A décima

Bia Ferreira cai para a mesma algoz de Tóquio, mas fica com o bronze e soma a décima medalha para o Brasil

Beatriz Cesarini Do UOL, em Paris Alexandre Loureiro/COB

Não foi do jeito que ela queria, mas foi da maneira que deu. E deu medalha olímpica, a décima do Brasil nas Olimpíadas de Paris.

Bia Ferreira queria se despedir do boxe olímpico com a medalha de ouro, mas não resistiu ao reencontro amargo contra a irlandesa Kellie Harrington, sua algoz nas Olimpíadas de Tóquio, em 2021.

Sob a pressão da arquibancada lotada de irlandeses, Bia acabou dominada pela adversária. A derrota deixou a brasileira sentida pelo anticlímax em seu adeus, mas arretada do jeito que é, ela logo levantou a cabeça, afinal ganhou a medalha de bronze, sua segunda medalha olímpica.

A atleta encerra sua participação como boxeadora olímpica com uma marca história. É a única no esporte com duas medalhas, bronze na França e prata no Japão. Com o feito, a baiana da bandana brasileira crava, definitivamente, seu nome entre as lendas da modalidade no país.

Alexandre Loureiro/COB
Gaspar Nóbrega/COB

"Não deixei o boxe olímpico como eu queria, com chave de ouro. Mas consegui completar um pouco da missão e tenho uma outra medalha. Não deu, desculpa ter decepcionado alguém, mas quem mais queria era eu. Estou muito sentida com isso, mas é bola pra frente. Tenho outros objetivos e agora é focar em trazer mais orgulho para o meu país".Bia Ferreira

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Irlandesa carrasca

A trajetória de Bia teve início com uma vitória tranquila e por unanimidade sobre a americana Jajaira Gonzalez, nas oitavas de final. O primeiro golpe que a brasileira sofreu no rosto se deu apenas no terceiro assalto, e a classificação aconteceu de forma incontestável.

Já nas quartas, Bia precisou superar o "jogo sujo" da adversária. A holandesa Chelsey Heijne ficou na defensiva, tentando agarrar os braços da brasileira para evitar a sequência de socos. A brasileira, porém, soube ser paciente e venceu os dois rounds iniciais. No último, aplicou um forte cruzado de direita para espantar qualquer dúvida quanto ao resultado, garantindo a vaga para as semifinais.

No reencontro com Kellie Harrington, porém, a revanche não foi possível. A luta foi bastante equilibrada, com um duelo franco e muita trocação, mas a irlandesa soube usufruir de sua melhor envergadura e, com um sorrisinho irônico, conseguiu controlar os rounds, classificando-se mais uma vez para a final olímpica para delírio da torcida irlandesa, em grande número no ginásio.

MOHD RASFAN / AFP MOHD RASFAN / AFP

Medalhistas olímpicos do Brasil no boxe

  • Cidade do México - 1968

    Servílio de Oliveira (bronze)

  • Londres - 2012

    Esquiva Falcão (prata), Yamaguchi Falcão (bronze), Adriana Araújo (bronze)

  • Rio de Janeiro - 2016

    Robson Conceição (ouro)

  • Tóquio - 2021

    Hebert Conceição (ouro), Beatriz Ferreira (praia), Abner Teixeira (bronze)

Quero agradecer a todo mundo que me ajudou a chegar até aqui. Não existe um campeão sozinho. Se eu tenho duas medalhas hoje é porque eu tenho uma equipe sensacional. Queria presenteá-los, ser campeã olímpica, dar essa medalha de ouro. Porque todos merecem demais e todos treinamos muito pra isso

Bia Ferreira

Eles estudaram muito pra poder facilitar o meu trabalho de hoje, mas a minha performance não foi o suficiente. Eu não vou falar nomes porque posso esquecer alguns, mas todos eles são sensacionais. Muito obrigado. Agora, eu tenho uma nova missão, que é deixar eles cheios de orgulho no boxe profissional

Bia Ferreira

Wander Roberto/COB

Bandana é amuleto

A bandana com a bandeira do Brasil que Bia usa é a mesma desde 2017. O acessório foi um presente da mãe Suzana Soares e se tornou um amuleto para a boxeadora, que não consegue ir para qualquer competição antes de se certificar que o pano - já um tanto quanto desbotado de tantas histórias que carrega - está lá na mochila.

"Eu sou uma guerreira e quando eu vou pro ringue, eu vou lutar, vou gladiar. Então, nada melhor do que uma armadura de confiança, que minha mãe me deu. Eu levo, porque traz uma energia boa, traz sorte. Então, por que não, né? Em time que está ganhando não se mexe. Eu acho que é bom, que me dá força", falou Bia Ferreira em entrevista ao UOL.

A bandana chegou na cabeça de Bia simplesmente por ciúmes da torcida. É que a boxeadora nasceu em Salvador (BA), mas a família se mudou para Juiz de Fora (MG) e quando vencia as lutas a relacionavam ao estado de Minas Gerais. Suzana decidiu resolver a situação: Bia é do Brasil.

"Em 2006, fomos morar em Minas, mas somos naturais de Salvador. Somos soteropolitanas e amamos nossa terra natal, mas também aprendemos a amar Minas, terra que nos acolheu. Quando Bia lutava era uma confusão danada. Alguns locutores falavam com propriedade que ela era mineira e outros baiana. Em Salvador, o povo arretado ficava chateado e decidi pensar numa solução. Somos brasileiras, então é isso que importa. Sugeri a bandana", disse.

"É, também, a forma de dizer que estamos juntas não importa onde. Antes e depois das lutas, eu Samira (a irmã) sempre falamos a Bia: 'Você não sobe no ringue sozinha, subimos com você'", acrescentou.

'Antes da luta, gosto de ter minhas coisas todas organizadas'

Wander Roberto/COB

Ela não entra no ringue se não estiver cheirosa

A bandana na cabeça não é o único elemento do ritual de Bia para cada luta. Com uma pitada também de superstição, ela não abre mão de entrar no ringue limpa e cheirosa. Ela sente que, desta maneira, consegue espantar qualquer energia negativa que esteja pairando.

"Antes da luta, gosto de ter minhas coisas todas organizadas. Então, organizo sempre um dia antes ou horas antes de eu sair para a luta. E sempre quando vou para luta, tenho que tomar banho, lavar o cabelo... Tenho todo um ritual de cheirosa, sabe? Energia boa, coisas limpas e em ambientes limpos. Então, desde a primeira à última luta, faço isso sempre", revelou.

Até mesmo quando há lutas próximas uma da outra, Bia dá um jeitinho para ter seu uniforme limpo:

"Mesmo se eu achar que não vai dar tempo de lavar a roupa, porque tenho lutas seguidas, dou um jeito de ir lavar porque, sei lá, acho que, talvez, um dia se eu lutar com roupa suja, posso perder por conta disso. Sei que é mito, mas levo essa simpatia aí desde a primeira luta até agora".

Reprodução / Instagram @beatrizferreira60kg

Agora, Bia só quer a moqueca de mainha

Obcecada pelos resultados, Beatriz Ferreira vem de um período de treinamentos intensos, que incluiu também o foco na alimentação e a abdicação de alguns prazeres culinários. Agora com a medalha no peito, a boxeadora não vê a hora de saciar o seu desejo, algo revelado por sua mãe, Suzana Soares.

"Falamos hoje cedinho e Bia disse assim: 'Quando isso tudo acabar, quero comer a sua comida, a moqueca de ovo porque ninguém sabe fazer igual, fecho os olhos e consigo sentir o cheiro e saborear o gosto'. Aaaah! Mainha aqui ficou tão feliz com essas palavras! Uma declaração de amor!", disse a orgulhosa mãe.

Os medalhistas brasileiros

  • Larissa Pimenta (bronze)

    A chave é acreditar: Larissa é bronze no judô depois de muita gente (até uma rival) insistir que ela era capaz.

    Imagem: Wander Roberto/COB
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  • Willian Lima (prata)

    Dom e a medalha de prata: Willian sonhava em ganhar a medalha olímpica, e com seu filho na arquibancada. Ele conseguiu.

    Imagem: Wander Roberto/COB
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  • Rayssa Leal (bronze)

    Tchau, Fadinha. Oi, Rayssa: Três anos depois da prata em Tóquio, brasileira volta ao pódio em Paris e consolida rito de passagem.

    Imagem: Kirill KUDRYAVTSEV / AFP
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  • Equipe de ginástica (bronze)

    Sangue, suor e olho roxo: Pela primeira vez na história, o Brasil ganha medalha por equipes na ginástica artística. E foi difícil...

    Imagem: Ricardo Bufolin/CBG
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  • Caio Bonfim (prata)

    Buzina para o medalhista: Caio conquista prata inédita na marcha atlética, construída com legado familiar e impulso de motoristas.

    Imagem: Alexandre Loureiro/COB
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  • Rebeca Andrade (prata)

    'Paro no auge': Rebeca leva 2ª prata, entra no Olimpo ao lado de Biles, Comaneci e Latynina, e se aposenta do individual geral.

    Imagem: Rodolfo Buhrer/Rodolfo Buhrer/AGIF
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  • Beatriz Souza (ouro)

    Netflix e Ouro: Bia conquista primeiro ouro do Brasil em Paris após destruir favoritas e ver TV.

    Imagem: Alexandre Loureiro/COB
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  • Rebeca Andrade (prata)

    Ninguém acima dela: Rebeca ganha sua quinta medalha olímpica, a prata no solo, e já é recordista em pódios pelo Brasil.

    Imagem: Stephen McCarthy/Sportsfile via Getty Images
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  • Equipe de judô (bronze)

    O peso da redenção: Brasil é bronze por equipes no judô graças aos 57kg de Rafaela Silva.

    Imagem: Miriam Jeske/COB
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  • Bia Ferreira (bronze)

    A décima: Bia Ferreira cai para a mesma algoz de Tóquio, mas fica com o bronze e soma a décima medalha para o Brasil.

    Imagem: Richard Pelham/Getty Images
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  • Rebeca Andrade (ouro)

    O mundo aos seus pés: Rebeca Andrade bate Simone Biles no solo, é ouro e se torna maior atleta olímpica brasileira da história.

    Imagem: Elsa/Getty Images
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  • Gabriel Medina (bronze)

    Bronze para um novo Medina: Renovado após problemas pessoais e travado por mar sem onda, Medina se recupera para conquistar pódio olímpico.

    Imagem: Ben Thouard / POOL / AFP
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  • Tatiana Weston-Webb (prata)

    Ela poderia defender os Estados Unidos, mas fez questão de ser brasileira e ganhou a prata de verde e amarelo

    Imagem: William Lucas/COB
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  • Augusto Akio (bronze)

    Com jeito calmo, dedicação e acupuntura, Augusto Akio chegou ao bronze. Mas não se engane: ele é brasileiro

    Imagem: Luiza Moraes/COB
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  • Edival Pontes (bronze)

    Bronze sub-zero: Edival Pontes, o Netinho, conheceu o taekwondo quando ia jogar videogame; hoje, é bronze na 'categoria ninja'

    Imagem: Albert Gea/REUTERS
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  • Isaquias Queiroz (prata)

    Esporte de um homem só - Isaquias Queiroz segue soberano na canoagem e se torna 2º maior medalhista brasileiro da história olímpica.

    Imagem: Alexandre Loureiro/COB
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  • Alison dos Santos (bronze)

    Piu supera tropeços em Paris, mostra que estava, sim, em forma e conquista seu segundo bronze olímpico.

    Imagem: Michael Kappeler/picture alliance via Getty Images
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  • Duda e Ana Patrícia (ouro)

    Dez anos depois do título nos Jogos Olímpicos da Juventude, Duda e Ana Patrícia são coroadas em Paris

    Imagem: CARL DE SOUZA/AFP
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  • Futebol feminino (prata)

    Prata da esperança - Vice-campeã olímpica, seleção feminina descobre como voltar a ganhar e mostra que o futuro pode ser brilhante.

    Imagem: Alexandre Loureiro/COB
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  • Vôlei feminino (bronze)

    Evidências - Programada para o ouro, seleção de vôlei conquista um bronze que ficou pequeno para o que o time fez em Paris.

    Imagem: REUTERS/Annegret Hilse
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