O que deu errado?

Tímido e sem sintonia com técnicos, Borja custou quase R$ 70 mi ao Palmeiras e tem futuro indefinido no clube

Diego Iwata Do UOL, em São Paulo Cesar Greco/SE Palmeiras

Segundo estimativas da equipe de segurança do Aeroporto de Cumbica, mais de 3 mil pessoas estiveram por lá em 11 de fevereiro de 2017. Naquele dia, desembarcava em solo brasileiro o Rey de Americas de 2016, título dado ao melhor jogador do continente sul-americano do ano anterior pelo tradicional jornal uruguaio El País.

A euforia não era pouca. O colombiano Miguel Borja fora carrasco do São Paulo na Libertadores conquistada pelo Atletico Nacional (COL), anotando quatro vezes contra os brasileiros na semifinal, e mais uma vez na finalíssima, contra o Del Valle (EQU).

Borja era o substituto perfeito para Gabriel Jesus, que estava de saída para o Manchester City (ING). Para completar, ainda vinha acompanhado do venezuelano Alejandro Guerra, seu companheiro na conquista do Atletico Nacional. O campeão brasileiro trazia, de uma só tacada, a "flecha e o arco" que acertaram a taça mais importante da América do Sul na temporada anterior.

Assim, mesmo que o investimento inicial de US$ 10,5 milhões por 70% dos direitos do jogador parecessem muito, a certeza do retorno técnico compensaria o preço salgado. Com uma cláusula que obrigou o Palmeiras a gastar mais US$ 3 milhões em 2020, na cotação atual, Borja custou, só com a transferência, quase R$ 70 milhões.

Só que o sucesso projetado não aconteceu. Em que pese ter feito gols e ter sido o artilheiro da Libertadores de 2018, o atacante nunca foi o que o Palmeiras, sua torcida e os técnicos Eduardo Baptista, Cuca, Roger Machado, Alberto Valentim, Luiz Felipe Scolari e Mano Menezes esperavam. Borja foi sempre um peixe fora d'água na Academia de Futebol e no Brasil.

O que aconteceu?

Cesar Greco/SE Palmeiras
Miguel Schincariol/AFP Photo

Pouco cartel para tanto cartaz?

Em fim de empréstimo na Colômbia, Borja pode voltar ao Palmeiras em julho, mas será que existe espaço para uma segunda chance? Neste caso, entender as circunstâncias do fracasso anterior podem (quem sabe?) ajudar. Até agora, Borja no Palmeiras foi uma experiência que combinou timidez, falta de sintonia com o clube e incompreensão do tamanho do projeto em que estava envolvido.

Mais do que entender por que a passagem de Borja pelo Palmeiras não funcionou, a pergunta que se impõe é: por que acreditou-se tanto que ele daria certo?

Borja chegou ao Palmeiras após 16 partidas pelo Nacional. Os gols que fez contra São Paulo e Independiente del Valle foram todos os que o atacante anotou na Libertadores de 2016 —ele só chegou ao clube na semifinal, vindo de passagens pelos pequenos Cortulua (COL), Livorno (ITA) e Olimpo (ARG), além de um curto período no Independiente Santa Fé (COL).

A imagem deixada, principalmente, no confronto com o São Paulo acabou pesando para que o Palmeiras forçasse a aposta, peitando rivais chineses que tentavam contratar o colombiano no momento. No imaginário alviverde, Borja parecia a peça que faltava para que o ambicioso projeto Crefisa acabasse enfim coroado com uma Libertadores.

Newton Menezes/Folhapress

Fator Leila contra a concorrência chinesa

Naquela época, existia uma linha direta entre Alexandre Mattos, então diretor de futebol do Palmeiras, e Leila Pereira, presidente da Crefisa, patrocinadora do clube. E essa ligação esteve quente como nunca naqueles primeiros dias de 2017. Havia justificativa. Mattos, afinal, estava negociando a vinda do próximo grande ídolo da torcida. E Leila queria muito que o Palmeiras contratasse o jogador

No meio do caminho, havia chineses. Não era só o Palmeiras que queria contratar o melhor jogador do continente. No mesmo hotel em que Mattos se hospedou em Medellín, na Colômbia, emissários do país asiático também tentavam assinar com o atacante.

Borja, que se frustrara por não ter fechado com um clube europeu, preferia o Palmeiras à China. Mas Juan Carlos de La Cuesta, presidente do Nacional, estava mais para os dólares oferecidos à vista pelos chineses. Mattos percorreu Medellín à procura do empresário do jogador para tentar fazer o negócio acontecer do jeito que fosse preciso.

O Palmeiras queria parcelar a compra em seis ou sete vezes, se possível. De La Cuesta achou que era muito. Mattos não hesitou em acionar Leila. Precisava de um aporte maior e de mais liquidez para conseguir contratar o jogador. A patrocinadora aceitou e, mais do que sinal verde, ainda recomendou: "Traz logo o jogador". O Palmeiras propôs então o pagamento em três parcelas. E o negócio estava fechado.

A relação com os técnicos

JALES VALQUER/ESTADÃO CONTEÚDO

Eduardo Baptista: da admiração à reserva

Substituto de Cuca após o título brasileiro de 2016, foi o primeiro a receber Borja. Viu uma estreia com gol, mas, dali para frente, o atacante perdeu espaço para Willian Bigode. Foi para o banco algumas vezes. Sacado na semifinal do Estadual contra o Novorizontino, chutou um copo d'água. Pouco tempo depois, Baptista perderia o emprego. Em entrevistas posteriores à sua saída, o técnico disse que Borja não emplacou por ser tímido demais.

César Greco/Ag.Palmeiras/Divulgação

Cuca: o pior momento e mais concorrência

Na reestreia do treinador, Borja marcou duas vezes contra o Vasco e ganhou elogios. Duas semanas depois, era reserva contra o São Paulo. Em julho, o Palmeiras anunciava Deyverson por 5 milhões de euros, a pedido do técnico -- o que fazia o valor pago por Borja parecer ainda mais alto. O novato ganhou espaço. Em agosto, o momento em que tudo azedou de vez: o colombiano entrou aos 46 do 2º tempo de um jogo que estava empatado em 1 a 1.

Cesar Greco/Ag. Palmeiras

Alberto Valentim: parecia um recomeço

Borja jogou 23 vezes no Brasileiro 2017, só dez como titular. A única sequência foram três jogos com o interino Alberto Valentim. Anotou três dos seis gols que faria naquele campeonato. Quando deixou o Palmeiras, Valentim declarou que deixava o clube com alguns legados positivos. A recuperação de Borja era um deles. Quando Borja voltou para a Colômbia, deu entrevista a uma rádio de Cali. "Não entendia o esquema do técnico [Cuca]".

Ele [Borja] é um menino introvertido, diferente do Mina, também colombiano. O Borja chegou muito tímido e com o peso de ser o cara do Palmeiras, o cara que ia levar o Palmeiras ao título da Libertadores. Ele se cobrava demais, perdia a concentração e jogava tenso.

Eduardo Baptista, em entrevista ao Globoesporte em 2020, comparando Borja com o zagueiro Yerry Mina, que fez sucesso no Palmeiras e hoje joga no Everton (ING)

Ale Cabral/AGIF

Roger Machado: enfim como um artilheiro

Roger chegou em 2018 com o propósito de fazer Borja jogar bem. E foi quem mais chegou perto disso. Começou escalando o atacante como titular sem ser sacado nos três primeiros jogos da temporada. Em março, o técnico disse em entrevista que recuperara o jogador ao apostar num estilo que o favorecia: bolas enfiadas em diagonal. Após a Copa, Borja precisou passar por uma artroscopia no joelho direito. Nesse ínterim, Roger foi demitido.

Cesar Greco/SE Palmeiras

Felipão: preferência por Deyverson na frente

A história de dois times fortes no elenco ficou clara em 2018. O time B, com Deyverson, teve sequência de bons resultados no Brasileiro. O time A, com Borja, avançou na Libertadores, até parar no Boca. Quando a atenção ficou exclusiva para a Série A, Felipão mesclou os times e Borja virou reserva. No torneio continental, o colombiano foi bem: com 9 gols, foi o goleador da disputa. Em 2019, sofreu com pequenas lesões e perdeu 15 jogos no Brasileiro.

Cesar Greco/Ag Palmeiras/Divulgação

Mano Menezes: queimado em entrevista

A passagem do técnico foi curta. E a relação com Borja, ainda menor. O treinador escalou o colombiano como titular duas vezes nos três meses em que comandou o Alviverde. Borja fez só um gol, no empate com o Bahia em Salvador. Depois de uma entrevista em que Mano disse que o atacante chegara ao Palmeiras sem rodagem suficiente, o colombiano começou a dizer que gostaria de se transferir para o Junior Barranquilla, seu time de coração.

Cesar Greco / Fotoarena

Comportamento retraído atrapalhou

Timidez, falta de entendimento do tamanho do Palmeiras, saudade de casa, obrigação de marcar, peso da camisa... foram muitos os obstáculos para a performance de Borja no Brasil.

Colegas de grupo se assustaram um pouco também com a falta de técnica do jogador, que quase não trabalhou em categorias de base e tinha muitas dificuldades de compreender e desempenhar papéis táticos em campo.

"Ele mata a bola de canela", disse um dos principais jogadores do grupo quando indagado sobre como estava sendo jogar com o colombiano na época de sua chegada ao clube.

Relatos internos dão conta que o atleta, quando abordado por quem desejava entrevistá-lo, normalmente perguntava, meio brincando, meio a sério: "Hay plata?" (Tem dinheiro?). Como a resposta sempre era que não havia, ele então respondia com sua voz abafada e meio rouca: "Entonces, no, no, no", e saia de perto dando risada.

Daniel Vorley/AGIF Daniel Vorley/AGIF

Quando Borja resolveu

Em alguns momentos o colombiano deixou a impressão de que poderia ser o que a torcida palmeirense esperava. Mas a verdade é que foram raros instantes.

Gol na estreia: Borja ficou em campo por 27 minutos contra a Ferroviária, no Paulista de 2017, entrando no segundo tempo. Bateu só uma vez a gol, mas fez um golaço, deixando um belo cartão de visitas para a torcida.

Final do Paulista 2018: Sempre que o calendário permitiu, Borja foi titular com o técnico Roger Machado. No primeiro jogo da final do Estadual de 2018, na Arena Corinthians, ele fez o gol da vitória por 1 a 0.

Hat-Trick na Libertadores: Foi contra seu time de coração e atual empregador que Borja fez seu único hat-trick pelo Palmeiras. Na fase de grupos da edição de 2018, ele balançou as redes três vezes na vitória por 3 a 1 sobre o Junior.

Ale Cabral/AGIF Ale Cabral/AGIF

Lá em baixo

Entre brilhos esporádicos, a grande estrela da Libertadores de 2016 deixou ao palmeirense a sensação de frustração, desde o começo. Abaixo, alguns momentos emblemáticos da decepção com Borja no clube.

Entrar nos acréscimos com Cuca: em agosto de 2017, no empate contra o Vasco no Brasileiro, o colombiano ingressou em campo aos 46 minutos do 2º tempo de um jogo que estava 1 a 1 e praticamente decidido.

Passar em branco na Libertadores de 2017: Rey de Americas na temporada anterior, Borja passou em branco no campeonato para o qual veio para ser "o matador". Chegou a perder um pênalti contra o Peñarol (URU) no Allianz Parque em jogo tenso, no qual o Palmeiras só conquistou a vitória aos 54 do 2º tempo.

A entrevista de Mano Menezes: o técnico disse com todas as letras que Borja chegara ao Palmeiras sem rodagem suficiente para assumir o papel de protagonista no Alviverde, em outubro de 2019. Foi o começo do fim dele no Palestra. O colombiano começou 2020 emprestado ao Junior. "Doeu na alma", disse o jogador.

Getty Images

A situação atual

Borja tem contrato com o Palmeiras até o fim de 2022. O Junior Barranquilla está com o jogador emprestado desde 2020, e o acordo vale até o fim deste mês. O clube brasileiro tem preferência por negociá-lo, mas não recebeu propostas oficiais, tampouco algumas das sondagens que pipocaram na imprensa, como a do Boca Juniors (ARG).

Se não for negociado, Borja volta ao Palmeiras em 1º de julho e pode voltar a jogar a partir de 1º de agosto, quando abre-se a possibilidade de registro e a janela de transferências para jogadores provenientes do exterior.

Para assinar com o clube paulista, Borja recebeu luvas de R$ 1 milhão e acertou salários anuais de US$ 1,2 milhão.

Segundo informações do blog do jornalista Danilo Lavieri, no UOL, Borja pode ganhar uma sobrevida pelo fato de o clube atualmente não ter condições de gastar em novos reforços, assim como aconteceu recentemente no reaproveitamento de Deyverson.

Será que há espaço para uma segunda chance no Palmeiras para o homem de R$ 70 milhões?

Cesar Greco/SE Palmeiras Cesar Greco/SE Palmeiras

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