Nosso japonês

Com jeito calmo, dedicação e acupuntura, Augusto Akio chegou ao bronze. Mas não se engane: ele é brasileiro

Thiago Arantes Do UOL, em Paris Luiza Moraes/COB

"Um campeonato de skate não começa no primeiro treino oficial. Ele começa quando você dá bom dia para o primeiro segurança que está na porta da arena".

Augusto Akio gosta de pensar nas coisas como processos, dando atenção a detalhes, valorizando pessoas que muitos consideram invisíveis. A filosofia de vida do quarto medalhista do skate brasileiro em Olimpíadas é uma herança de família (a modalidade tem cinco pódios).

Mas a medalha de bronze, conquistada na arena de La Concorde, não começou a ser construída quando ele deu bom dia ao primeiro segurança. A história começou muito antes, quando o avô materno de Akio, Fumio Takahashi, deixou o Japão para recomeçar a vida no Brasil.

Hoje medalhista olímpico, Akio é uma mistura dos dois mundos. Capaz de cantar "maluco beleza" para explicar como está depois de subir ao pódio olímpico; mas também de se emocionar ao relembrar a história e os esforços de todos para que ele chegasse até ali.

No esporte em que os japoneses são vistos como potência, o medalhista do park carrega uma parte da filosofia oriental em seu jeito de falar, de ver o mundo e até de usar técnicas de acupuntura para relaxar.

Só que, quando ele resolve sair do script e viajar — e ele gosta muito — ninguém tem dúvidas: o "Japa" é brasileiro.

Luiza Moraes/COB
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Voo da medalha na última tentativa

O medalhista de bronze conseguiu por pouco a vaga na final olímpica.

Ele fez duas boas voltas e conseguiu um 88,98 como melhor marca pessoal. Mesmo na terceira bateria, precisou observar os adversários para entender seu destino.

Ao fim das contas, o brasileiro avançou a decisão em oitavo, justamente na última posição que dava vaga à final. E viu os compatriotas Pedro Barros e Luigi Cini ocuparem as posições logo acima, em sexto e sétimo.

Mas na final, o jogo zerou.

Ele foi o primeiro a ir para a pista. Na primeira volta, errou logo a primeira manobra. No quadro de notas, um 2,66.

A pressão foi crescendo. E a nota do Japinha também. Fez um 86,41 na segunda tentativa, mais uma vez caindo - só que na reta final da volta. E, na terceira, decolou com um 91,85.

Pedro Barros veio depois e cravou muito perto, um 91,65. Depois, foi ver o que o americano Tate Carew, o australiano Keefer Wilson e o italiano Alex Sorgente fariam. Os três foram ao chão, e o bronze veio.

Luiza Moraes/COB

As viagens de Akio

Fazer uma pergunta a Augusto Akio é sempre uma aventura, porque a resposta pode ir para qualquer lugar. Aconteceu logo depois da conquista do bronze. O questionamento era simples, e o medalhista simplesmente deixou fluir.

Akio, e a sua prova?

Desci já com o skate virado, pum! Entrei de roll in. Tá, não posso colocar o pé muito antes da volta, porque senão o tempo já fica rodando. Então eu aproveitei a descidinha, que já tinha a rampa, joguei o skate virado, já na descida da onda que tinha na plataforma. Entrei de roll in botando pressão? Nossa! Já tinha uma parede de frente pra mim!

"Ali, pô, já dei de cara com a parede, tem que bombar o pé, tem que estar ajeitado um pouco pra fora, mas não muito, também não muito pra trás. Porque essa manobra eu sei que eu preciso que o calcanhar e a lateral do meu tornozelo raspe no nose de maneira eficiente, para que nem gire demais e nem de menos, e que o skate se mantenha próximo de mim a ponto de eu conseguir segurá-lo, sem enxergar muito bem e mirar a volta. Porque a volta também é importante. Se eu estiver muito afastado, eu vou receber um impacto muito grande na hora da aterrissagem. É punk. É super punk, então tem tudo isso que tá acontecendo".

Já sabendo que essa era só a primeira manobra da volta.

FRANCK FIFE/AFP FRANCK FIFE/AFP

Acelera, mãe!

O primeiro skate de Augusto Akio foi um presente de Natal, em 2007, comprado em uma loja de departamentos. A mãe, a médica Silvana Takahashi, teve um papel importante na relação do filho com o brinquedo, que logo virou profissão.

Mesmo com dois empregos — em um hospital público e em uma clínica de acupuntura —, era ela quem levava o filho, ainda adolescente, para os campeonatos de skate. A família vivia no Paraná, e as estradas eram rotina. São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Rio Grande do Sul.

"Era tudo viagem de carro. Mano, eu não sei como que ela aguentava!", disse Akio, com a medalha no peito, a poucos metros de sua primeira fã. Para espremer as viagens no calendário familiar, Dona Silvana pisava fundo.

"Às vezes eram viagens de até 12 horas. E isso que a minha mãe ia "chutadona" na estrada, porque se fosse eu, do jeito que eu dirijo hoje, levaria uns dois dias", brinca o medalhista.

Com o tempo, a mãe não precisou mais acelerar; as viagens passaram a ser internacionais, de avião, e ela pôde estar em Paris para ver a conquista de perto.

"A gente nunca imaginava que ia viajar o mundo por causa do skate. A única coisa que a gente queria é que ele fosse feliz. Nunca foi sacrifício, sempre foi um grande prazer. De estar juntos e fazer juntos", disse Silvana, emocionada, logo depois da conquista.

Valeu a pena acelerar pelo sonho do filho.

É agradecer até aquelas pessoas que, mesmo indiretamente, fizeram parte da minha caminhada. Cheguei aqui com muito esforço, é mérito meu, mas essa medalha também... é dos organizadores de eventos que fizeram campeonatos de skate que eu participo desde criança. Eles me construíram como um atleta. Eu estava sendo preparado para chegar em um momento deste e estar aqui não só por mim, mas pelos meus amigos do dia a dia, pela minha família que sempre me apoiou.

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Augusto Akio, medalhista de bronze no skate park

REUTERS/Mike Blake

O peso do skate para o Brasil

O bronze conquistado por Augusto Akio é significativa porque faz o skate decolar para o top 10 de modalidades mais relevantes para o Brasil em números de medalhas olímpicas. E isso com apenas duas edições.

Sobre rodinhas, o Brasil já parou cinco vezes no pódio olímpico (três pratas e dois bronzes).

Na divisão do próprio skate, são três medalhas no street e duas no park — Akio faz parte do segundo bloco.

O skate já superou o basquete no quadro de medalhas histórico do Brasil. A modalidade tem uma prata e quatro bronzes.

Nesse ritmo, o skate pode se aproximar em Los Angeles da representatividade de outras modalidades mais tradicionais na história olímpica do Brasil.

O boxe tem nove medalhas — com a vantagem de que duas delas são de ouro. O futebol também tem nove, mas a décima será da seleção feminina ainda em Paris. A dúvida é se será ouro ou prata.

Mais do que números, o skate também passa a formar ídolos (e jovens), arrebatando sobretudo os jovens. Basta olhar o efeito Rayssa Leal, a Fadinha.

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Japão, o país do skate

Os resultados das Olimpíadas de Tóquio-2020 e Paris-2024 não deixam dúvidas: o Japão é o país do skate.

O domínio é grande: seja qual for a prova, sempre que há um representante do Japão, os rivais e o público já ficam atentos. E, quase sempre, os orientais levam a melhor. Somando Tóquio e Paris, em oito provas - Street e Park, masculino e feminino - o país conquistou nove medalhas: cinco ouros, três pratas e um bronze.

Mas, afinal, o que explica esse domínio dos japoneses em uma modalidade historicamente dominada por Estados Unidos e, em menor medida, pelo Brasil?

"Eu não sei o que eles estão fazendo lá, cara. Mas certamente estão fazendo alguma coisa. Essa é uma pergunta que eu quero saber a resposta", brincou Nyjah Huston, lenda da modalidade, ao ser perguntado pelo UOL.

"O que é interessante nos skatistas japoneses é que a personalidade deles funciona muito bem para ser um ótimo skatista: é necessário precisão, muito treino, disciplina para treinar manobras, errar e prosseguir. Talvez eu tenha um pouco disso, sou 25% japonês, tenho uma avó japonesa", disse Huston.

O UOL perguntou ao bicampeão olímpico do street, Yuto Horigome, qual o segredo. Ele sorriu, olhou para os lados como se procurasse ajuda para responder, mas não disse muito. "Olha, eu realmente não sei. Foi muito difícil conseguir a vaga na equipe para chegar até aqui, o nível é alto".

REUTERS/Pilar Olivares

De onde vem o malabarismo

Além de skatista, Akio também é malabarista. Não como profissão, claro. Mas ele incorporou a habilidade em fazer objetos voarem entre as mãos com a performance no skate.

Ele aprendeu sozinho, curiosamente. Tinha trancado a faculdade no Brasil para ficar mais um tempo em ação nos Estados Unidos, só que machucou o quadril em uma competição.

No estaleiro, aprendeu um passatempo, que de certa forma também se tornou terapêutico e educativo. Afinal, só se aprende malabarismo com muita insistência.

Os objetos para o show de malabarismo passaram a acompanhar o brasileiro nas competições. Ele usa na abertura, quando é apresentado, e às vezes fica brincando entre as provas.

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Início no vertical até a vaga olímpica

Augusto Akio começou a se destacar no skate quando tinha 11 anos. A base da modalidade em Curitiba é forte, e ele primeiro passou a mostrar talento no vert — justamente aquele com rampa em U e que faz os skatistas decolarem fazendo manobras. Akio tinha uma rampa nos fundos de casa e só se desfez dela quando ficou pequena demais para o nível que tinha alcançado.

Em 2019, o brasileiro foi bronze no Mundial de Skate Vert. Até por estar fora do roteiro do park, que virou olímpico, não conseguiu a vaga para os Jogos Olímpicos de Tóquio. Para o ciclo seguinte, a história foi diferente. Em 2023, ele foi vice-campeão mundial no park, superando até mesmo o próprio Pedro Barros.

Repetiu a prata nos Jogos Pan-Americanos de Santiago, em 2023. Além disso, fechou o ano como melhor brasileiro na corrida olímpica. Não por acaso, conquistou a vaga para os Jogos Olímpicos na condição de sexto melhor do mundo. E, agora em Paris, veio a medalha.

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