Ele teve um milhão de amigos

Emissoras e gerações diferentes se unem em adeus a Rodrigo Rodrigues, morto aos 45 anos com covid-19

Do UOL, em São Paulo Divulgação

Ontem à noite, o SporTV, do Grupo Globo, e a ESPN, da Disney, fizeram algo quase impensável: uma transmissão simultânea. As duas rivais da TV a cabo se uniram para se despedir do apresentador Rodrigo de Oliveira Rodrigues, que morreu aos 45 anos por complicações da covid-19.

Ao longo do dia, ontem, profissionais de veículos tão diferentes como ESPN, Fox Sports, Esporte Interativo, Globo, Folha e UOL Esporte, e gerações como Juca Kfouri, Everaldo Marques e Ana Thaís Mattos, se revezaram em homenagens ao jornalista na tela do SporTV, onde Rodrigo apresentava o programa "Troca de Passes" desde o ano passado.

Dono de um estilo incomum para um jornalista esportivo, RR (como era conhecido) não era especialista em esquemas táticos e pouco falava sobre o futebol em si, mas era divertido como o esporte deveria ser.

Por trás das câmeras, marcou a vida de todos aqueles que cruzaram seu caminho. Será lembrado como uma pessoa que sempre arranjou tempo para ouvir os amigos e, quando possível, fazer a vida deles mais alegre. Em um meio competitivo e vaidoso como o da televisão, RR uniu tribos que, do contrário, teriam preferido se evitar.

Agregador, ironicamente, foi vítima de uma pandemia que exige isolamento, o que ele se esforçou ao máximo para fazer. Contraiu o novo coronavírus depois de ajudar um de seus grandes parceiros. Teve sintomas leves no começo, mas seu estado se agravou no último fim de semana. Acabou tendo uma trombose venosa cerebral, que acabaria sendo fatal.

RR deixa um filho e um milhão de amigos. A seguir, alguns deles, fazem mais uma homenagem à sua memória.

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Estranho no ninho, quebrou padrão sisudo do jornalismo esportivo

Se você procurar a definição de jornalista esportivo em qualquer manual de jornalismo, provavelmente não encontrará uma descrição exata da carreira de Rodrigo Rodrigues. Seu estilo era muito diferente do de seus colegas. Nas palavras do apresentador André Rizek, que chorou ao vivo enquanto repercutia a morte do colega, RR era "engraçado sem ser palhaço".

Suas fugas do roteiro pegavam a produção de surpresa e sua desenvoltura para criar situações graciosamente embaraçosas tornavam suas participações memoráveis. Um dia no SporTV, pegou o ex-jogador e atual comentarista Paulo Nunes de supetão ao questioná-lo se a beleza dos goleiros Alisson e Muriel, irmãos, atrapalhava um atacante na hora do pênalti.

Paulo Nunes e Ricardinho, seu companheiro de bancada, não conseguiram segurar a gargalhada. Tiradas como essa eram a marca registrada de RR.

Sua invenção como apresentador de programas de esporte deve ser creditada ao veterano José Trajano, que o levou para a ESPN. Muito emocionado ontem, Trajano contou a história do último contato com o amigo.

Estou inconsolável! Última vez que nos falamos no zap, ele escreveu: 'Se vc não tivesse me inventado no futebol, nada disso teria acontecido... Gratidão eterna.' Arrasado aqui, estou sem condições de atender os pedidos para falar do inesquecível Rodrigo, a alegria em pessoa."
José Trajano

Unanimidade, era querido e tinha um milhão de amigos

O narrador Gustavo Villani e Rodrigo Rodrigues se conheceram quando trabalhavam na ESPN. Era uma experiência nova para ambos: Villani deixava as transmissões de rádio para se aventurar na TV, enquanto RR, que antes cobria cultura pop, mergulhava no universo esportivo.

Falando no presente, como se o amigo ainda estivesse por perto, Villani lembra de um traço marcante da personalidade de RR. "Ele é amigo de todos os narradores. Num universo extremamente vaidoso onde um não se dá com outro, ele se dá com todos. Todos os narradores de todas as emissoras: Oscar Ulisses, Cleber Machado, Luiz Carlos Júnior, comigo, Paulo Soares... Ele circulava em todas as turmas."

Carioca, boêmio e abstêmio, RR era o último a deixar a mesa do bar, mesmo sem ingerir uma gota de álcool. Por outro lado, gostava de curtir seus momentos de solidão voluntária.

"Ele morava sozinho, viajava sozinho, ia ao cinema sozinho. Era algo muito contraditório", lembra Villani. "Conseguia agregar muita gente, mas ele mesmo fazia questão de ser sozinho. E nunca carente, pesado, melodramático... Pelo contrário, sempre positivo e alegre."

Solteiro, RR deixou um filho de 24 anos, cuja identidade foi revelada pela família apenas depois de confirmada a morte do jornalista.

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Os parceiros de RR

Se eu ficasse dois dias sem falar com ele, ele aparecia dizendo "Oi, sumida". Acho incrivel como ele tinha tempo para todos os amigos. Eu postava uma foto no Instagram e ele era o primeiro a comentar: "Que homem!"

Luiz Carlos Júnior, SporTV

A gente cantou tanto junto, a gente riu tanto junto. Eu ligava pra ele e chamava ele de canalha. E ele: "Seu cachorro, salafrário". A solidariedade, a disponibilidade dele, eu pouquíssimas vezes vi alguém assim

João Carlos Albuquerque, o Canalha, do UOL

Rodrigo Rodrigues fez um milhão de amigos e foi um dos grandes amigos que tive. Sua alegria, alto astral e entusiasmo estarão sempre entre nós. Rodrigo querido, você jamais será esquecido. Fará muita falta! Que tristeza! Que vazio!

Paulo Soares, o Amigão, da ESPN

Parceira de estreia, Janaina Xavier teve missão de noticiar morte

Ontem, às 12h27, Janaína Xavier teve a dura missão de confirmar ao vivo, no SporTV News, a morte de Rodrigo. Companheira de estreia do amigo no canal esportivo, a jornalista relembrou da amizade meteórica e lamentou a maneira na qual a despedida chegou.

"Senti que ele me escolheu para dar essa terrível notícia de sua partida. Foi emocionante... Quase que entendendo que foi a forma de fecharmos o nosso ciclo. Ele começou comigo, no meu programa, e coube a mim dar a notícia da despedida dele. Acho que o legado que ele deixa é de um jornalista super versátil, inteligente, culto, bem-humorado e cativante. Ele era de uma doçura ímpar. Nunca vou me esquecer dele", declarou Janaína.

Rodrigo e Janaína se conheceram de longe: enquanto ela comandava o SporTV News da bancada do estúdio no Rio de Janeiro, RR comentava direto da redação de São Paulo. Quando se encontraram "ao vivo", os dois se abraçaram e não se desgrudaram.

"O Rodrigo fazia tanta coisa: TV, rádio, banda, cuidava dos pais e ainda assim estava muito presente na vida dos amigos. Ligava toda a semana para perguntar sobre a vida. Nas horas divertidas e nas horas ruins, ele esteve presente. Quando fui internada com pressão alta, ele me cobriu no News e todo o dia queria saber como eu estava. Ele fazia isso com todos, é um dom.

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Flamenguista, desenhava e escrevia poemas sobre Zico

Rodrigo Rodrigues sempre foi apaixonado por futebol. E uniu sua paixão com seu talento para as artes. Além de apresentar programas, ele era músico, desenhista e se arriscava na poesia.

Colega dos tempos de ESPN, o veterano Juca Kfouri ficou surpreso ao saber que o jovem flamenguista RR costumava mandar cartas para a revista Placar, comandada por Juca. O tema era o ídolo maior do futuro jornalista: Zico.

"Ele mandava cartas com poemas e desenhos sobre o Zico. Sempre foi apaixonado pelo Zico. E eu sempre tive o hábito de responder o que era endereçado a mim. Já profissional, sabendo que ia me encontrar, ele me levou bilhetinhos brancos margeados em azul mostrando que eu respondia pra ele. Eram respostas [em que dizia] pra tocar em frente, que ele era talentoso. Eu fiquei tocado com ele e passei a assisti-lo", conta Juca, antigo chefe de reportagem da Placar.

Quando foi trabalhar na TV, RR conseguiu realizar o sonho de menino ao entrevistar Zico. E até cantar ao lado dele. Os dois acabaram virando amigos íntimos.


A gente pegava o telefone e era meia hora, 40 minutos conversando. Quando ele me entrevistou, ainda menino, ele tremia e eu mesmo conduzi a entrevista. E dali gerou uma amizade muito grande."
Zico

Divulgação

Roqueiro, reunia amigos e artistas online para tocar na quarentena

Durante a quarentena, Rodrigo Rodrigues encontrou um jeito de estar perto dos amigos. Em vídeos públicos em seu Instagram, ele aparece tocando e cantando com jornalistas e outros artistas, como Dudu Nobre e Zeca Baleiro.

RR conciliava o jornalismo com a música e chegou a ter um restaurante na zona oeste de São Paulo, onde tocava com sua banda, a Soundtrackers, especializada em reproduzir trilhas de cinema.

"O grande tesão da vida dele era tocar", afirma o jornalista musical Luiz César Pimentel, que trabalhou com RR. "Apesar de eu ter começado como repórter esportivo, na Folha, e ele ser hoje um dos principais nomes do jornalismo esportivo na Globo, em mais de 20 anos de amizade, não teve uma vez em que a gente sentou para falar de esporte", conta. "A gente só falava de música".

Os dois conversaram pela última vez em abril, no dia do aniversário do jornalista esportivo. "Rodrigo respirava vida. Hoje, me mandaram um vídeo dele tocando e eu fui assistir, para relembrar essa alegria toda. Só que foi pior, me deu uma tristeza tão, mas tão grande, que desisti."

Twitter/@AndreHenning Twitter/@AndreHenning

André Henning ganhou contrabaixo e violão de presente surpresa

O narrador André Henning já conhecia Rodrigo Rodrigues antes dele ser contratado pela Turner, dona do Esporte Interativo, onde ficou por um ano (2017). Generoso, RR avisou para Henning que o presentearia com um contrabaixo do mesmo tipo usado por Paul McCartney. E feito em Liverpool.

Ele sabia que o amigo era fascinado pelo ex-Beatle. Henning foi cobrir a Copa do Mundo da Rússia e, quando voltou de viagem, teve uma surpresa. "Ele descobriu o telefone da minha namorada, ligou, e fez que na hora que eu chegasse da Copa, o baixo já estivesse pendurado na sala. Dito e feito. Cheguei em casa, estava o baixo do Paul McCartney pendurado ", conta o narrador, emocionado.

RR também tinha um violão parecido com o usado pelo cantor e compositor americano Bruce Springsteen. "E eu sempre brincava com ele: 'Um dia você vai trazer esse instrumento aqui em casa'", lembra Henning. Depois de uma entrevista na Rádio Globo, Rodrigo surpreendeu o amigo e lhe deu de presente o tal violão.

"Violão você tem que casar. Você tem que ter um sentimento com ele. E esse violão, eu não tive o casamento com ele, mas acho que vai ser um bom casamento pra você", teria dito RR.

Alexia Santi/Folha Imagem Alexia Santi/Folha Imagem

Escreveu livros sobre a Blitz, Londres e Paris

A música fez os caminhos de Rodrigo Rodrigues e do cantor Evandro Mesquita se cruzarem. Autor do livro "As Aventuras da Blitz", banda da qual Evandro é vocalista, o jornalista acompanhou os integrantes para colher histórias. O livro foi publicado e RR entrou para o grupo de amigos.

"Ele foi chegando e conquistando a gente com esse astral dele", conta Evandro Mesquita. "Viajou de ônibus com a gente e conviveu com a banda quando escrevia o livro. Descobrimos afinidades. Ele era músico e tocava muito bem. E eu adoro futebol, sempre fui peladeiro."

Evandro Mesquita até já se escondeu pra conseguir ver um show da Soundtrackers, na Bahia.

"Uma vez fizemos um show na Ilha de Comandatuba que a Soundtrackers também fez, mas um dia antes da Blitz. Ele foi no meu chalezinho, e a gente levou um som na varanda. Ele me chamou pra ver o show deles, mas o show da Blitz era surpresa. Tive que ir escondido. Eu fui disfarçado, com camisa por baixo do chapéu. Foi inusitado ver o show deles meio de longe com essas condições."

Além do livro sobre a Blitz, RR escreveu guias turísticos que mostram como conhecer as cidades de Londres e Paris a partir do seu sistema de metrô.

Reprodução/Instagram

Contraiu a covid após encontro para ajudar amigo

Desde o começo da pandemia do novo coronavírus, Rodrigo Rodrigues defendeu a necessidade de isolamento social como medida de controle da propagação da covid-19. Segundo seus colegas, exceto ao apresentar o programa, ele estava sempre de máscara quando próximo de outras pessoas.

Sua última participação no "Troca de Passes" aconteceu no dia 9 de julho. No dia 4, Rodrigo tinha se encontrado com o comentarista Alê Oliveira, do Esporte Interativo, que acabaria sendo diagnosticado com covid-19.

RR entrou em quarentena e fez um teste de farmácia, que deu negativo, segundo o apresentador André Rizek. Ainda desconfiado, RR fez um teste laboratorial que, dessa vez, confirmou a infecção.

Seus sintomas foram leves a princípio. A amigos, relatou perda de olfato e paladar. No final da semana passada, porém, passou a sentir dor de cabeça. "Acho que estou gabaritando isso", chegou a brincar com o amigo Luiz Carlos Júnior, sobre os sintomas esperados da covid. Foi internado no sábado e logo entrou na UTI, em coma induzido.

"Houve um extravazamento de sangue nos vasos e isso gerou um aumento da pressão intracraniana", explicou o médico Gabriel Massot, do hospital da Unimed, no Rio. Uma cirurgia foi feita pra tentar diminuir a pressão no crânio, mas Rodrigo teve morte cerebral no final da manhã de ontem. Por causa da covid, os médicos impediram que seus órgãos fossem doados.

"A literatura sobre essa doença ainda está em construção, mas os casos de problemas vasculares têm sido observados após os 15 dias em pacientes com covid", disse o médico. "Mas esses fatores ainda estão sendo investigados."

Na segunda-feira, o comentarista Alê Oliveira, muito emocionado, chegou a se desculpar por ter ido encontrar o amigo. Segundo ele, RR estava tentando ajudá-lo por ele estar passando por problemas pessoais.

Reprodução/Instagram

Morte não apaga as lembranças de uma vida de risadas

Apesar de ter partido muito cedo, Rodrigo Rodrigues permanecerá vivo nas lembranças de seus amigos mais próximos. E todos eles terão motivos para sorrir ao lembrar das histórias mais engraçadas de um carioca que amava São Paulo. O narrador Gustavo Villani fez questão de contar mais uma delas:

"Ele me chamava de Tom Cruzes Mijão. Nessas madrugadas na Vila Madalena, em São Paulo, as nossas conversas nunca acabavam. Muitas vezes ele me dava carona, porque eu costumava beber e ele não. A gente ficava até fechar a porta do bar. Um dia fiquei apertado e falei que ia fazer atrás do carro dele.

Ele: 'Não, imagina, Guga, você é um cara da televisão. Na calçada, não. Não faça isso.'

Eu: 'Mas estou muito apertado, não vou aguentar até chegar em casa'.

Aí ele teve uma sacada. Não sei por que cargas d'água ele tinha uma máscara do Tom Cruise no carro dele, e me emprestou a máscara. Coloquei e fiz meu xixi atrás do carro. E ele, muito canalha — um adjetivo que ele usava muito — fez o registro: eu fazendo xixi com a máscara.

Aí que surgiu o apelido: Tom Cruzes Mijão. Ele me passou a chamar assim até no ar, ao vivo. Eu falava: para com isso, porque um dia vamos ter que explicar.

Agora ele me deixa aqui cheio de saudade. E a história merece vir à tona porque diz muito sobre ele."

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