Netflix e Ouro

Beatriz Souza conquista primeiro ouro do Brasil em Paris após destruir favoritas e ver TV

Rodrigo Mattos do UOL, em Paris Alexandre Loureiro/COB

Como você se prepararia para uma luta olímpica, aquela que vale medalha? Bia Souza, a primeira campeã olímpica do Brasil em Paris, abriu seu tablet, conectou no Wi-Fi do ginásio olímpico e abriu a Netflix.

Quem viu a cena não soube dizer se ela estava maratonando Grey's Anatomy ou The Office. Mas o que fica é que a inspiração valeu ouro em uma das performances mais impressionantes de um judoca brasileiro em Olimpíadas.

Bia, número 5 do ranking mundial, era favorita para a medalha, com pódio nos mundiais de 2021, 2022 e 2023, mas a chave que pegou não era nada fácil. Se tudo corresse sem zebras, ela enfrentaria três das quatro primeiras colocadas da lista. Três das quatro melhores judocas do planeta em sua categoria.

Só que, para Bia, isso não importa muito. Sem esboçar nem mesmo um sorriso, primeiro ela bateu a sul-coreana Hayun Kim (4 do mundo), depois a francesa Romane Dicko (1) e, na final, a israelense Raz Hershko (2).

Quando soltou a emoção, sorriu e chorou, ela já era campeã olímpica.

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REUTERS/Arlette Bashizi

Eu faço uma audição seletiva [quando ligos as séries durante os torneios]. Consigo me concentrar totalmente ali na luta, no meu momento. Estou focada em mim, no que eu quero fazer, no que eu sei fazer. E era Grey's Anatomy, já é a sétima vez que eu vejo. Indico para todo mundo.

Bia Souza, acabando com a dúvida sobre o que ela estava assistindo.

David Ramos/Getty Images

A construção de uma rainha de gelo

A calma de Bia em sua estreia olímpica impressionou. Como é possível estar tão serena em um palco tão importante? Segundo Sarah Menezes, o ritual das séries ajuda. "Ela é tranquila e adora assistir a várias séries entre uma luta e outra. É legal para mudar o foco um pouquinho, descansar. Mas o aquecimento dela é perfeito", avisa Sarah Menezes, técnica da seleção.

O maior teste aconteceu na semifinal. Bia entrou no tatame para enfrentar Dicko, número 1 do mundo e campeã mundial, que lutava empurrada pela torcida francesa fanática no dia mais concorrido do judô na Olimpíada. Parecia que quem estava em casa era a brasileira, que anulou uma rival que não vencia há quatro anos e finalizou o combate sem mudar o semblante.

Essa coragem contra alguém que deveria ser favorito é justamente o que caracteriza a nova campeã olímpica. O judô brasileiro sabe disso desde 2018, quando Bia, uma jovem com então 20 anos, bateu um bicho-papão.

Idalys Ortiz tem quatro medalhas em Olimpíadas, oito em Mundiais e foi campeã pan-americana 18 vezes. Antecessora de Bia na categoria (e, até Bia, a maior judoca peso-pesado que o Brasil já tinha produzido), Maria Suelen Atltheman foi três vezes ao pódio em Campeonatos Mundiais e lutou contra a cubana 19 vezes. Só venceu uma. Bia bateu Ortiz logo em seu segundo confronto.

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O conselho da rival

Antes daquela vitória, porém, veio uma derrota para a cubana. Foi em 2018, na final de um Campeonato Pan-Americano.

"Era meu primeiro Pan sênior. Perdi e estava chorando horrores. Ela sentou do meu lado e falou assim: 'Calma, menina, não precisa disso. Você é nova, você é extremamente forte e eu acredito que um dia você vai chegar. Então, não se preocupe com a derrota de hoje. Foca em melhorar para a próxima. E eu achei incrível", lembra Bia.

Ortiz já era uma lenda multimedalhista e campeã. "Eu era uma criança ali e ela era uma das inspirações, uma das adversárias que eu sempre tinha que estudar".

Alexandre Loureiro/COB Alexandre Loureiro/COB

A espera foi grande?

Muito se falava sobre quanto tempo o Brasil demoraria para subir ao primeiro lugar no pódio. A delegação verde-amarela bateu na trave algumas vezes e Bia levantou o ouro apenas no nono dia das Olimpíadas em Paris.

Muito tempo? Nem tanto. Nos Jogos de Tóquio, em 2021, Ítalo Ferreira, do surf, foi ouro no sexto dia. Nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, Rafaela Silva, também judoca, ganhou a medalha dourada no quinto.

As projeções feitas antes dos Jogos, de que o Brasil ganharia cerca de cinco medalhas de ouro, seguem vivas. E, para o COB, o resultado de Bia abre o caminho para outras conquistas. "Acho que, sem dúvida nenhuma, dá um alívio para toda a missão, para abrir caminhos para a gente emplacar os outros ouros que, com certeza, virão", comentou Ney Wilson, diretor de esportes de alta performance do COB.

Alexandre Loureiro/COB Alexandre Loureiro/COB

A cara de uma geração

Beatriz quase foi para a Olimpíada há três anos. Lutou até o último momento pela vaga brasileira, mas quem foi para Tóquio foi a veterana Maria Suelen —uma lesão no joelho no Japão, causada por Romane Dicko, fez com que ela se aposentasse e, depois, virasse a técnica de Bia.

Naquela época, a nova campeã olímpica era "apenas" medalhista do Mundial que tinha acontecido naquele ano e o jeito era insistir. Em Paris, mostrou porque é considerada a maior revelação do judô brasileiro dos últimos dois ciclos olímpicos.

Enquanto Sarah Menezes se aposentava e Mayra Aguiar e Rafaela Silva se preparavam para suas últimas Olimpíadas, nos últimos cinco anos Bia conquistou três medalhas em Campeonatos Mundiais (uma prata e dois bronzes), duas em Jogos Pan-Americanos e foi campeã continental quatro vezes.

Com seu ouro, as mulheres brasileiras passaram os homens no quadro de medalhas olímpico. São agora três ouros (com os de Sarah, em 2012, e Rafaela, em 2016), contra dois dos homens (Aurélio Miguel, em 1988, e Henrique Guimarães, em 1992), No total, o Brasil foi a 27 pódios olímpicos (5 ouros, 4 pratas e 18 bronzes). Mayra, com três bronzes, já é a maior medalhista brasilera em número de pódios.

A cada dia a gente está mostrando mais a força da mulher. A força que a mulher tem diariamente. Colocando o nome no topo. E eu acho que é só mais um passo para o nosso crescimento. Para a nossa evolução. E como inspiração para todas as mulheres."

Bia Souza

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Família ficou no Brasil

Bia perdeu a avó, Brecciolina, em junho e, no lugar de ser render ao luto paralisante, resolveu treinar. "Ela quis estar no tatame porque ali, pelo menos, tinha gente para fazer companhia", conta Maria Suelen, sua técnica.

Outra decisão foi manter a família no Brasil. Os pais ficaram em Peruíbe, cidade natal da medalhista. O irmão e a mulher, no Rio de Janeiro. Beatriz Aleixo, cunhada de Bia, disse que a família estava reunida desde às 5 da manhã na expectativa para a luta. "Oramos muito, passamos muita energia positiva. A gente sabe o que isso significa para ela. Quando ela ganha, nós vencemos tambem".

Em família, a cunhada diz que a Bia não gosta muito de falar de judô. "Fui na casa dela há umas duas semanas. Perguntei como estava se sentindo e ela respondeu que estava preparada. Sabia que tinha trabalhado e se preparado o suficiente para ter chegado até os Jogos Olímpicos. Foi algo bem especial", disse.

E completa: "É sensacional ela ser o primeiro ouro do Brasil."

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O início no judô

Beatriz começou a praticar judô aos sete anos —era uma criança espevitada, cheia de energia que enlouquecia os pais. "Eu era daquelas que davam trabalho demais, era muito agitada. Fazia dança, natação, mas continuava botando fogo nas coisas, pintando o cabelo do nada em casa e perturbando os vizinhos. Precisava ocupar todo o meu tempo livre. Me encantei pelo judô já no primeiro treino", conta.

Bia é a caçula de duas filhas e a única a seguir os passos do pai no judô. Aos 15 anos, deixou a barra da saia da mãe, em Peruíbe, no litoral paulista, para encarar uma rotina extenuante em São Paulo: acordava às quatro, cruzava a cidade de trem, metrô e ônibus para chegar à escola às sete. Ao meio-dia, precisava estar no clube para treinar. Ficava por lá até a noite, quando voltava para a república em que morava com mais 14 atletas.

"Fui contratada pelo Palmeiras, e meus pais me deram todo o apoio. Eu tinha uma rotina insana: acordava às quatro, pegava um trem na Lapa, zona oeste de São Paulo, onde morava; depois, o metrô e, então, um ônibus até a escola, que fica na zona leste. Minha aula começava às sete. Depois, corria para o clube, treinava durante toda a tarde; chegava em casa à noite e precisava cozinhar, não tinha nada pronto", relembra.

Os medalhistas brasileiros

  • Larissa Pimenta (bronze)

    A chave é acreditar: Larissa é bronze no judô depois de muita gente (até uma rival) insistir que ela era capaz.

    Imagem: Wander Roberto/COB
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  • Willian Lima (prata)

    Dom e a medalha de prata: Willian sonhava em ganhar a medalha olímpica, e com seu filho na arquibancada. Ele conseguiu.

    Imagem: Wander Roberto/COB
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  • Rayssa Leal (bronze)

    Tchau, Fadinha. Oi, Rayssa: Três anos depois da prata em Tóquio, brasileira volta ao pódio em Paris e consolida rito de passagem.

    Imagem: Kirill KUDRYAVTSEV / AFP
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  • Equipe de ginástica (bronze)

    Sangue, suor e olho roxo: Pela primeira vez na história, o Brasil ganha medalha por equipes na ginástica artística. E foi difícil...

    Imagem: Ricardo Bufolin/CBG
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  • Caio Bonfim (prata)

    Buzina para o medalhista: Caio conquista prata inédita na marcha atlética, construída com legado familiar e impulso de motoristas.

    Imagem: Alexandre Loureiro/COB
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  • Rebeca Andrade (prata)

    'Paro no auge': Rebeca leva 2ª prata, entra no Olimpo ao lado de Biles, Comaneci e Latynina, e se aposenta do individual geral.

    Imagem: Rodolfo Buhrer/Rodolfo Buhrer/AGIF
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  • Beatriz Souza (ouro)

    Netflix e Ouro: Bia conquista primeiro ouro do Brasil em Paris após destruir favoritas e ver TV.

    Imagem: Alexandre Loureiro/COB
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  • Rebeca Andrade (prata)

    Ninguém acima dela: Rebeca ganha sua quinta medalha olímpica, a prata no solo, e já é recordista em pódios pelo Brasil.

    Imagem: Stephen McCarthy/Sportsfile via Getty Images
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  • Equipe de judô (bronze)

    O peso da redenção: Brasil é bronze por equipes no judô graças aos 57kg de Rafaela Silva.

    Imagem: Miriam Jeske/COB
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  • Bia Ferreira (bronze)

    A décima: Bia Ferreira cai para a mesma algoz de Tóquio, mas fica com o bronze e soma a décima medalha para o Brasil.

    Imagem: Richard Pelham/Getty Images
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  • Rebeca Andrade (ouro)

    O mundo aos seus pés: Rebeca Andrade bate Simone Biles no solo, é ouro e se torna maior atleta olímpica brasileira da história.

    Imagem: Elsa/Getty Images
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  • Gabriel Medina (bronze)

    Bronze para um novo Medina: Renovado após problemas pessoais e travado por mar sem onda, Medina se recupera para conquistar pódio olímpico.

    Imagem: Ben Thouard / POOL / AFP
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  • Tatiana Weston-Webb (prata)

    Ela poderia defender os Estados Unidos, mas fez questão de ser brasileira e ganhou a prata de verde e amarelo

    Imagem: William Lucas/COB
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  • Augusto Akio (bronze)

    Com jeito calmo, dedicação e acupuntura, Augusto Akio chegou ao bronze. Mas não se engane: ele é brasileiro

    Imagem: Luiza Moraes/COB
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  • Edival Pontes (bronze)

    Bronze sub-zero: Edival Pontes, o Netinho, conheceu o taekwondo quando ia jogar videogame; hoje, é bronze na 'categoria ninja'

    Imagem: Albert Gea/REUTERS
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  • Isaquias Queiroz (prata)

    Esporte de um homem só - Isaquias Queiroz segue soberano na canoagem e se torna 2º maior medalhista brasileiro da história olímpica.

    Imagem: Alexandre Loureiro/COB
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  • Alison dos Santos (bronze)

    Piu supera tropeços em Paris, mostra que estava, sim, em forma e conquista seu segundo bronze olímpico.

    Imagem: Michael Kappeler/picture alliance via Getty Images
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  • Duda e Ana Patrícia (ouro)

    Dez anos depois do título nos Jogos Olímpicos da Juventude, Duda e Ana Patrícia são coroadas em Paris

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  • Futebol feminino (prata)

    Prata da esperança - Vice-campeã olímpica, seleção feminina descobre como voltar a ganhar e mostra que o futuro pode ser brilhante.

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  • Vôlei feminino (bronze)

    Evidências - Programada para o ouro, seleção de vôlei conquista um bronze que ficou pequeno para o que o time fez em Paris.

    Imagem: REUTERS/Annegret Hilse
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