temporada 2000/01. Mas, calma, o então jovem atacante de 20 poucos anos ainda não era "o CR7", segundo avaliação do ex-meia-atacante brasileiro.

"Quando eu estava no Sporting, a gente fazia alguns treinos contra a categoria de base e o Cristiano Ronaldo treinava contra a gente. Ele era muito jovem ainda, já demonstrava uma qualidade, mas, sinceramente, não me chamou a atenção a ponto de falar: 'ah, esse menino vai ser o melhor jogador do mundo'", relembrou.

"Você vê o Messi jogando, o Neymar, percebe que a qualidade deles é absurda, não precisam estar 100% fisicamente bem para poder exercer a profissão deles com grandeza. O Cristiano Ronaldo, não. Apesar da técnica apurada, também precisava estar no ápice fisicamente e ele nunca deixou esse ápice baixar, sempre esteve nas ponta dos cascos, por isso é merecedor de ser considerado um dos maiores da história."

Fico imaginando a comparação: um Ronaldinho Gaúcho, que foi um mágico, um extraterrestre jogando bola, com o profissionalismo do Cristiano Ronaldo. Onde chegaria o Ronaldinho, mas muito mais longe de onde chegou. Sou fã número um do Ronaldinho, mas essa é uma realidade. Se ele se doasse como o Cristiano, seria unanimidade entre o segundo maior da história, porque o Pelé eu nem vou comparar."

Rodrigo Fabri, falando sobre o ex-companheiro de Sporting

Reserva no Sporting porque estava jogando bem

Se não foi aproveitado pelo Real Madrid, Rodrigo Fabri poderia ter despontado na Europa caso o Sporting não tivesse tentando uma artimanha para contratá-lo em definitivo, como conta o próprio ex-jogador.

"Quando eu fui emprestado ao Sporting por uma temporada, comecei muito bem, fazendo muitos gols. No meio do meu empréstimo, com quatro, cinco meses, tive uma pequena lesão e fiquei 15 dias afastado. Quando voltei, nem era relacionado. Pensava que era por causa da forma física, que fui aprimorar. Quando eu era convocado para os jogos, às vezes, nem entrava. E eu era um dos principais jogadores do time antes da lesão", recordou.

Inconformado, Fabri foi procurar o treinador do "Leão" à época para saber se havia cometido algum deslize, alguma conduta antiprofissional, mas foi informado que o problema não era ele e foi direcionado para procurar a diretoria do clube.

"Os dirigentes falaram: 'realmente você está muito bem, vamos querer comprar você do Real Madrid no final do seu empréstimo. Se a gente colocar você para jogar, do jeito que você estava jogando, o seu passe vai ser valorizado e o Real Madrid vai pedir muito, muito dinheiro e a gente não vai conseguir te comprar. Fiquei muito nervoso na época porque queria jogar. Chegou no final da temporada, o Sporting foi tentar me comprar, e o Real Madrid pediu uma [quantia] exorbitância pelo meu passe e acabou não dando certo a negociação. Fiquei seis meses sem jogar e ainda não fui contratado", lamentou.

Carlos Rodrigues/Getty Images
Reprodução/O Estado de S. Paulo

1996: título brasileiro escapou pelos dedos

"Não nego, minha maior alegria foi o meu primeiro gol em 96 como profissional. Tudo o que você sonha de menino é se tornar um jogador de futebol profissional. Foi indescritível a minha estreia pela Portuguesa". Desta forma Rodrigo Fabri demonstrou todo o seu apreço à Lusa.

O mesmo ano, porém, terminou com a sensação de que a Portuguesa deixou escapar o título do Brasileirão na final diante do Grêmio. O gol da conquista gaúcha veio aos 40 minutos do segundo tempo, com um gol de Aílton — o Grêmio vencia a partida decisiva por 2 a 0 após derrota pelo mesmo placar no duelo de ida, em São Paulo.

"Eram duas equipes muito competitivas. O Grêmio tinha uma bola aérea muito boa, muito forte, muito bem treinada com o Felipão, característica até do treinador, e a Portuguesa tinha, em contrapartida, um contra-ataque muito rápido. São detalhes de bastidores, porque fomos instruídos a ceder o menor número possível de escanteios, como foi o primeiro gol do Grêmio [anotado por Paulo Nunes], e falta lateral", recordou.

"O segundo gol foi uma bola alçada [por Carlos Miguel] de frente, e o César tirou para o meio da área. Aí, acabou caindo no pé do Ailton. Já era final de jogo, todo mundo muito cansado, [o zagueiro César] não conseguiu colocar força necessária para a bola sair da área. Ele não quis, com certeza, colocar a bola para escanteio porque era o jogo forte do Grêmio. Acabamos tendo azar, e a bola caiu no pé esquerdo do Aílton, que não era o bom. Ele foi feliz e fez o gol."

A Portuguesa é a minha paixão. Falo para todo mundo que eu joguei em vários clubes, tenho um carinho por todos por onde passei, independentemente de ter tido bons ou maus momentos, mas a Portuguesa foi onde eu comecei, foi o clube que me abriu as portas e que me deu a oportunidade de jogar na seleção brasileira. A Portuguesa me proporcionou tudo isso: ser vendido, criado minha independência financeira para mim e para a minha família."

Rodrigo Fabri, vice-campeão brasileiro com a Portuguesa em 1996

REUTER/Henry Romero REUTER/Henry Romero

Artilheiro do Brasileiro em 2002 pelo Grêmio

Em 2001, cinco anos após ver a sua paixão Portuguesa desperdiçar a maior oportunidade da sua história para se sagrar campeã brasileira, o meia-atacante foi defender justamente o algoz Grêmio, em mais um empréstimo nos tempos de Real.

"Logo que eu cheguei no Grêmio, todo mundo já veio me questionar a respeito da final de 96, porque ficou marcada aquela final entre Grêmio e Portuguesa, mas eu fui muito bem recebido, me senti em casa. Tenho um carinho, um amor muito grande pelo Grêmio, como eu tenho pela Portuguesa", comentou.

O pontapé inicial no Olímpico, no entanto, não foi dos melhores, talvez pela falta de sequência de jogos, os cinco meses de ostracismo e pelas lesões. No início da temporada posterior, seguiu entre os reservas e, quando estava se firmando, tornou-se vilão ao ver o goleiro Tavarelli defender a sua cobrança na decisão de pênaltis contra o Olimpia, que valia vaga na final da Libertadores 2002.

Fabri ergueu a cabeça e deu a volta por cima no Brasileirão daquele mesmo ano. O Tricolor gaúcho terminou o campeonato na quarta colocação, conquistando a vaga na Libertadores no ano seguinte, e Fabri foi artilheiro ao lado do são-paulino Luis Fabiano. Os dois marcaram 19 gols.

Curiosamente, quando desembarcou em Porto Alegre, o jogador era apenas Rodrigo, não utilizava o sobrenome Fabri. Mas teve que empregá-lo porque o Grêmio já tinha no grupo Rodrigo Mendes. Inicialmente, renegou 'Fabri'. Ao fazer uma pesquisa para tirar passaporte italiano, a pedido do Real, descobriu que o bisavô trocou de sobrenome ao vir para o Brasil. Mas, no fim, acabou adotando o complemento.

CityFiles/Getty Images

Demitido pelo São Paulo por justa causa

Se o sonho de ser campeão brasileiro "bateu na trave" em 1996, dez anos depois ele se concretizou, mas por outro clube paulista: o São Paulo. Após atuar por duas temporadas pelo Atlético-MG, o meia-atacante chegou ao Morumbi de forma surpreendente, uma vez que a própria diretoria são-paulina não tinha o jogador no radar, como foi dito à época.

"Ele não estava nos nossos planos, mas tive uma conversa em casa com o Muricy [Ramalho], ele falou desse nome e achei que não dava mais porque estava indo para outro time [o Palmeiras chegou a negociar com o atleta]. Mas conseguimos. Demos sorte, fechou rapidamente", afirmou o então vice-presidente de futebol do Tricolor, Juvenal Juvêncio.

O clima de alegria acabou cerca de 13 meses depois: em fevereiro de 2007, o clube anunciou a demissão de Fabri por justa causa, ao alegar abandono de emprego. De acordo com a diretoria, o jogador não compareceu para no início daquela temporada — houve rusgas com a comissão técnica porque ele não foi relacionado para disputar Libertadores e Paulistão.

De acordo com Fabri, problemas físicos o atrapalharam. "Cheguei com 30 para 31 anos. Tenho que admitir que fisicamente eu já não estava no ápice. Comecei a treinar no alto nível de dedicação física desde os meus 12 anos, muito jovem. Comecei a ter muitos problemas musculares, coisa que eu nunca tinha tido na carreira. Isso é fato: jogadores que conseguiram jogar até mais tempo, casos do Zé Roberto e do Nenê [hoje no Vasco], são jogadores que tiveram poucas lesões musculares", analisou.

"No São Paulo, tive seis lesões musculares naquele ano [2006], fiquei seis meses parado, um mês de férias, um mês de pré-temporada. Então, tive quatro meses jogando picado. Nunca consegui chegar na minha forma física ideal para desempenhar meu futebol por conta das lesões musculares. A competitividade no São Paulo era muito grande, tinha jogadores de muita qualidade e, por essas lesões, o Muricy Ramalho decidiu que não contava comigo, até porque eu não tinha rendido o esperado naquele ano. É normal e natural isso aí, faz parte."

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