Mãe, pai: deu certo!

Bárbara Coelho vendeu carro para ir à Copa sozinha, se mudou para o Rio e hoje comanda o EE

Beatriz Cesarini Do UOL, em São Paulo João Miguel/Globo

Quando Bárbara Coelho coloca uma coisa em sua cabeça, não há quem consiga tirar. De alguma forma, ela sabia que os meios que usou para chegar ao objetivo valeriam a pena. Foi assim quando Bárbara, aos 23 anos, decidiu vender seu próprio carro para viajar à África do Sul em 2010.

A ideia era fazer uma cobertura independente da Copa do Mundo para usar como cartão de visitas. Os pais, Maria Inês e Francisco Vicente, não gostaram. Ela, no entanto, enchia o peito para falar: "Pai, mãe: Vai dar certo!"

Sem credencial e com pouco dinheiro, a capixaba dividiu um motorhome para compartilhar seu olhar sobre o mundial. Os perrengues serviram de aprendizado para o que viria pela frente. Com uma Copa no currículo, Bárbara se formou e não sossegou. Com seu mantra otimista na cabeça, colocou um ventilador e uma televisão embaixo do braço, pegou um ônibus e partiu para o Rio de Janeiro para morar de favor na casa de uma amiga. Tudo em busca de oportunidades.

Depois de 12 anos daquela cobertura independente da Copa da África, Bárbara Coelho está à frente do Esporte Espetacular, um dos principais programas do Grupo Globo. Amanhã, comanda a estreia do novo estúdio da atração dominical. Como ela previu, deu tudo certo!

João Miguel/Globo
Sérgio Zalis/Globo

"É isso que eu quero"

A paixão pelo esporte está em Bárbara desde que nasceu. A capixaba de 34 anos adorava jogar bola e frequentar estádios com o pai Francisco e o irmão Bruno. A comunicação chegou na adolescência, quando ela percebeu que cursar jornalismo seria uma boa. Ela sempre foi expansiva e extrovertida.

O grande encontro das paixões aconteceu quando Bárbara avistou repórteres mulheres trabalhando no gramado do estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro. "Vou viver disso. Tenho certeza que vou viver disso. Um dia, serei eu trabalhando aqui. Eu amo isso, me interesso muito e posso fazer disso uma profissão", pensou a jovem.

E você já entendeu, né: quando Bárbara coloca algo na cabeça...

"Queria pra ontem! Eu sempre fui uma pessoa que não demora muito para tomar decisão. Cheguei em Vitória e comecei a correr atrás. Um amigo meu da faculdade contou que tinha surgido uma vaga na Rádio Espírito Santo, uma emissora local. Ele falou que não tinha mulheres, mas que era para tentar", relembrou.

Jair Batista foi quem abriu as portas para mim — ele morreu há um mês. Pedi demissão da empresa de eventos, onde fazia estágio, e fui. Comecei a encher o saco do Jair todo dia, todo dia, todo dia. Brinco que eu venci pelo cansaço. Não foi pelo talento ou pela experiência, até porque eu não tinha nenhuma. Mesmo assim, ele me deu uma oportunidade. Eu tinha 19 anos e foi assim que começou. A partir dali, eu comecei a conquistar meu espaço".

Se meu sonho é ir para o Rio ou para São Paulo, eu vou ter que fazer alguma coisa diferente. Não adianta chegar lá, bater na porta da galera e dizer que trabalhei na Rádio Espírito Santo, na TV Capixaba."

Bárbara Coelho

Arquivo Pessoal
Bárbara Coelho segura bandeira do Brasil durante Copa do Mundo da África do Sul

"Vou vender meu carro para cobrir a Copa da África"

Bárbara sabia que o emprego na rádio era só o começo. Ela queria chegar nas grandes emissoras de Rio de Janeiro ou São Paulo e, para isso, precisaria de uma experiência de peso no seu currículo. Nasceu, então, a ideia de cobrir uma Copa do Mundo.

"A Copa da África estava se aproximando e um colega meu da Band do Espírito Santo falou que ia em um motorhome com uma galera. Perguntei, como quem não quer nada, em um dia normal de trabalho, se eu poderia ir. Ele falou que só iriam homens e precisaria ver se não se incomodariam com a presença de uma mulher. Super entendi isso. Aí ele voltou dizendo que não teria problema", contou Bárbara.

"Bom, então eu pensei: 'preciso fazer dinheiro'. Vim de uma família bem simples. Nunca me faltou nada, mas a gente sempre viveu com o que dava, com o básico. E aí, em um dia qualquer, eu falei para os meus pais: 'Quero vender meu carro e quero fazer essa cobertura independente. Vou montar meu blog, vou fazer o que eu conseguir fazer de lá de conteúdo e isso vai virar um portfólio para eu vender meu trabalho'. Pronto. Minha mãe enlouqueceu".

Que pai e mãe não se preocupariam com uma filha viajando de carro em um outro continente? Mas Francisco e Inês sabiam que Bárbara já tinha decidido e que não adiantaria tentar segurar a jovem cheia de sonhos. Eles a apoiaram.

"Eu falava como uma entusiasta de que as coisas iam dar certo. Acho que, de fato, eu sabia. É muito louco, é intuitivo. Para a cabeça de duas pessoas como meus pais foi muito difícil entender esse processo. Mas eles sempre me apoiaram: 'Tá se divertindo?', 'Como está aí?'. Só tinham muito medo de eu passar dificuldade financeira ou por alguma coisa que fugisse do meu controle", destacou Bárbara.

Perrengues que valeram a pena

E eu cobri uma Copa do Mundo. É uma verdade e ninguém pode tirar. Foi da minha maneira, mas eu cobri. Foram 40 dias viajando com uma galera que eu não conhecia. Foram vários perrengues. Na África do Sul, a gente tinha muita dificuldade de estacionar o motorhome, de encontrar lugares seguros para poder dormir. Levamos camisas do Brasil para lidar com imprevistos. Muitas vezes, a gente só conseguia comer, dormir e usar a internet graças as camisas".

Bárbara Coelho

Além de tudo, nós, mulheres, temos nossos ciclos mensais em que você precisa de uma rotina melhor estabelecida, um chuveiro melhorzinho para tomar banho. Eu não tive isso. Era um banho frio em um frio danado que estava fazendo. Mas eu digo, sem dúvidas, que foi a maior e melhor experiência da minha vida. Nada vai apagar o que eu vivi. Me apego muito a essa história para os meus desafios até hoje".

Bárbara Coelho

Sérgio Zalis/Globo

A cidade de Vitória ficou pequena

Quando voltou, Bárbara tinha uma Copa do Mundo no currículo de jornalista recém-formada. Para ela, a cidade de Vitória estava pequena e chegara a hora de se mudar para o Rio de Janeiro, onde o sonho do jornalismo esportivo tinha começado, com a visão daquelas repórteres no Maracanã.

"A minha mãe reagiu bem mal, porque não precisava disso. Tinha emprego em Vitória onde eu quisesse trabalhar. Não entrava muito na cabeça dos meus pais. Mas eu fui. A mudança foi de ônibus, daqueles interestaduais mesmo. Deixei minha casa com uma mala gigante, um ventilador e uma televisão. Não precisava de nada além disso. Minha mãe nem teve coragem de me levar na rodoviária. Meu pai foi", relatou Bárbara.

Cheguei e comecei a bater na porta das empresas. Ia nos lugares com um currículo numa mão e um DVD na outra, falava: 'Sou jornalista em Vitória, acabei de cobrir uma Copa do Mundo'. Contava a minha história".

"Está começando a acontecer"

O ditado diz que quem tem amigos, tem tudo. Foi a amizade com jornalistas do Rio que cobriam jogos no Espírito Santo que Bárbara conseguiu sua primeira oportunidade. Foi na Rádio Popular AM, em Duque de Caxias, que ela virou uma das repórteres do Maracanã.

"O projeto não tinha grana, mas, para colocar a cara e a voz, era uma entrada. Quando comecei a trabalhar lá, eu ia para Duque de Caxias todos os dias, fazia os programas de rádio de lá. Comecei a ir aos jogos para fazer a transmissão das partidas. Foi quando parei e pensei: 'Meu sonho está começando a acontecer'. Tinha até a carteirinha da Acerj (Associação dos Cronistas Esportivos do Rio de Janeiro) e achava o máximo".

Sérgio Zalis/Globo

"Mãe, pai, começou a dar certo!"

Mas você acha que Bárbara ficou parada? Claro que não. Seguiu mandando currículos e batendo na porta de jornais e emissoras de televisão. Um dos lugares em que bateu foi o Esporte Interativo. Assim como fez com o Jair Batista, da Rádio Espírito Santo, insistiu para fazer um teste mesmo sabendo que não havia vaga.

"Eu pedia: 'me deixa fazer um teste, pelo menos vocês conhecem o meu trabalho'. Acho que foi sempre na 'encheção de saco' que conseguia algumas coisas. Eu fui chata nisso. Aí, me deram um teste e eu passei. Foi meu primeiro emprego no Rio, com carteira assinada. O salário era muito baixo, mas era um salário. E foi no Esporte Interativo", lembrou.

Quando eu entrei no Esporte Interativo, falei para minha mãe e para o meu pai: 'Começou a dar certo'. Foi a primeira coisa que eu falei. E foi uma grande escola porque eu comentava, apresentava e fazia reportagem. Eu fazia um 'tudão'. Foi um lugar incrível em que eu trabalhei e fiz grandes amigos que tenho até hoje. Foi um lugar que me abraçou e abraçou toda minha inexperiência, o que eu acho que é raríssimo. Eu estava extremamente crua".

Bárbara Coelho

Sérgio Zalis/Globo

A tempestade no meio do caminho

Mesmo feliz no Esporte Interativo, Bárbara sentia a necessidade de acumular mais experiência. Ela, então, conseguiu uma vaga na TV Bandeirantes do Rio, mas não se convenceu a parar.

"Pensava: 'acho que tem que ser mais'. Continuei nessa de mandar currículo. Foi quando eu enviei um email para o Paulo César Vasconcellos, que era chefe de redação do Sportv, dizendo que eu gostaria de conhecer. Quando eu saí da sala do PC, dei de cara com o Gustavo Uerten, que era o chefe do 'Tá na Área'".

— Oi, Bárbara, tudo bem? Prazer! Parabéns pelo trabalho, eu já te conheço da Band. O PC te ligou por alguma coisa?

— Não. Ele não me ligou por nada. Eu que chamei o PC para poder vir aqui, conhecer.

— Então deixa.

— Não. Me dá seu telefone, seu email...

"Fiquei perturbando o Gustavo e ele me disse que a Vanessa Riche estava para sair de licença-maternidade e que ele tinha indicado alguns nomes. Entre esses nomes, estava o meu. Mas o PC não comentou e, por isso, o Gustavo achou que eu não era a bola da vez. Mas falei que queria muito e pedi para fazer um teste", contou.

A essa altura, não tinha mais como permanecer na Band. Bárbara apostou e ficou seis meses sem resposta. A jornalista partiu para um emprego no mercado financeiro e pensou em desistir quando seu pai morreu.

Arquivo Pessoal
Bárbara Coelho ao lado do pai Francisco Vicente

"Você não pode desistir, filha"

"O meu pai foi alcoólatra. Alcoólatra mesmo. E ele perdeu para o álcool. Se entregou. Uma noite, em casa, ele teve uma série de complicações. Já tinha um pouco de cirrose e úlcera, aí teve uma parada cardíaca. Morreu. Meus pais estavam morando em um sítio, numa tentativa de reabilitação. Mas meu pai tinha muitos problemas e, na época em que ele morreu, eu não estava falando com ele.

Meu pai morreu em março de 2012. Meu aniversário foi em dezembro e, por conta da bebida, ele não lembrou. Falei para a minha mãe que só voltaria a falar com o papai no dia em que ele pedisse desculpas. Ele não pediu, não deu tempo. Ele morreu no momento em que estávamos mais distantes.

Foi muito duro para mim. Foram os piores seis meses da minha vida. Nada vai se equiparar àquilo que eu vivi. Eu tive crise de pânico, entrei em tratamento psiquiátrico e pensei em largar tudo. Aí que entram minha mãe e meu irmão Bruno: 'Você não vai embora. Você não passou por tudo isso à toa. Vai dar tudo certo, filha', minha mãe disse".

Reprodução/Instagram
Bárbara ao lado da mãe Maria Inês

Maria Inês não estava errada. No meio de uma feira de mercado financeiro, no início de 2013, Bárbara recebeu uma ligação do Sportv. Ela foi contratada para cobrir a licença-maternidade de Vanessa Riche e não saiu mais de lá. Começava a história da jornalista na maior emissora do país.

Não acho que sou a melhor apresentadora, que sou a melhor profissional, que sou a mais talentosa. Nada disso. Mas tem uma coisa: eu acho que estou entre as pessoas mais esforçadas com quem eu já lidei. E eu acho que é por isso que eu estou aqui hoje. Eu não cansei, eu não desisti, eu não fraquejei. Tive meus dias difíceis, meus dias de dúvida, de achar que não ia dar certo? Obviamente, sou humana. Mas acho que nunca deixei que isso tomasse conta de mim."

Bárbara Coelho

"Mãe, tô na Globo"

Depois de "gabaritar" todos os programas do SporTV, Bárbara foi convidada para apresentar o programa Central da Copa, em 2018, ao lado de Tiago Leifert.

"Eu fui totalmente pega de surpresa. Estava muito bem no SporTV, mas ainda estava dominando meu ambiente ali. Do nada, o Tiago Leifert me mandou um Whatsapp. Mas a foto de perfil do Whats dele não é uma foto. E quando ele falou: 'Oi, Bárbara, Tiago Leifert aqui'. Eu respondi: 'Tá bom, eu sou a Fernanda Gentil'. Achei que era alguém brincando. E aí ele perguntou se eu queria uma foto. Eu disse: 'Quero'. Ele me mandou uma foto dele com o crachá. Ridículo. Eu fiquei morrendo de vergonha", relembrou.

Pouco depois, Bárbara foi chamada para cobrir férias de Fernanda Gentil no Esporte Espetacular, mas não imaginava o que viria pela frente.

João Miguel/Globo João Miguel/Globo

"Mãe, agora eu posso dizer que deu certo"

Bárbara não imaginava que, após dez anos, Fernanda Gentil deixaria o Esporte Espetacular em dezembro de 2018. E muito menos que ela seria a substituta oficial.

"Foi o convite que mais me emocionou na vida. Eu não esperava. Tem uma frase que meus chefes, a Joana Timóteo e o Afonso, falaram: 'A gente não quer que você venha para imitar ou seguir a cartilha de alguém. Queremos que você seja você'. Aí, eu falei: 'Então vai ser fácil'. Eu amo ser quem eu sou. Se eu não preciso imitar ninguém, mudar minha essência, se eu não preciso me transformar em um personagem, acho que vou tirar de letra. Saí da sala deles falando isso", relembrou.

Minha história é essa aí, que está contada: todos os programas do SporTV, Central da Copa... Não fiz mais nada, não procurei nenhum outro emprego. A partir daí, pelo contrário, posso me dar ao luxo de dizer que recusei algumas propostas. E quando veio esse convite do 'Esporte Espetacular', eu liguei para a minha mãe e falei: 'Mãe, lembra que eu ia te ligar para dizer que deu certo? Agora eu posso dizer que deu certo".

João Miguel/Globo

Bárbara está feliz

Amanhã (6), Bárbara Coelho dará mais um passo nessa caminhada: comandará a estreia do novo estúdio, que representará uma nova fase do Esporte Espetacular.

"Vai ser um momento transformador, uma nova era. Eu acho que a gente vai olhar para o Esporte Espetacular como um novo programa, uma nova cara. Vai ter café da manhã, vai ter plateia, entrevista com várias pessoas no estúdio, música... É quase um programa de entretenimento. Mas, óbvio, a gente tem uma veia jornalística que a gente não deve perder tão cedo", comentou.

Feliz! Depois de tudo isso, Bárbara, enfim, sossegou. Ela considerou que chegou onde queria e, no futuro, vislumbra a própria evolução como pessoa e profissional.

"Não me vejo em um lugar, mas eu me vejo em movimento. Não me vejo em uma posição específica daqui cinco ou dez anos. Eu me vejo uma pessoa melhor, uma profissional melhor e é isso que eu busco".

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