Galo grita após 50 anos

Atlético-MG desbanca dupla Flamengo-Palmeiras com alto investimento, brilho de Hulk e volta de Cuca

Lohanna Lima e Victor Martins Do UOL, em Belo Horizonte Jhony Pinho/AGIF

Acredite, atleticano. Com a incrível virada sobre o Bahia hoje —3 a 2, três gols em cinco minutos, o Galo é o campeão brasileiro de 2021. Foram quase 50 anos de espera. De maneira incontestável, superando a dupla Flamengo e Palmeiras, que se ensaiava hegemônica, o Atlético-MG coloca o dia 2 de dezembro de 2021 no seu calendário histórico. No mesmo patamar do 19 de dezembro de 1971, data do primeiro título.

Foi uma conquista muito diferente do que o atleticano está acostumado. Financiado por quatro mecenas, o clube formou um elenco estelar. O trabalho de reestruturação começou em 2020, com Jorge Sampaoli, mas bateu na trave. Com o alto investimento, ser campeão brasileiro virou uma questão de honra para o Atlético.

Cuca retornou ao clube, após oito anos, e o elenco que já era bom foi reforçado. Chegaram Nacho Fernández, Diego Costa e Hulk, o grande protagonista da campanha alvinegra. Se o atleticano viu quase tudo nas últimas cinco décadas, faltava ver seu time ser campeão brasileiro. Nem mesmo Ronaldinho Gaúcho foi capaz de dar um Brasileirão ao Galo —ele conquistou a América, diga-se. A conquista de 2021 representa o fim de um jejum de gerações de torcedores atleticanos e de "zoação" dos rivais.

Embora o duelo decisivo hoje em Salvador tenha começado com um susto, o título foi conquistado com tranquilidade, com duas rodadas de antecedência. Tanta tranquilidade que nem parece ser real, nem parece que é o Atlético mesmo. Para o torcedor, independentemente da queda na Libertadores ou do que aconteça na final da Copa do Brasil contra o Athlético, o ano já está ganho.

Jhony Pinho/AGIF
Pedro Souza/Atlético

Hulk, negócio realmente da China

Reverenciado por outros ídolos do Atlético-MG, aplaudido nas arquibancadas, sem limite de idade: Hulk é o craque e um artilheiro para a história. Bem que o Palmeiras havia pensado na contratação antes. O Flamengo também sondou. O Galo levou.

A negociação com o jogador no início da temporada pegou muita gente de surpresa. Muitas interrogações surgiram após o anúncio. Jogando por tantos anos na China, como Hulk ia se sair no futebol brasileiro?

Torcedores tinham referência do Hulk da seleção de 2014 — o que, depois do 7 a 1, não é boa coisa. Pois Hulk chegou, vestiu a camisa, impressionou pelos cuidados com o corpo fora das dependências da Cidade do Galo, mas esbarrou no primeiro obstáculo: ganhar a confiança de Cuca.

Hulk cobrou o treinador por mais sequência como titular no início da temporada. O treinador atendeu o pedido, e o episódio tornou-se um divisor de águas para ambos. O jogador marcou nos quatro jogos seguintes, arrancando para ser o artilheiro do time, mas também dando sua contribuição como garçom.

Aos 35, muito tempo depois de sair do Brasil para construir carreira no exterior, Hulk termina o ano como o grande nome do futebol brasileiro em 2021. Dono do maior salário do elenco, mas dando o retorno esperado. Até o momento, balançou as redes 33 vezes, em 65 jogos, provocando euforia nos mais jovens torcedores e também naqueles que vibraram com gente como Dadá, Reinaldo, Marques, Tardelli e tantos outros.

São quase 17 anos de profissional, são quase 20 títulos, mas esse para mim vai ser o mais especial, devido à história do clube. São cinco décadas sem ganhar um Brasileiro, que é tão importante. Essa torcida merece demais. É muito gratificante a gente chegar no Mineirão e receber esse calor.

Hulk, atacante do Atlético-MG

Pedro Souza/Atlético-MG

Cuca já é o maior?

Responsável por conduzir o Atlético ao inédito título da Libertadores de 2013, o técnico Cuca, ao conquistar o Brasileiro após jejum de 50 anos, se tornou o maior técnico da história do Galo? A temporada impressionante dá ainda mais força à pergunta.

No Brasileirão, Cuca impulsionou seus comandados a uma campanha marcante. Eles tiveram uma invencibilidade de 18 jogos, uma série de 15 vitórias consecutivas como mandante e chegaram ao título com apenas cinco derrotas. É do Atlético a melhor defesa do campeonato, com 27 gols sofridos e o segundo melhor ataque com 60 anotados.

Diferentemente da passagem anterior, Cuca apresentou ao torcedor um time mais maduro em campo, com solidez defensiva e controle mental durante temporada. O "Galo Doido" ficou de canto.

Telê Santana, campeão brasileiro em 1971, e Levir Culpi, que conquistou a Recopa e a Copa do Brasil de 2014, além de conduzir o Atlético ao retorno à Série A em 2006, são dois que concorrem ao posto de maior treinador do clube. Mas os títulos da Libertadores e do Brasileiro jogam a favor de Cuca.

Essa é uma pergunta que mexerá sempre com o torcedor. Escolher o maior ou melhor nem sempre tem a ver apenas com as conquistas. Cuca enfrentou protestos da torcidas em sua chegada no início da temporada. O começo de seu trabalho não foi considerado animador para muitos. Agora, além do Brasileiro, o técnico poderá terminar com a Copa do Brasil. O time enfrenta o Athlético-PR no próximo dia 12 no jogo de ida da final.

Alessandra Torres/AGIF Alessandra Torres/AGIF

Atlético e a massa: a paixão venceu

Uma torcida que tem um time de futebol. Assim é a relação entre o Atlético-MG e a arquibancada. Os números da temporada 2021 não deixam qualquer dúvida sobre o potencial do time alvinegro quando movido por seus torcedores.

Pela décima vez o Atlético vai terminar uma edição do Brasileirão com a maior média de público, empatando com o Corinthians e ficando atrás apenas do Flamengo. A média atleticana é superior a 40 mil torcedores por jogo, mesmo sem poder usar a capacidade do Mineirão em quatro das nove partidas com público.

Com a torcida empolgada e os reajustes no preço a cada rodada, o Atlético quebrou mais um recorde. A renda da partida contra o Fluminense é a maior da história do Brasileirão na era dos pontos corridos. Foram R$ 7,1 milhões arrecadados na bilheteria. O faturamento total já passa de R$ 21 milhões, num curto período de portões abertos.

Nesta reta final do Brasileiro, o programa Galo na Veia explodiu de vez. No dia 5 de novembro, o clube comemorava a marca de 90 mil sócios. Menos de um mês depois, já são quase 120 mil atleticanos associados.

O Atlético se tornou uma equipe praticamente imbatível no Mineirão. A única derrota foi na primeira rodada, para o Fortaleza, ainda com portões fechados. A atual sequência de vitórias como mandante é a maior de todos os tempos na competição —são 15 triunfos consecutivos.

Divulgação/Arena MRV

Mecenato com R

Hulk foi o protagonista do Atlético-MG na conquista do Campeonato Brasileiro. Cuca foi o responsável por gerir um elenco recheado de grandes jogadores. Seus nomes estão eternizados na história do clube, mas essas contratações só foram possíveis graças ao investimento feito por quatro mecenas atleticanos. Foi com o dinheiro dos chamados "4 R's" que o Galo conseguiu contratar Guilherme Arana, Allan, Junior Alonso, Alan Franco, Zaracho, Nacho Fernández, Savarino, Vargas e Keno.

Foram cerca de R$ 400 milhões em aportes dos investidores Rubens Menin, Rafael Menin, Ricardo Guimarães e Renato Salvador. O valor será pago de volta paulatinamente, com o lucro proveniente de vendas de jogadores. O Atlético ainda não tem fluxo de caixa para andar com as próprias pernas. A folha salarial é de cerca de R$ 15 milhões e só está em dia pois a diretoria executiva tem o escudo formado por seus mecenas.

A ideia é mudar a realidade nos próximos anos, transformando o Galo em um clube eficiente administrativamente, com dívidas controladas e um novo estádio. A construção da Arena MRV nos próximos anos tem aval dado pelos investidores. Os recursos são 100% do clube, que vendeu metade de um shopping na Zona Sul de Belo Horizonte, além do nome do estádio, cadeiras cativas e camarotes.

O objetivo é que, quando inaugurada, a Arena já esteja quitada. O grupo de investidores por trás do Atlético contribuiu doando o terreno, comprando os naming rights e dando garantias financeiras caso as vendas de cadeiras e camarotes fracassassem.

Foto: Bruno Santos - 26.set.19/Folhapress

Rubens Menin

É tido como o idealizador do grupo que mudou o rumo da história do Atlético. Patrocinador do clube desde 2004, foi quem teve participação ativa para a construção do estádio do clube. Doou o terreno e ainda comprou o nome do local. Rubens é dono da construtora MRV e do banco Inter, investiu na criação da CNN Brasil e tem patrimônio líquido superior a US$ 1 bilhão, segundo a revista Forbes

Bruno Cantini/Atlético-MG

Rafael Menin

Filho de Rubens, é o CEO da MRV e é o membro mais jovem do grupo. O executivo de 41 anos é quem tem participação mais ativa na administração do clube, promovendo uma verdadeira reforma com visão empresarial nos últimos meses: corte de gastos com demissões, ajustes e contratações de profissionais específicos. A ideia era deixar a estrutura enxuta, mas mais eficiente

Bruno Cantini/site oficial do Atlético-MG

Ricardo Guimarães

Presidente do Atlético entre 2001 e 2006, injetou muito dinheiro no clube durante sua gestão. Mesmo assim ficou marcado pelo rebaixamento à Série B em 2005. Agora, aos 60, vai recuperando sua imagem entre os atleticanos. O banqueiro fez um acordo generoso: reduziu a dívida do clube com ele de R$ 155 para R$ 85 milhões, sendo que R$ 65 milhões são pagos via patrocínio no uniforme

Divulgação/CAM

Renato Salvador

Do quarteto que mudou o rumo da história do Atlético, é o mais discreto.. A relação dele com o clube não é nova --foi vice-presidente na primeira década dos anos 2000. É quem tem maior participação no futebol e quem escutava todos os pedidos de Jorge Sampaoli, durante conversas quase todos os dias pela manhã, geralmente por telefone. Hoje é interlocutor do diretor Rodrigo Caetano

Quando o Sampaoli veio para o Atlético, a verdade precisa ser dita, ninguém queria jogar aqui. Não conseguia contratar um diretor de futebol, não conseguia contratar um técnico, o Atlético estava com uma fama muito ruim no mercado. O Hulk não teria vindo no ano passado, o Diego Costa não teria vindo no passado. O Sampaoli foi importante para essa mudança. Ele fez indicações de jogadores que estão aqui hoje, se destacando, que foram dele.

Rubens Menin, empresário brasileiro e mecenas atleticano

Abascal Meireles/Agência RBS

O Atlético-MG saiu da fila. Eles ficaram...

Quais clubes estão há mais tempo sem repetir o título na elite nacional?

1º - Guarani (1978) - 43 anos

2º - Internacional (1979) - 42 anos

3º - Coritiba (1985) - 36 anos

4º - Sport (1987) - 34 anos

5º - Bahia (1988) - 33 anos

6º - Botafogo (1995) - 26 anos

7º - Grêmio (1996) - 25 anos

8º - Vasco (2000) - 21 anos

9º - Athletico-PR (2001) - 20 anos

10º - Santos (2004) - 17 anos

Fernando Moreno/AGIF

Um jogo-chave

Uma partida que poderia ter mudado o rumo do Alético no Campeonato foi o encontro com o Inter, no Mineirão, pela 23ª rodada, quatro dias após a eliminação do time para o Palmeiras na semifinal da Libertadores. Qual o peso emocional cairia sobre os jogadores após o baque?

Torcedores —e jogadores— demonstravam certo nervosismo no início da partida. A queda continental mesmo com números expressivos na temporada levantou questões sobre um possível profundo impacto sobre o time.

O jogo teve a marcação como ponto forte na primeira etapa, e a vitória veio a partir das mexidas de Cuca no segundo tempo. Keno, que andava apagado e havia se recuperado de uma virose, foi o autor do gol da vitória alvinegra, por 1 a 0, com assistência de Hulk. Após o jogo, Cuca fez uma longa análise do emocional do time.

"A gente tinha a melhor campanha da Libertadores, invencibilidade, e fomos eliminados dentro dos critérios da competição, e somos colocados em xeque quatro dias depois. É lógico que o emocional não vai estar tranquilo. Não só o emocional do jogador, mas do torcedor também. O jogo começou com a torcida pedindo raça, que é uma música conhecida. E, geralmente, isso acontece quando ela não está plenamente satisfeita. Veja como são as coisas. São números expressivos que temos, e tudo é colocado em xeque. O time ficou nervoso, o torcedor também. Uma vitória que tira um peso das costas", avaliou na ocasião.

Divulgação Divulgação

Os Atléticos que bateram na trave desde 1971

  • 1977

    Vice-campeão invicto. Perdeu o título na decisão por pênaltis para o São Paulo, no Mineirão. Em 21 jogos foram 17 vitórias e quatro empates, incluindo a decisão. Reinaldo foi o artilheiro, com 28 gols em 18 partidas, mas ficou fora da final. O camisa 9 foi expulso um mês antes, mas foi julgado somente na semana do jogo decisivo. Nos pênaltis, o Galo chegou a fazer 2 a 0, mas perdeu três cobranças seguidas e perdeu

  • 1980

    Atlético e Flamengo fizeram o que é para muitos a maior final da história do Brasileiro. Os dois times eram a base da seleção que em 1982 encantou o mundo, e Reinaldo e Zico eram as principais atrações. Reinaldo marcou todos os gols do Galo na decisão --triunfo por 1 a 0, no Mineirão, e derrota por 3 a 2, no Maracanã. O drible de Nunes em Silvestre, no lance que originou o gol decisivo, é lamentado até hoje pelos atleticanos

  • 1987

    Eliminado pelo Flamengo na semifinal. Assim como em 1971, o Galo era comandado por Telê Santana. O time alvinegro foi vítima de um regulamento cruel. Os participantes da Copa União eram divididos em dois grupos e jogavam dois turnos. O Atlético foi o campeão do grupo dele nos dois turnos, mas, em vez de ir direto para a final, teve de jogar a semifinal com o Flamengo e foi derrotado nos dois jogos

  • 1999

    Aqui, o Corinthians era o grande favorito diante de um Atlético que se classificou para o mata-mata apenas na última rodada. Depois de superar o rival Cruzeiro e o Vitória, o Galo vendeu caro o título. Numa final disputada em três partidas, o Atlético somou quatro pontos, com uma vitória, uma derrota e um empate. O jogo decisivo, no Morumbi, teve o goleiro Dida protagonista. O Galo não contou com Marques, que estava lesionado

  • 2012

    Ronaldinho Gaúcho teve seu melhor momento atuando no Brasil. Era o maestro de um Atlético que chegou a encantar. Fez a melhor campanha do primeiro turno, mas caiu de rendimento nos jogos fora de Belo Horizonte e perdeu a disputa para o Fluminense. Ficou com mais um vice. Cuca já era o treinador do Galo e ali nasceu o time que no ano seguinte seria campeão da Copa Libertadores

  • 2015 e 2020

    Em 2015, o Galo foi líder algumas rodadas e depois o principal perseguidor do Corinthians, mas levou 3 a 0 no confronto direto, no Independência, e ficou com o vice novamente. Já na temporada passada o Atlético de Jorge Sampaoli ficou em 3º, somente três pontos atrás do campeão Flamengo. Para desespero dos atleticanos, o Galo perdeu jogos para Vasco, Goiás e Botafogo, que foram rebaixados

Jorge Araújo/Folha Imagem

E uma escala na Série B

Entre os títulos de 1971 e 2021, o Atlético-MG passou pela Série B do Campeonato Brasileiro. O rebaixamento de 2005 [na foto, o atacante Fábio Júnior], que já havia sido ensaiado em 2004, resultou, por incrível que pareça, em uma época de boas lembranças para o torcedor.

O Galo teve um começo ruim na Segunda Divisão e chegou a ficar na 14ª colocação, mas reagiu com o técnico Levir Culpi e fez jogos com, adivinhem, Mineirão lotado como combustível. Numa época de vacas magras, o título da Série B de 2006 foi bastante festejado pela torcida atleticana.

O Galo ainda tem fome

O Atlético-MG quer mais, muito mais. O clube tem muita fome de títulos e a conquista seguinte pode acontecer ainda em 2021. O Galo está na final da Copa do Brasil e tem o Athletico-PR como adversário. Dois títulos nacionais numa mesma temporada seria algo inédito na história alvinegra. A atual gestão espera que esse seja o início de uma era vencedora.

Por ora, está claro que issó foi possível graças à intervenção dos conselheiros Rubens Menin, Rafael Menin, Ricardo Guimarães e Renato Salvador. Sem o dinheiro deles, o Atlético jamais teria um elenco desse poderio. O aviso ao restante do país é que os investimentos que começaram em 2020 não vão parar em 2022.

Até porque, fomentado pelos ótimos resultados, o clube já vai engordando suas receitas. Elevou o número de sócios-torcedores, a bilheteria voltou a ser uma importante fonte de renda junto às ativações de marketing, sem contar, claro, a premiação gerada pelo desempenho nas competições.

A projeção de faturamento para 2021 está na casa dos R$ 400 milhões. Dentro do clube já há quem enxergue um cenário extremamente positivo, em que o Atlético consiga superar a barreira de R$ 500 milhões de faturamento. Porém, o Galo ainda não é capaz de caminhar com as próprias pernas.

"O projeto para o ano que vem do Galo ainda não está pronto, mas 2022 vai ser melhor que o de 2021. Isso tenho certeza. Pagamos muitas dívidas ao longo do ano. Nós queremos melhorar o time sempre, acho que o Atlético está muito bom, mas acho que precisa de mais alguma coisinha", disse Rubens Menin, dono da MRV e do Banco Inter.

Os 60 gols que deram o título ao Galo

Pedro Souza/Atlético Pedro Souza/Atlético
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