Coroação de um prodígio

Aos 24 anos, Max Verstappen vence campeonato de Fórmula 1 e consolida sucesso de carreira precoce

Julianne Cesaroli e Talyta Vespa Do UOL, em Abu Dhabi e em São Paulo KAMRAN JEBREILI/Pool via REUTERS

Quando Mercedes e Red Bull rivalizaram para atrair um adolescente holandês de sobrenome famoso e que tinha pouquíssima experiência com carros de fórmula, parecia distante a possibilidade de Max Verstappen se tornar campeão da Fórmula 1. Distante, mas os olhos de lince das equipes enxergaram que dava, sim, para encurtar esta distância.

A Red Bull ofereceu um caminho mais direto e contratou o piloto então com 16 anos e que mal tinha saído do kart. Sete anos depois, celebra o primeiro título de sua estrela. E não foi um título qualquer: Verstappen bateu o heptacampeão Lewis Hamilton em uma das temporadas mais disputadas da história da Fórmula 1, colocando-se como o grande candidato a tomar o bastão do inglês de 36 anos.

Aos 24, Max é um dos pilares da renovação de uma categoria que voltou a atrair os mais jovens. Agressivo dentro das pistas e sem se importar muito com o que dizem sobre ele fora delas, cresceu em clima de cobrança ostensiva. O pai, o ex-piloto Jos Verstappen, cujos números na F1 são pouco impactantes, não admitia que o filho errasse.

Max já ultrapassou o pai —que nunca ganhou uma corrida sequer pela Fórmula 1. Aos 17 anos, se tornou o piloto mais jovem a participar de um fim de semana de corrida; com a mesma idade, se consagrou o mais jovem a marcar um ponto na F1, no GP da Malásia de 2015. Aos 18, foi o mais novo a liderar uma corrida de Fórmula 1, a chegar ao pódio da modalidade e a vencer uma corrida. Max é o primeiro holandês a vencer na categoria.

Para o pai, entretanto, esses números não seriam importantes sem o título mundial. Agora, ele chegou.

KAMRAN JEBREILI/Pool via REUTERS
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Campeão com ultrapassagem na última volta

Max Vertasppen se consagrou como campeão da Fórmula 1, neste domingo (12), em uma corrida surpreendente. Lewis Hamilton e o holandês chegaram à prova de Abu Dhabi empatados em 369,5 pontos. O piloto da Red Bull tinha a vantagem de ter mais vitórias na temporada e ainda largou na frente.

O britânico, no entanto, não deixaria escapar seu oitavo título mundial tão facilmente. Logo na primeira volta, ultrapassou o rival, que deu o troco, jogando o carro para cima de Hamilton. Os dois quase se tocaram, mas piloto da Mercedes foi para fora da pista e voltou à frente da Red Bull. Verstappen reclamou, e os comissários decidiram que Hamilton não precisaria ceder a posição ao holandês, apenas devolver a vantagem ao rival.

Ainda assim, o britânico conseguiu abrir uma larga vantagem. No entanto, Sérgio Perez, companheiro de Verstappen na Red Bull, entrou em cena. O mexicano deixou Hamilton se aproximar e dificultou a vida do britânico. Eles trocaram posições em uma disputa franca, que favoreceu Verstappen.

Apesar das investidas da Red Bull, o piloto da Mercedes seguia na frente, e a vitória parecia encaminhada até a 53ª de 58 voltas. Mas a batida de Nicholas Latifi (Williams) após disputa com Mick Schumacher (Haas) e o safety car na pista mudaram toda a história.

Quando o safety car saiu de cena, Verstappen foi para cima de Hamilton na última volta e conseguiu sua única ultrapassagem na corrida inteira. Quando o holandês recebeu a bandeira quadriculada, só conseguiu gritar de emoção. Ali escreveu seu nome na história da Fórmula 1.

É inacreditável. Em toda a corrida, tentei brigar por isso. O que aconteceu na última volta... Inacreditável. É insano. Eu não sei o que dizer. Tenho que agradecer à equipe, amo eles demais. Desde 2016, estamos trabalhando juntos. Finalmente, uma boa sorte para mim. Tenho que agradecer ao Checo [Sérgio Perez, que fez um excelente trabalho como companheiro de equipe."

Max Verstappen, após o GP de Abu Dhabi

HAMAD I MOHAMMED/REUTERS HAMAD I MOHAMMED/REUTERS

Filho de pilotos, Max viu carreira da mãe só por fotos

Jos Verstappen, pai de Max, disputou oito temporadas de Fórmula 1 por sete equipes. Já a mãe do piloto, Sophie-Marie Kumpen, foi uma conceituada kartista, caminho também trilhado pela irmã mais nova do holandês. Difícil seria Max seguir por um caminho diferente.

Belga, Sophie deu ao filho o carinho de que precisava. Entretanto, em entrevista ao UOL Esporte, o piloto disse que foi o pai quem o guiou pelas pistas. "Ela sempre esteve ao meu lado, me apoiando, mas, basicamente, eu sempre fiz tudo junto do meu pai. Ele conhecia muito de kart e também tinha a experiência de ter sido piloto de Fórmula 1, por isso naturalmente foi ele quem me guiou". A entrevista foi concedida a Julianne Cesaroli, da coluna Pole Position, quando Max tinha 17 anos.

Jos e Sophie se divorciaram em 2008 —o menino tinha 11 anos à época—, em meio a uma batalha judicial: a belga acusou o holandês de violência doméstica. Sophie, que chegou a ser bicampeã belga de kart e a bater pilotos que chegaram à Fórmula 1, como Jarno Trulli, em competições europeias, abandonou as pistas após o casamento com Jos, em 1996. Max, portanto, nunca viu a mãe competindo.

"Claro que eu não estava por perto quando ela estava pilotando, mas era legal ver as fotos."

Mark Thompson/Getty Images

Holandês sentia tédio por ficar em terceiro o tempo todo

Max Verstappen começou a correr aos quatro anos e, tido como um fora de série, atraiu investimento, contou com o networking de seu pai e logo chamou a atenção de equipes da F1.

Tanto, que ele não tinha nem um ano completo de experiência com carros de fórmula, em 2014, quando assinou o contrato com a Red Bull, escolhendo o programa da equipe em detrimento ao da Mercedes, que também o queria. O motivo? Helmut Marko ofereceu ao menino de 16 anos uma vaga de titular na F1.

A porta de entrada foi a Toro Rosso (hoje AlphaTauri), mas logo Jos pressionou a Red Bull para que Max subisse para o time principal, o que aconteceu no GP da Espanha de 2016, depois que a temporada já tinha começado. Ele correspondeu logo de cara e venceu a corrida, batendo inúmeros recordes naquele dia, mas os últimos anos coincidiram com o domínio da Mercedes, o que fez Verstappen, em suas palavras, ficar "entediado sendo terceiro o tempo todo".

Até que mudanças nas regras de 2021 deram a oportunidade para a Red Bull, e Max não desperdiçou sua primeira chance real de título na F1.

Red Bull

Mudança no regulamento permitiu ascensão da Red Bull

O fator mais decisivo para esse avanço da Red Bull aconteceu longe da fábrica da equipe em Milton Keynes, na Inglaterra. A pandemia fez com que a introdução de um novo regulamento técnico na F1 fosse atrasada em um ano. Com isso, os mesmos compostos de pneus seriam utilizados, e a fornecedora Pirelli temia que os carros ficassem rápidos demais para um produto que eles tinham desenvolvido em 2018. Então foi acertado um pacote que reduzia em 10% o nível de pressão aerodinâmica, a força que 'gruda' os carros na pista e permite que eles façam as curvas em alta velocidade.

Foram mudanças no difusor, no duto de freio e, principalmente, no assoalho, que acabaram ferindo mais os carros que tinham uma filosofia de rake baixo, ou seja, Mercedes e Aston Martin. O rake é a diferença entre a altura da dianteira e da traseira do carro em relação ao solo. Os demais times andam com a traseira mais elevada e dependem menos da pressão aerodinâmica gerada na parte do assoalho que foi cortada pelas regras. Isso explica por que a Mercedes perdeu terreno não apenas em relação à Red Bull, mas também à maioria do grid.

O time de Max Verstappen passou boa parte do campeonato do ano passado tentando entender por que às vezes colocava no carro peças novas que não funcionavam, e por que o carro era difícil de pilotar em algumas situações. A equipe se tornou um moedor de pilotos nos últimos anos, uma vez que só Verstappen conseguia se entender com o carro.

No final do ano, a situação já tinha melhorado bastante, e o veículo da atual temporada foi uma evolução, com tudo o que foi aprendido em 2020 sendo aplicado. E as rodadas, que eram comuns nos últimos campeonatos, viraram raridade.

O carro ficou mais nos trilhos e também ganhou mais potência: mesmo estando de saída da Fórmula 1, a Honda não poupou esforços para entregar o melhor produto possível ao cliente, e decidiu tocar o programa que seria para a unidade de potência de 2022 com um ano de antecipação. O motor a combustão ficou mais potente, e os japoneses resolveram seus problemas com o sistema de recuperação de energia, que não fica descarregado mesmo nas retas mais longas, ao contrário do que acontecia até 2020.

Recordes

  • 2014

    Se tornou o piloto mais jovem a participar de um fim de semana de corrida, nos treinos livres do GP do Japão de 2014, aos 17 anos e três dias.

  • 2015

    Piloto mais jovem a largar na F1, no GP da Austrália, aos 17 anos e 166 dias (esta é uma marca imbatível se as regras atuais forem mantidas, já que agora há um limite mínimo de 18 anos).

  • 2015

    Piloto mais jovem a marcar um ponto na F1, no GP da Malásia de 2015, aos 17 anos e 180 dias.

  • 2015

    Aos 18 anos e 229 dias, no GP da Espanha, se tornou: piloto mais jovem a liderar uma corrida de F1, na trigésima volta; piloto mais jovem a ir ao pódio da F1 e a vencer uma corrida da F1.

  • 2015

    Também no GP da Espanha, Verstappen se tornou o primeiro holandês a vencer na Fórmula 1.

  • 2021

    Piloto mais jovem a conquistar um grand chelem --pole, volta mais rápida, e vitória liderando todas as voltas-- no GP da Áustria, aos 23 anos e 277 dias.

Alfredo Estrella/AFP Alfredo Estrella/AFP

Piloto precisou controlar agressividade pra virar campeão

A pouca idade do campeão de 2021 da Fórmula 1 esconde uma experiência de 140 GPs em uma carreira que começou com muita agressividade e acidentes desnecessários, que hoje foram "limpos" pelo piloto. Sim, Verstappen continua sendo agressivo, e a temporada 2021 comprovou que o fato de ele não estar disposto a tirar o pé em lutas por posição, especialmente com o rival Hamilton, gerou alguns toques. Mas a evolução do seu estilo é clara.

Que o diga seu ex-companheiro de equipe, Daniel Ricciardo. "Acho que ele sempre teve uma abordagem agressiva, mas definitivamente amadureceu ao longo dos anos e certamente se envolve em menos incidentes em relação a seu primeiro ano na F1. Acho que ele deu uma polida na agressividade, mas ela ainda está lá. De certa forma, eu sempre respeitei isso: com Max, você sempre sabe que a briga será dura."

A fase mais crítica para Verstappen aconteceu no começo de 2018, quando ele se envolveu em sete incidentes nas seis primeiras provas. A partir dali, o holandês parece ter virado uma chavinha, limpando os erros e a inconsistência, sempre maximizando os resultados da equipe. Daí até o título, era só uma questão de ter um carro que permitisse lutar.

Arquivo Pessoal

Verstappen entrou na família Piquet e já passou férias no Maranhão

Foi nos Lençóis Maranhenses, no Maranhão, que Max Verstappen passou seus primeiros dias de 2021, de férias com a namorada Kelly Piquet e a família. De lá para cá, a relação de Max com a família do tricampeão Nelson se estreitou, e o holandês se tornou "um deles".

Um exemplo foi a resposta de Verstappen a uma pergunta sobre qual tinha sido sua melhor compra, ao que ele respondeu "minha namorada", referindo-se a Kelly. Enquanto o comentário foi criticado e apontado como machista nas redes sociais, entre os Piquet, a resposta foi recebida como uma piada que eles contariam em casa.

Na pista, o estilo de Verstappen agrada Nelson. "Ele é mais agressivo que o Hamilton. Ele pode cometer mais erros por isso mas, na minha opinião, ele é melhor do que o Hamilton", disse o tricampeão.

Seu filho e também ex-piloto de F1, Nelsinho, garante que o pai gosta do genro e até se identifica com ele. "É melhor ter uma pessoa honesta, transparente e clara na sua frente do que alguém que é falso, que é uma pessoa diferente quando está atrás das câmeras. Mas é quem ele é e meu pai respeita isso."

Aos 24 anos e dois meses:

  • Ayrton Senna

    Fazia sua estreia na Fórmula 1, pela Toleman, com alguns resultados expressivos (ele tinha idade semelhante a Verstappen quando conquistou o famoso segundo lugar sob chuva no GP de Mônaco). O brasileiro só venceria sua primeira corrida pouco depois de completar 25 anos.

    Imagem: Paul-Henri Cahier/Getty Images
  • Alain Prost

    Sequer tinha estreado na F1. Em 1979, quando completou 24 anos, o francês venceu os campeonatos francês e europeu de F3, e inclusive disse não para a oportunidade de pilotar um F1 no final daquele ano, julgando que não chegaria bem preparado. Entrou no grid na temporada seguinte, já como titular.

    Imagem: Getty Images
  • Juan Manuel Fangio

    O pentacampeão dos anos 1950 era quem estava mais longe da F1 aos 24 anos. Na verdade, o argentino só começaria sua carreira no automobilismo, ainda em seu país natal, aos 25 anos.

    Imagem: Universal Images Group via Getty Images
  • Lewis Hamilton

    O inglês já tinha sido campeão do mundo, e ainda corria pela McLaren. Estava iniciando sua terceira temporada na F1, tinha nove vitórias na carreira e 13 poles.

    Imagem: Umit Bektas/Reuters
  • Michael Schumacher

    Estava despontando como uma estrela do futuro, começando sua segunda temporada completa na F1, pela Benetton. Tinha apenas uma das 91 vitórias que conquistaria na carreira, na Bélgica no ano anterior.

    Imagem: LAT Images
  • Sebastian Vettel

    Estava embalando uma sequência de vitórias na segunda metade de 2011 para conquistar seu segundo título mundial. Com a idade que Verstappen tem agora, Vettel tinha vencido 16 provas, ou seja, não muito menos do que o holandês mesmo não tendo estreado tão cedo.

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