Aos 57 anos, Michael Jordan ainda está jogando. É algo que transborda na série "Arremesso Final", co-produção de Netflix e ESPN.
Durante dez episódios, o astro reflete incansavelmente sobre o quão competitivo era. Não importava o cenário: um ginásio de NBA lotado, elétrico; um campo de golfe no Arizona, que lhe permitia raros momentos de calmaria; os treinos com os colegas de time; ou alguma sala bem escondida do United Center, casa do seu Chicago Bulls, na qual podia envolver seguranças em qualquer disputa de palitinho.
Jordan nunca vai parar de disputar. Estamos falando de uma figura que, quando atleta, cancelou por duas vezes um anúncio de aposentadoria para voltar à NBA e testar seus limites. A diferença é que, agora, o astro está definitivamente afastado das quadras, embora não da liga. Ele é proprietário do Charlotte Hornets, fato que a série não encontra espaço para mencionar ou discutir em seus 517 minutos de duração.
Pois bem. É aqui que "Arremesso Final" —ou a "Última Dança" (numa tradução natural misteriosamente ignorada pela versão brasileira)— poderia ter sido um pouco mais transparente. Entre os produtores-executivos, constam os nomes de Curtis Polk e Estee Portnoy, aliados de longa data de Jordan, fundamentais na condução de seus negócios.
São figuras conhecidas por leitores de biografia do astro, mas não necessariamente notórias para o grande público, que tenham estampado manchetes no mundo tudo e conquistado fãs devido a sua graça atlética. Ou seja: foi encontrada uma solução menos agressiva do que simplesmente projetar nos créditos o nome de Jordan como um controlador daquele produto.
A obra foi ao ar 22 anos depois da captação de sensacionais imagens de bastidores da temporada 1997-98 dos Bulls, a que lhes deu o hexacampeonato. E Jordan teve controle editorial para contar sua versão da história para um público novo, que talvez só o tenha visto em ação em clipes granulados do YouTube.
A omissão das dificuldades enfrentadas pelos Hornets, no fim, só reforça o quanto trabalha, de modo meticuloso até, no cultivo —e mitificação— de sua imagem. E aí deixa claro o quanto ele está competindo.
Para constar, desde que passou a dar as ordens sobre os Hornets, em 2006, o clube só chegou aos playoffs em três ocasiões, sem nunca ter avançado para a segunda fase. Se, na narrativa defendida passionalmente por seu protagonista em quase sete horas de filmagem, "vencer é tudo o que importa", essa não era uma valsa a ser dançada.